Retalhos, publicado em 2009, é um gigante que impressiona, seja pelas 592 páginas ou pela forte impressão que deixa em qualquer um que tem a sorte de lê-lo. Quando olhei ele pela primeira vez, não dei muita atenção, pensando se tratar de mais um romance adolescente piegas. Bastou ler as primeiras páginas para ver que a história era completamente outra e que ali estava mais uma HQ que me faria refletir até mais do que eu gostaria.
As ilustrações em nanquim de Retalhos combinam extremamente como o clima pesado e de dualidade que permeiam as páginas, em um constante contraste entre o que personagem percebe como bem ou mal, certo ou errado. A história não flui de maneira completamente linear, onde acompanhamos o crescimento do personagem até a vida adulta, mas com longos mergulhos em sua infância, que claramente o marcou de formas muito ambíguas. A sensação de impotência de Craig fica muito clara na história, onde ele se retrata diminuto quando próximo de suas fontes de medo, permeada por valentões que vão desde outros estudantes até seu pai.
Em meio a violências diárias, a sua fé cristã e o desenho o motivavam, crendo que ainda encontraria paz de alguma forma, mesmo que no pós vida. Essa mesma fé que era sua base, também o atormentava, com a certeza de que por mais que tentasse, ainda não era bom o suficiente para seu Deus.
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O irmão é sempre citado ao longo da história, como um lembrete contínuo da sua infância e dos arrependimentos ligados a ela. O medo de crescer e se tornar sujo como grande parte dos adolescentes e adultos que o rodeavam está sempre presente na história, que acaba tomando um rumo diferente quando ele encontra com Raina e começa a ser exposto à uma realidade bem diferente da própria, tornando-a uma espécie de luz no seu caminho.
É interessante que o próprio autor fala em como essa personagem foi importante em sua vida e em como ele criou uma imagem idealizada da mesma. Enquanto ele era alguém retraído, cheio de fé e sonhador, ela era espontânea e realista, grande parte do tempo confrontando com ceticismo o cristianismo e própria instituição do casamento.
Retalhos se desenvolve por muito tempo nos fatos que permeiam a relação dos dois, como um grande ponto de mutação de Craig. Dali surge o momento de tomada de decisões para o próprio futuro, além do confronto que há entre a fé pessoal e os ensinamentos cristãos.
O que mais me motivou a ler a história é acompanhar o desenvolvimento pessoal de um personagem que é tão diferente de mim. Na vida que levou, na presença da religião, nos dilemas pessoais, esse outro alguém que no fim tem emoções tão parecidas comigo, tendo vivido uma vida tão distinta.
A narrativa é extremamente pessoal, então fica fácil entender o porque de como ela se desenrola, sentindo raiva, tristeza ou amor junto com o protagonista. Retalhos é uma leitura obrigatória, que entra no hall das histórias que ensinam a entender outras realidades, como é o caso de Pílulas Azuis e Bordados. Mais que recomendado!
Retalhos
Autor e ilustrador: Craig Thompson
592 páginas
16 x 23 cm; Brochura
Este quadrinho foi cedido pela editora para resenha