Personagens femininas dos mangás para se inspirar

Personagens femininas dos mangás para se inspirar

Recentemente ocorreu o CONAHQ, evento online sobre quadrinhos. Uma das palestras foi “Personagens femininas nos quadrinhos: Como fugir de estereótipos“, dada pela ilustradora e quadrinista Mary Cagnin.

Então, resolvi fazer uma matéria sobre personagens femininas que fogem desses estereótipos, para servir de inspiração para todos os escritores, roteiristas e artistas que acompanham o blog. Nesse post, falarei apenas sobre mangás, mas pra frente farei uma matéria sobre os quadrinhos ocidentais.

Vou começar com um clássico que muitos fãs de mangás amam:

Sailor Moon

Se você cresceu na década de 1990, faz parte da sua infância a animação de Sailor Moon, seja pela Manchete ou pelo Cartoon Network. Acho que para muitas garotas como eu, foi uma das primeiras vezes que viu mulheres como protagonistas e como vilãs. Um universo inteiro que girava apenas para as garotas. Atualmente o anime ganhou um remake chamado “Sailor Moon Crystal”, e o mangá foi publicado aqui no Brasil pela Editora JBC.

O mangá criado por Takeuchi Naoko foi publicado pela Editora Kodansha. Sailor Moon é uma obra feminista e vanguardista que começou a ser produzida em 1992 e teve seu último volume publicado em 1997. As protagonistas são independentes, corajosas e amigas. É uma das poucas obras que conheço onde rivalidade não é o tema central. Na verdade, as personagens se apoiam aceitando suas diferenças e sonhos. Enquanto temos personagens super fortes, cujo sonho de uma é casar e abrir uma floricultura, outra que tem um ar sereno e delicado sonha em ser médica e viver de sua carreira.

A história conta as aventuras de Usagi Tsukino (Serena Tsukino, pela adaptação da animação no Brasil) que junto de suas amigas que se transformam nas Sailors para proteger a terra de terríveis vilões alienígenas que querem roubar a energia das pessoas. Elas ainda contam com a ajuda dos gatos Luna, Artêmis e Diana.

Sailor Moon com certeza foi uma das obras que me ensinou que ser uma garota não era empecilho para correr atrás dos meus sonhos; que eu poderia ser quem eu quisesse e o mais importante, que eu era forte o suficiente para resolver meus problemas, sem necessariamente a ajuda de um príncipe encantado. Também é uma das primeiras obras que eu tive contato com casais homossexuais. Por sinal, foi uma das relações mais lindas apresentadas no mangá, pois é tratada de forma natural -como sempre deveria ser- um romance entre duas pessoas que se amam.

Michiru e Haruka, um dois casais de Sailor Moon

Não tem como falar apenas de uma personagem em Sailor Moon, cada um tem algo único e incrível que torna parte importante na história. Cada personagem tem a sua função e suas histórias se unem com a trama principal.


Fullmetal Alchemist

Apesar dos protagonistas da história serem homens, as mulheres da série têm presença forte na trama principal da história. A obra foge dos estereótipos, apresentando mulheres reais, fortes e muito bem construídas.

Arakawa Hirumo, a  criadora de Fullmetal Alchemist

Fullmetal Alchemist possui um mangá com 27 volumes, que foi publicado no Brasil pela Editora JBC no formato meio-tanko e está para ser relançado ainda esse ano no formato encadernado.

A história conta as desventuras dos irmãos Elric, que na tentativa através da alquimia de ressuscitar sua mãe, acabam perdendo partes de seus corpos. Para recuperá-los eles saem em uma jornada para descobrir uma forma de reverter o processo. No caminho, eles se deparam com uma conspiração de Estado, onde eles se veem como peças chaves e precisam lutar.

Durante toda a jornada dos irmãos Elric, somos apresentadas a personagens femininas fundamentais para o crescimento e desenvolvimento da história, começando pela a mãe deles, Trisha, que após sua morte desencadeia a necessidade de descobrir uma forma de trazê-la de volta a vida. Somos apresentados também a sua amiga de infância Winry e a avó dela, Pinako, que são responsáveis por produzir os automails (próteses mecânicas) que substituem os membros perdidos de Ed (o irmão mais velho).

Outra mulher fundamental para os Elric é Izumi, que foi mestra deles e criou os dois irmãos durante o treinamento dos mesmos. Ao longo da história, somos apresentados a muitas outras personagens femininas marcantes, seja entre os vilões, quanto no time do bem. Temos engenheiras (como apresentadas acima), uma menina sonhadora e gentil, uma bibliotecária atrapalhada com memória fotográfica, militares poderosas (entre elas uma grande general que controla todo o Norte do País) mães e donas de casa, ladras e várias personagens que são apresentadas com função e profundidade que poucas histórias conseguem mostrar.


Fruits Basket

Outro mangá que dá um show em caracterização dos personagens e profundidade na construção dos mesmos é “Fruits Basket”, de Takaya Natsuki. Foi produzido de 1999 a 2006, pela Editora Hakusesha. O mangá possui 23 volumes, todos já publicados no Brasil pela editora JBC. É um mangá difícil de conseguir, com alguns números esgotados. Mas que vale a pena ler, sua história consegue te fazer rir, ficar com raiva e chorar tudo no mesmo capítulo.

Furuba (como é apelidado) conta a história de Tohru Honda, que após a morte da mãe vai morar com seu avô, mas acaba sendo rechaçada pelos tios e vai morar numa barraca num terreno que acredita estar abandonado, mas que na verdade pertence ao escritor Shigure Sohma, seus primos Yuki (um colega de classe de Tohru) e Kyo. Durante uma forte tempestade, sua barraca é soterrada e ela é acolhida pelos Sohma. Ela acaba descobrindo que a família possui uma terrível maldição que faz com que quando abraçados por pessoas do sexo oposto se transformem em animais do zodíaco chinês (apenas 13 membros são acometidos por esse mal, entre eles Shigure, Kyo e Yuki).

A profundida dos personagens é lindíssima, principalmente em Tohru e suas amigas de escola que a ajudam a descobrir uma forma de quebrar a maldição dos Sohmas. Cada personagem tem sua história muito bem trabalhada, que é ligada ao desfecho da história. Dentre os personagens temos Ritsu, um transformista que é amaldiçoado pelo espírito do macaco, e apesar de ser identificar-se como homem, gosta de se vestir com kimonos e yukatas. Também temos o personagem não-binário Ayame, que é amaldiçoado pelo espírito da cobra. E a  forte e agressiva Kagura, amaldiçoada pelo espírito do javali.

Kagura inicialmente é colocada como antagonista de Tohru – ou pelo menos a personagem tenta ser- mas Tohru sempre a considerou uma preciosa amiga. Essa relação conflitante é muito bem trabalhada e foge da rivalidade feminina. Ao longo da história, nos é revelado várias facetas dessa relação e como elas conseguem resolver seus problemas de forma aberta e sincera.

Furuba tem uma trama muito mais psicológica do que mágica, tendo como ponto principal a relação dos personagens e seus problemas pessoais do que a maldição em si, tornando a série muito delicada e bela. Se você procura inspiração sobre como escrever uma história com personagens complexas e focada em relacionamentos pessoais, recomendo a leitura de Fruits Basket.


Agora vou citar três mangás no estilo “Slice of life” (mangás que tratam do cotidiano), “Kare kano”, “Kimi ni Todoke” e “Nana.” As três obras foram publicadas no Brasil. “Kare kano” e “Kimi ni Todoke” pela Panini (Planet mangá) e “Nana” pela JBC. Apesar dos três mangás terem como base o mesmo estilo, estão longe de serem parecidos.

Kare kano

A história ficou muito conhecida no início dos anos 2000, graças a popularização que o anime da série alcançou. O mangá foi escrito por Tsuma Masami e publicado pela Editora Hakusensha, entre 1996 a 2005. Teve 21 volumes, todos publicados no Brasil.

O mangá conta a vida de Miyazawa Yukino, que é a garota mais popular de seu colégio, sempre simpática e com as maiores notas do colégio, mas isso começa a muda quando Arima Sôichiro muda-se para o mesmo colégio e rouba o primeiro lugar de Miyazawa, que odeia a perda de seu pódio acadêmico. O que seus colegas não sabem, é que Arima acaba descobrindo que a imagem da “moça inteligente, bonita e cordial” é uma atuação de Miyazawa para conseguir ser popular, pois na verdade ela é egoísta, competitiva e preguiçosa. E essa descoberta desencadeia toda a história.

Kare kano é um shoujo (mangá voltado para garotas de 12 a 18 anos) praticamente canônico. Se você é fã do estilo shoujo, provavelmente já ouviu falar ou já leu. Mas Kare kano vai muito além de um romance adolescente, trazendo temas muito sérios como assédio, relacionamentos abusivos, bullying, abandono, entre outros temas polêmicos. A abordagem do mangá é realista, mostrando os dois lados da história e como fazer para lidar com as situações. Apresenta os personagens passando por essas situações, que eram inevitáveis e importantes, para o crescimento dos personagens. Essas situações tensas têm razões e necessidades ligadas ao enredo principal. Nada em Kare kano foi colocado levianamente, o que faz ele ser tão marcante.

Suas personagens não podiam ser nada menos do que muito bem construídas, desde a duplicidade da personalidade da protagonista, para a personalidade gentil e compreensiva da mãe adotiva de Arima. Todas tem sua função e personalidades muito definidas, e seu s questionamentos pessoais durante a trama são apresentados de forma muito madura e concisa. Se você que abordar temas polêmicos sem cair nos clichês, Kare Kane é uma ótima referência.


Nana

Outro igualmente polêmico é “Nana”, mas não se prende ao dia a dia adolescente. Nana avança a vida adulta mostrando os problemas e necessidades de crescer e amadurecer. O mangá foi criado pela autora Ayazawa Ai, conhecida por seus mangás com histórias complexas e grandes protagonistas femininas.

Nana foi publicado pela Editora Shueisha, entre 2000 e 2009 e atualmente encontra-se em hiatos devido a doença da autora. Ayazawa teve um câncer em 2009 e ficou afastada dos mangás por alguns anos. Ela já encontra-se curada, mas disse que por enquanto não pretende retomar Nana. Todos os volumes lançados no Japão foram lançados no Brasil pela JBC.

A história narra as desventuras amorosas e profissionais de duas personagens que possuem o mesmo nome: Nana. Elas se conhecem numa viagem de trem para Tóquio e acabam dividindo o mesmo apartamento nº 707. Mesmo tendo personalidades completamente opostas,  tornam-se grande amigas e passam juntas por vários problemas.

Nana tem personagens profundas, ao ponto de você simplesmente odiar certos personagens por suas ações e comportamentos. As personagens parecem pessoas reais, cheias de qualidades, defeitos e manias. O mangá trata de vários temas do cotidiano, como a busca pela carreira dos sonhos, gravidez inesperada, relacionamentos nocivos, problemas com familiares, prostituição, entre outros. Todos tratados com realidade e precisão, fazendo brotar reações profundas em seus leitores.

Uma das personagens mais bem construídas da história é a Serizawa Reira, que é a vocalista da banda rival de Oosaki Nana. Reira também acaba sendo responsável por muito sofrimento que as duas Nanas passam, devido seu comportamento egoísta e infantil. Sinto ódio pela personagem, mas tenho que admitir que ela é fundamental para a história, e conseguir odiá-la, só prova o quão bem produzida ela foi.

Se você procura escrever uma história sobre mulheres reais com qualidades e defeitos você não pode deixar de ler Nana.


Kimi ni Todoke

Saindo de assuntos polêmicos e entrando num romantismo poético e delicado, vamos falar agora de “Kimi ni Todoke”. O mangá de Shiina Karuho, foi publicado pela Shueisha e ainda está em andamento.

A história gira envolta de Kuronuma Sawako, que desde pequena não consegue fazer amigos por causa de uma confusão no jardim de infância, quando a chamaram sem querer de Sadako (Samara na versão americana de “O Chamado”). Desde então, as pessoas começam a dizer que ela é uma bruxa e passam a ter medo dela. Quando ela entra no ensino médio, isso começa a mudar com a ajuda de Kazehaya, o garoto alegre e popular da escola.

A história é traçada pelos olhos de Sawako. O ritmo é muito calmo e gentil. Sempre digo que quando leio “Kimi ni Todoke” vejo bolhas, corações e luzinhas cor de rosa. Apesar da calmaria da história, em nenhum momento ela se torna chata ou monótona. A delicadeza da história não impede de tratar de assuntos espinhosos, como falta de amor próprio, fofocas, entre outros.

As personagens tem personalidades distintas, com virtudes, defeitos e habilidades que são mostradas sempre que necessário para que a história possa desenvolver. Entre as personagens, tem uma das amigas da Sawako, que tem uma história muito interessante, onde poucas vezes vi realmente aprofundada em mangás shoujo. 

Uma das personagens, Yano Ayane, tem problemas de autoestima. Ela esconde sua insegurança através da maquiagem e do “jeito descolado” e troca de namorado com frequência, na esperança que preencha o vazio que sente. Quantas garotas por aí não tem o mesmo problema e não sabe como reagir? Histórias assim, além de conseguir fazer a conexão entre leitor e personagem, acabam ajudando pessoas com o mesmo problema, trazendo um conforto que as vezes não se consegue na vida real.


A Princesa e O Cavaleiro

Para fechar, não poderia deixar de falar do pai do estilo shoujo, Osamu Tezuka, e de sua com a bela obra “A Princesa e o Cavaleiro”, um marco para história com protagonismo feminino. O mangá foi lançado originalmente na editora Kodansha, entre 1953 a 1956. Foi uma das primeiras histórias de mangás com protagonistas femininas no Japão. Publicado no Brasil pela JBC.

A história conta as aventuras da Princesa Safiri, do Reino da Terra de Prata, que durante o anúncio de nascimento é anunciado por engano que ela era um menino. E como o reino não permitia uma governante mulher, os pais mantiveram a farsa. Como na linha de sucessão há um malvado duque e seu filho, o segredo da princesa Safiri deve ser guardado a qualquer custo. Quando completa 15 anos, a princesa conhece o Príncipe Franz e se apaixona por ele, a partir daí ela acaba passando por várias desventuras.

Osamu Tezuka escreve uma história digna de Shakespeare, com bruxas, anjos e duques malvados, tratando cada personagem com sua singularidade e suas personagens femininas não são diferentes. Elas carregam coragem, sonhos e medos, mas sempre correndo atrás daquilo que querem. Então você não pode deixar de ler um clássico dos mangás com uma história repleta de fantasia e personagens femininas marcantes.

Espero que tenham gostado! E que essas personagens femininas incríveis citadas sirvam de inspiração para quadrinistas e escritores(a) que leem o site.

Escrito por:

14 Textos

Formada em museologia, mestranda em Preservação do Patrimônio Cultural. Ilustradora e quadrinista amadora. Amante de animação, quadrinhos, artes e cultura geek. Fã do CLAMP, Arakawa Hiromu e Neil Gailman. Esse aristas influenciaram seu gosto por fantasia e por querer entrar no mundo de quadrinho. Apaixonada por dragões, se possível teria um de estimação. Sonha em conseguir publicar suas história e viver delas.
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