[ENTREVISTA] Gabriela Larocca: A relação entre o cinema de horror, questões de gênero e sexualidade

[ENTREVISTA] Gabriela Larocca: A relação entre o cinema de horror, questões de gênero e sexualidade

É com muita honra que realizamos uma entrevista com a pesquisadora Gabriela Larocca, que faz um trabalho incrível ao investigar o Horror, principalmente associado ao gênero e à sexualidade, representação feminina, dentre outros temas de extrema relevância. Sendo assim, esperamos que todos gostem e aproveitem essa entrevista, e depois leiam a pesquisa da Gabriela!

Uma breve apresentação da pesquisadora:

Meu nome é Gabriela Müller Larocca, tenho 24 anos e sou de Curitiba/Paraná. Sou formada em História pela Universidade Federal do Paraná e desde a graduação venho me dedicando a pesquisas que focam no cinema de horror. Entre 2014 e 2016 fui bolsista de mestrado do CNPq e em 2016 defendi minha dissertação “O Corpo Feminino no Cinema de Horror: Gênero e Sexualidade nos filmes Carrie, Halloween e Sexta-Feira 13 (1970 – 1980)”. Atualmente sou doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da UFPR. Tenho experiência na área de História Cultural com ênfase nas relações entre História e Cinema, especificamente na utilização do horror como fonte histórica. Minhas áreas de interesse incluem os estudos de gênero e sexualidade, história das mulheres, cinema de horror, literatura, representação, cultura e mídia. Currículo lattes

Gabriela Larocca

Como surgiu seu interesse pelo campo de pesquisa do cinema de Horror?

GABRIELA: Bom, desde pequena eu sempre gostei muito do gênero. Enquanto adolescente, lembro que assistia a praticamente todos os lançamentos e também os filmes mais antigos. Sempre teve alguma coisa no horror que me intriga muito. Quando estava no primeiro ano da faculdade, tive um professor que em uma aula comentou que existiam diversas formas de estudar História e que inclusive podíamos analisar os zumbis do George Romero e a sua forte crítica social. Lembro que isso me deixou muito empolgada porque visualizei a possibilidade de unir duas coisas que gostava muito: cinema de horror e História.

Nessa época, também era bolsista de um projeto, o Programa de Educação Tutorial (PET), e precisava formular uma pesquisa. Sendo assim, comecei a pensar “O que eu posso estudar a partir do cinema de horror? Qual filme pode ser válido como fonte histórica?”. A ideia inicial era estudar as possibilidades de utilização do horror como fonte e como crítico social, ou seja, como alguns filmes faziam alusão e criticavam o período em que foram feitos, envolvendo questões políticas, econômicas, raciais, culturais, de gênero e etc.

Isso resultou na minha monografia de conclusão de curso em que analisei O Massacre da Serra Elétrica , de 1974, tentando entender como o horror, especificamente esse filme, produzido nos EUA, apresentava nas telas tensões e angústias da sociedade estadunidense de uma forma extremamente crítica e satírica.

E mais especificamente, como surgiu seu interesse pela pesquisa sobre o subgênero ‘Slasher’ e os filmes de Horror dos anos 70/80?

GABRIELA: Enquanto estava escrevendo a monografia, uma coisa que começou a me chamar a atenção foi o aumento drástico da violência contra o corpo feminino no cinema a partir de meados da década de 1970. No horror isso é bem nítido nos filmes slasher/stalker, mas podemos notar também em outros gêneros um aumento repentino de cenas de nudez, violência, de mulheres sendo estupradas e brutalmente mortas.

Fora isso, o que direcionou meu interesse ao subgênero, além da sua popularidade em um período temporal muito especifico, foi o fato de que ao mesmo tempo em que ele apresentava personagens femininas “descartáveis” (ou seja, brutalmente mortas após “desobedeceram” alguma regra, como mentir para os pais ou se engajar em relações sexuais), apresentava também a “garota final”, a “boa moça”, ou seja, a heroína virginal que sobrevive no final. Esses dois estereótipos me deixaram intrigada porque ao mesmo tempo em que pareciam opostos, também estavam de alguma forma interligados.

Para mim, a extrema popularidade desses filmes e suas fórmulas de sucesso continuamente repetidas não poderiam ser aleatórias ou apenas “entretenimento inocente”. Esse tipo de enredo e o aumento da violência contra as personagens femininas deveria ter alguma explicação ou pelo menos deveria ser analisado. Por isso resolvi pesquisar, fazer um projeto de mestrado e tentar entender um pouco mais o contexto em que esses filmes foram produzidos, além de como o cinema de horror dialoga com questões de gênero e sexualidade.

Você escreveu uma dissertação muito interessante sobre gênero e sexualidade nos filmes Carrie, Halloween e Sexta-feira 13. Pode nos dizer como foi o processo de pesquisa e de produção dessa dissertação?

GABRIELA: Primeiramente, obrigada pelo elogio! É muito legal saber que outras pessoas gostaram e estão lendo nosso trabalho. Eu escrevi esse projeto de pesquisa em 2013 como parte da seleção para entrar no mestrado em História da UFPR. A pesquisa em si durou dois anos (2014 – 2016) e acho que muita coisa mudou do projeto até o produto final, que é a dissertação. Ao longo da pesquisa e escrita tive que assistir inúmeras vezes os três filmes escolhidos (prestando atenção ao roteiro, aos diálogos, personagens, imagens, cenas, ângulos, selecionado imagens para serem analisadas e inseridas ao longo do texto, etc.) e procurei embasamento teórico e metodológico em muitas leituras e autoras/es de diversas áreas e campos de conhecimento. Outra tarefa foi entender o contexto em que esses filmes foram produzidos e recebidos, para tentar compreender o seu enorme sucesso. Também contei com as contribuições, correções e indicações da minha orientadora, sem a qual essa pesquisa nunca teria acontecido. Além dos filmes, também analisei dois livros, para mostrar para a leitora/leitor que o cinema de horror não é uma instância isolada do resto da sociedade, mas que se encontra em uma rede interligada de conhecimento e que a violência (seja ela física, sexual, psicológica ou simbólica) contra o feminino não se encontra apenas no audiovisual. Para isso escolhi o livro Carrie, de Stephen King, de 1974, e Looking for Mr. Goodbar, de Judith Rossner, de 1975. Apesar de ter sido um processo longo e cansativo, foi extremamente interessante e sem dúvida nenhuma aprendi muito ao longo desses dois anos.

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Como a sua formação em História contribuiu e influenciou na sua pesquisa?

GABRIELA: Existem diversas metodologias e teorias que podem ser escolhidas para analisar filmes e nesse sentido acho que sempre acabo influenciada pela minha formação de historiadora. Além de me apoiar muito no campo da História Cultural e nos estudos das relações entre História e Cinema, uma coisa que sempre procuro entender é o contexto, seja ele político, econômico, cultural e/ou social, em que um determinado filme (ou subgênero) é idealizado, produzido e recebido. Isso pode nos dizer bastante coisa e ajudar a desvendar determinados medos, monstros e até mesmo a popularidade de alguns filmes. Claro que é sempre interessante estabelecer um diálogo com outras áreas e campos de conhecimento, que podem ser extremamente interessantes, tornando a análise mais rica e profunda, como a psicanálise, os Estudos Culturais e as teorias feministas, por exemplo.

Com base na sua pesquisa, o que você pôde concluir em relação à representação feminina no Horror (principalmente nos filmes estudados)?

GABRIELA: O horror possui mais espaço para violência que outros gêneros cinematográficos, isso é inegável. Mas uma coisa acerca dos filmes slasher/stalker que me chamou muito a atenção é que as personagens femininas são frequentemente estereotipadas de formas negativas, associadas à sua sexualidade, corpo e/ou feminilidade. Isso reforça visões do feminino associadas à negatividade, passividade e ao perigo. Outra coisa é como a violência praticada contra as mulheres nesses filmes é sempre mais brutal, explícita e explorada pela câmera, frequentemente acompanhada de conotações sexuais. Além disso, ocorre uma certa “legitimação” da violência contra o corpo feminino e um “aviso” do perigo que é o exercício da sexualidade feminina. Acredito que não podemos tratar com banalidade esse assunto ou esses filmes, afinal as personagens e os eventos podem ser fictícios, mas as consequências e violências enfrentadas pelas mulheres que os recebem e assistem são extremamente reais.

Quais são suas maiores referências (cinematográficas, bibliográficas) na área do Horror?

GABRIELA: É difícil fazer uma lista, mas pessoalmente gosto muito dos filmes clássicos de monstros da Universal e de diretores como George Romero, Mario Bava e Dario Argento. Atualmente gostei bastante também de Babadook, A Bruxa, Corrente do Mal e Boa Noite, Mamãe. Em relação à referências bibliográficas na área de horror diria que os trabalhos de Carol Clover, Vera Dika, Barbara Creed, Noel Carroll, Kendall Phillips, Rick Worland e Brenda Walter me inspiram bastante.

Gabriela Larocca

Como é para você, ser uma pesquisadora mulher em um ramo ainda (infelizmente) majoritariamente masculino? Você já sofreu algum machismo no meio acadêmico?

GABRIELA: Acho muito difícil encontrar uma mulher que nunca tenha sofrido machismo ou alguma discriminação, seja em qualquer ramo de trabalho ou pesquisa. Apesar de estarmos conquistando cada vez mais espaço no meio acadêmico, nos apoiando com pesquisas, espaços e GTs, ainda temos um longo caminho a percorrer. Muitas pessoas não te levam a sério quando você estuda um tema “excêntrico”, como o cinema de horror, ou quando se insere no campo dos estudos feministas de gênero e sexualidade. Por exemplo, já escutei comentários que afirmavam ser irrelevante estudar personagens femininas e filmes de horror.

Para concluir, você poderia falar um pouco sobre o que está pesquisando atualmente, quais são seus projetos futuros, etc.?

GABRIELA: Atualmente estou no primeiro ano do meu doutorado, iniciando uma pesquisa bem diferente da anterior, desse vez focando em filmes de horror que abarcam a temática da bruxaria e a consequente representação da mulher como mal e bruxa. Um dos meus planos futuros é, se tudo der certo, transformar minha dissertação em um livro e quem sabe fazer um doutorado-sanduíche no exterior.

Gabriela Larocca

Publicado originalmente em Mulheres no Horror

Autora convidada: Rafaela Germano Martins é feminista e apaixonada por Cinema de Horror. Resolveu juntar as duas coisas no Mulheres no Horror / Facebook, um site feito para celebrar as mulheres em frente e por trás das câmeras. Estuda Cinema e Audiovisual e atualmente realiza uma pesquisa sobre a Representação feminina e atribuições de gênero em filmes de vampiro.

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