[CINEMA] A Mulher de Preto: Loucura feminina e a maternidade diabólica

[CINEMA] A Mulher de Preto: Loucura feminina e a maternidade diabólica

Em A Mulher de Preto (2012) um jovem advogado, Arthur Kipps (Daniel Radcliffe), trabalha em um escritório de advocacia em Londres e recebe a missão de cuidar da documentação da misteriosa mansão Eel Marsh House, em uma ilha próxima a uma vilarejo afastado de Londres, cuja proprietária, Alice Drablow (Alisa Khazanova) é falecida. Kipps é viúvo de Stella (Sophie Stuckey), morta no parto do filho do casal, Joseph Kipps (Misha Handley). Ao viajar a trabalho, ele deixa o filho sob os cuidados da babá (Jéssica Raine). 

A Mulher de Preto (2012) é um filme baseado no romance homônimo de Susan Hill, com direção de James Watkins e roteiro de Jane Goldman. A história gira em torno da lenda sobre uma Mulher de Preto que toda vez que é avistada por alguém provoca o suicídio de uma criança.

Claro que Arthur descobre que a lenda é real quando passa ele mesmo a ver aparições da tal mulher de preto na mansão Eel Marsh House. Ao longo do filme, ele descobre que a mulher de preto é o espírito de Jennet Humfrey (Liz White), irmã de Alice Drablow, dona da Eel Marsh House. Jennet vivia na mansão com sua irmã, o marido dela e o filho do casal, Nathaniel, que morreu afogado no pântano que circunda a casa.

Mulher de Preto
A Mulher de Preto (2012)

Arthur, que está reunindo os documentos para a venda da casa, descobre cartas que foram trocadas entre as irmãs, onde fica claro que o menino Nathaniel não era filho de Alice, mas sim de Jennet. A que tudo indica, a verdadeira mãe não era apenas privada do convívio do próprio filho, como também acreditava que a morte dele foi responsabilidade de sua irmã Alice.

Isso faz com que Jennet passe a atacar a irmã com acusações sobre a morte de Nathaniel, desenvolvendo um comportamento inadequado e descontrolado, até que comete suicídio. A partir daí, toda vez que alguém vê a Mulher de Preto, uma criança se suicida.

Situado no gênero do terror, a estrutura e proposta do filme não tem nada de inovadoras e tampouco proporcionam muitos sustos. Além do mais, pareceu um pouco confuso e com alguns pontos frágeis no roteiro: Jennet vivia isolada na mansão? Ela ficava presa no quarto? Não tinha acesso ao filho? Em que circunstâncias Alice assume a maternidade de Nathaniel?

Parece que são perguntas menos importantes. Porém, se tudo leva a crer que Jennet enlouqueceu, conhecer as circunstâncias que causaram ou ao menos contribuíram para este quadro seria essencial para compreender a maneira como a A Mulher de Preto é representada no história.

Filmes de terror normalmente usam o sobrenatural como fonte condutora de expressão da nossa dificuldade com o tema da morte. Na seara do terror, a morte é sempre representada de forma cruel e assustadora e espíritos malignos são emissários do Além, que tem o objetivo de atormentar famílias (muitas vezes desestruturadas) e indivíduos (muitas vezes passando por dificuldades emocionais) e lhes roubar suas vidas.

A morte naturalmente é um tema delicado do qual as pessoas evitam tratar até que seja necessário enfrentá-lo – como no caso do falecimento do um ente querido, por exemplo. Aprendemos a lidar com a morte de forma contemplativa, sempre à distância, com muitas esquivas e negativas. Retratamos a morte baseada em questões culturais, sociais, filosóficas e religiosas.

Mulher de Preto
A Mulher de Preto (2012)

Tratar dela é, afinal, lidar com a ideia de finitude e da busca constante para dar sentido à existência e ao presente. Afinal, quantos de nós não nos perguntamos ao menos uma vez na vida: “para onde vou”? ou “Qual sentido disso tudo, afinal”? Temos a sensação de sermos eternos enquanto não nos deparamos com a morte, mesmo que consigamos entender racionalmente a morte como nosso destino, ele só nos parece real e concreto no momento em que ela nos alcança, ou alguém próximo.

Dito isso, imaginamos o quanto pode ser enlouquecedor para uma mãe perder um filho. E aqui não estamos utilizando verbo enlouquecer no sentido figurado. Afinal, se tratamos a ideia da morte muitas vezes como um tabu intransponível, o que dizer da morte de um filho?

Elisabeth Kubles-Ross (8/07/1926-24/08/2004), psiquiatra suíça, descobriu através de seu trabalho com pacientes terminais, que o luto passa por cinco etapas: Negação, Raiva, Negociação, Depressão e Aceitação. Para o psiquiátrico britânico Colin M. Parkes, são traços característicos do luto: a procura, o alívio, a raiva e a culpa.

Existem textos em que a morte é referida como uma “mãe terrível”, também chamada de dragão-mãe, mãe-sarcófago, a devoradora de carne humana, ou Matuta, mãe dos mortos, a deusa da morte; é um tema, segundo Jung, muito encontrado na mitologia pelo mundo todo:

“É um monstro que absorve a criança, sugando-a novamente depois de tê-la feito nascer, vive à espera, de boca escancarada, nos Mares do Ocidente e, quando um homem se aproxima, ela se fecha sobre ele, e é o fim.” (Cf. JUNG, 1997, p.104).

No filme A Mulher de Preto encontramos o retrato de uma mãe que, enlouquecida pela dor da perda de seu filho (o qual, lembremos, foi impedida de assumir) e pela culpa de não estar ao seu lado no momento de sua morte, comete suicídio e encontra forças em sentimentos de raiva e vingança, para retornar à vida e assombrar o vilarejo onde viveu, tirando de outras mães seus filhos ainda crianças.

Mulher de Preto
A Mulher de Preto (2012)

Jennet é retratada de forma grotesca e diabólica, evidenciando a ideia de que a mulher tem a capacidade de dar e tirar a vida e, por isso, somente ela pode ser símbolo daquela que mais tememos, a morte. Deus, como conhecemos no Ocidente, é sempre retratado como homem, o emissário da paz e da boa conduta humana. Já à mulher é sempre atribuída a função de emissária da morte.

Em alguns filmes de terror a maternidade e seus desdobramentos muitas vezes aparecem de forma descontrolada e enfurecida. Em A Mulher de Preto, a mãe em questão não pôde sequer ser reconhecida como tal, perdendo ainda a possibilidade de exercer sua maternidade.

Para piorar um quadro por si só bastante deprimente, seu filho morre de forma trágica. Com certeza foram muitas outras as questões que levaram Jennet à loucura, mas a representação estereotipada e extrema, de que como as mães perdem o controle e como nós, mulheres, estamos rotineiramente enlouquecidas é evidentemente equivocada.

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Possivelmente Jennet não passou por nenhuma etapa do luto e vive a constante busca pelo objeto perdido (seu filho) sem compreender ao certo o que lhe acometeu. Se ela estivesse viva, estaria possivelmente vivendo em negação, sentindo-se culpada e com raiva. Porém, ela preferiu buscar no além a possibilidade de viver em morte o que em vida ficou privada: ser mãe de Nathaniel. Mas, não conseguindo, se deparou com mais dor e mais fúria.

No desejo de estancar seu sofrimento, passou a infringir a dor em outras mães, levando seus filhos ao suicídio. O filme tenta contrapor esta imagem maligna de Jennet com as aparições do espirito da mulher de Arthur, sempre sendo representada como alguém angelical e bondosa.

O que leva a pensar que talvez a questão da maternidade diabólica, aqui, tenha validade apenas para aquela que possivelmente tenha tido um filho ilegítimo, fruto de uma relação inapropriada. Essa mãe não foi merecedora de criar seu filho, tão pouco de encontrá-lo em outra vida.

Já a mulher de Arthur, que teve um filho dentro de uma relação socialmente aceita, formalizada por um casamento, goza a prerrogativa de continuar sendo mãe eternamente, inclusive reencontrando seu filho no Paraíso.

A Mulher de Preto, apesar de fraco no todo, suscita reflexões a respeito de convenções sociais, maternidade e a ideia, sempre a ser combatida, de que o descontrole e a loucura são companheiras constantes das mulheres, que definem nossas ações e, por que não, “justificam“ nosso lugar subalterno na estrutura da sociedade patriarcal.

Para aqueles que adoram filmes de terror, sugerimos alguns títulos onde a maternidade tem lugar fundamental na trama: “Mama” (Andrés Muchietti – 2013), “O Babadook” (Jennifer Kent, 2014), “Confissões” (Tetsuya Nakashima, 2010), “A Garota da Fábrica de Fósforos” (Aki Kaurismäki, 1990) e muitos outros.

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Mulher, mãe, profissional e devoradora de filmes. Graduada em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo, trabalhando com Gestão de Patrocínios e Parceiras. Geniosa por natureza e determinada por opção.
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