Um Estranho Numa Terra Estranha: a construção mútua de conhecimento

Um Estranho Numa Terra Estranha: a construção mútua de conhecimento

Um Estranho Numa Terra Estranha (1961), lançado pela editora Aleph neste ano, foi uma das obras mais importantes para o gênero da ficção científica, juntamente com Tropas Estelares, do mesmo autor, Robert A. Heinlein. Neil Gaiman, responsável pelo prefácio do livro, comenta que a obra “conseguiu questionar o status quo (da época) e contribuir para mudá-lo”, vindo a ser um dos símbolos do movimento hippie nos anos finais da década de 60. 

Sinopse da editora:

“Valentine Michael Smith é um humano criado em Marte. Ao ser trazido à Terra, ele entra em contato pela primeira vez com seus iguais e se esforça para entender os costumes, a moral e as regras sociais que definem os estranhos terráqueos. Em meio a diversas barreiras, o homem de Marte se esforça para grokar esse mundo tão alienígena a ele, enquanto procura explicar à humanidade seus próprios conceitos fundamentais, bem como suas concepções de amor e respeito.”

Pontos positivos da obra:

A primeira parte do livro, contando acerca das expedições americanas em busca de conhecer Marte, e o que o planeta os reservava, é, no mínimo, muito interessante, e deixa a leitora curiosa sobre o desenrolar da trama e do mistério que ronda Valentine Michael Smith, o homem de Marte.

Este personagem, por sua vez, possui grande destaque e é inevitável não sentir empatia por sua condição de alheio aos costumes terrestres; mesmo já sendo um homem maduro, Valentine se comporta como uma criança que, aos poucos, precisa aprender e grokar – palavra marciana para “entender” – o mundo que o cerca em toda a sua complexidade.

Valentine também é o fio condutor para que discussões acerca de fé, religião, alteridade e amor livre sejam elencadas e explanadas. E, mesmo vendo as regras sociais da Terra como algo completamente diferente do que estava acostumado a vivenciar em seu país natal, ele sutilmente ensina conceitos de fraternidade e de boa convivência entre aqueles que o cerca, colocando-os a refletir sobre suas condutas, boas ou más.

A edição da Aleph é belíssima, e a capa colorida da obra remonta ao período mais psicodélico ao qual pertenceu após o ano em que foi lançada. A linguagem do livro é acessível e, apesar de ter como plano de fundo um período futurista e tecnologia avançada, traz consigo termos que só poderiam ser encontrados nas décadas de 60 e 70. Ponto positivo para o cuidado com a tradução, feita por Edmo Suassuna.

Um Estranho Numa Terra Estranha

 

Pontos negativos da obra:

Mesmo a sinopse transparecendo que o enredo é fidedigno às problematizações presentes em tantas questões sociais, como a própria questão do amor livre, um ponto que atrapalha a leitura é o tratamento dado às mulheres. Ben Caxton e Jubal Harshaw são dois personagens extremamente misóginos que, em quase todas as falas, procuram menosprezar e constranger as mulheres da história. Aqui, um exemplo claro de mansplaining:

“- Jill, não sabemos muita coisa sobre Marte, mas sabemos que os marcianos não são humanos. Imagine que você apareceu numa tribo tão pequena nas profundezas da selva que ele eles nunca viram sapatos antes. Você saberia participar de toda a conversa fiada que só é aprendida após uma vida inteira imersa naquela cultura? E essa é uma analogia fraca; a verdade é pelo menos 60 milhões de quilômetros mais estranha.

Jill concordou com a cabeça.

– Eu entendi a questão, por isso desconsiderei os comentários estranhos dele. Não sou burra.

– Não, você é muito esperta, apesar de ser mulher.” (fala de Ben Caxton, pág. 40)

Jill, a enfermeira encarregada de cuidar de Valentine, quando este é colocado em um hospital para ser submetido a experimentos, é uma excelente personagem que, assim como as assistentes de Harshaw, Anne, Miriam e Dorcas, é constantemente silenciada e usada para que os jogos de interesses dos homens da história sejam conduzidos e concretizados. Elas tentam enfrentá-los mas, por estarem em posição hierárquica inferior, tendem a aceitar o que lhes é imposto, pelo fato de dependeram deles para um emprego e um teto sob o qual dormir.

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Até mesmo Valentine, que no começo se mostra uma criatura pura e sem as corrupções da conduta humana, passa a dar ouvidos a Harshaw e internaliza atitudes machistas, uma vez que o homem é visto como um deus pelo marciano.

“Harshaw reapareceu de pijama e robe, em vez de um paletó. Uma máquina tinha coberto seu prato quando ele fora arrastado; após o descobrir, Harshaw continuou comendo.

– Como eu estava dizendo… – comentou Harshaw. – Uma mulher que não sabe cozinhar é um desperdício como ser humano. Se eu não for servido agora, vou trocar vocês todas por um cachorro e atirar no cachorro. Qual é a sobremesa, Miriam?” (pág. 123)

Até mesmo a questão da imposição midiática quanto a um padrão a ser seguido aparece no livro, mas, ainda assim, sem ser problematizada:

“(…) A cena cortou para as pastilhas Garota Sabida, e um esquete deixou claro que uma garota que não usasse não estava só louca, mas também era uma sem-vergonha, e os homens atravessariam a rua para evitá-la.” (pág. 64)

De todo modo, algumas abordagens filosóficas e sociológicas de Um Estranho Numa Terra Estranha podem ser levadas a sério e internalizadas como algo bom a ser seguido. A curiosidade pelo planeta Marte e por seus supostos habitantes, que tanto ronda o imaginário das pessoas, é abordada aqui de forma muito criativa, demonstrando que seres do outro planeta podem ser muito mais evoluídos e sobressaírem a arrogância e a maldade dos humanos.

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Um Estranho Numa Terra EstranhaUm Estranho Numa Terra Estranha

Autor: Robert A. Heinlein

576 páginas

Editora Aleph

Este livro foi cedido pela editora para resenha.

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Escrito por:

117 Textos

Formada em Letras, pós-graduada em Produção Editorial, tradutora, revisora textual e fã incondicional de Neil Gaiman – e, parafraseando o que o próprio autor escreveu em O Oceano no Fim do Caminho, “vive nos livros mais do que em qualquer outro lugar”.
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