[LIVROS] A Imperatriz de Ferro – A concubina que criou a China moderna (Resenha)

[LIVROS] A Imperatriz de Ferro – A concubina que criou a China moderna (Resenha)

A Historiografia sempre teve problemas para retratar mulheres poderosas e é frequente o apagamento da importância de mulheres em questões políticas que guiaram o destino de povos inteiros e, quando retratadas, muitas vezes essas mulheres são categorizadas como cruéis, frias, egoístas e manipuladoras por apresentarem as mesmas características exaltadas em homens que ficaram conhecidos como governantes determinados e implacáveis. No livro A Imperatriz de Ferro conhecemos a história de uma mulher influente nas questões políticas.

Dificilmente haverá outro personagem na história da China que tenha sido tão vilanificado quanto a Imperatriz viúva Cixi, que durante décadas ficou conhecida no ocidente como “Velha Buda” ou a “Dragoa” que usurpou o trono através de um golpe de Estado sedimentado por assassinatos e traição.

Em A Imperatriz de Ferro, Jung Chang, autora do também aclamado “Cisnes Selvagens”, trás à luz uma nova perspectiva dessa interessante personagem. Utilizando de fontes primárias, como os diários de personagens centrais no governo de Cixi, a autora explora toda a trajetória dessa mulher que entrou para a corte aos 16 anos como uma das muitas concubinas do Imperador Xianfeng da dinastia Qing.

Naquela época era permitido ao Imperador possuir quantas concubinas julgasse necessário e as candidatas eram selecionadas por uma espécie de concurso público de beleza, onde as filhas das famílias mais distintas desfilavam para a apreciação do imperador e somente após terem sido descartadas por ele estavam livres para contrair casamento com outro pretendente.

Cixi foi uma das escolhidas no ano de 1852 e ao entrar para a corte seu nome de batismo foi trocado e nenhuma evidência do mesmo sobreviveu. A partir do momento de seu casamento, ela passou a ser conhecida apenas como Lan, magnólia, já que nomear as concubinas a partir de flores era uma prática bem comum. Cixi não foi feita imperatriz, apenas uma concubina dos graus mais baixos, o sexto dos oito graus na hierarquia de consortes imperiais.

Em A Imperatriz de Ferro, vemos que embora a família de Cixi tivesse um certo grau de respeitabilidade na sociedade manchu, estavam muito longe de serem nobres. Seu bisavô havia contraído uma dívida com o Imperador e todas as gerações posteriores foram forçadas a quitar o pagamento. Aos 11 anos de idade Cixi precisou contribuir para o pagamento da dívida costurando para fora. Por ser a mais velha dos filhos, ela sempre era procurada por seu pai para discutir questões referentes à situação financeira de sua família e sempre se mostrou à altura da tarefa a ponto de seu pai declarar que “Na verdade, essa minha filha mais parece um filho”, o que naquela época representava o elogio supremo que uma menina podia receber.

Entretanto, ao tornar-se concubina, Cixi teve que enfrentar um terrível silenciamento não apenas por parte de seu marido, como também de membros do governo. Enquanto suas opiniões eram apreciadas e levadas em consideração por sua família, no palácio elas eram vistas como inapropriadas e seguindo uma antiga tradição da dinastia Qing, as concubinas eram proibidas de participar de discussões de negócios de Estado.

As constantes tentativas de interferir na política do império quase lhe custaram a vida, que só foi poupada por intervenção da Imperatriz Zhen, amiga de Cixi que permaneceria ao seu lado até a morte.

A situação de Cixi mudou em 1856, quando deu à luz ao primeiro filho do Imperador, o que a elevou ao nível 2, estando apenas abaixo de Zhen na hierarquia de consortes. Após a morte do imperador Xianfeng, ela, junto com a Imperatriz Zhen, depôs o Conselho de Regentes que havia sido designado para governar enquanto o grão-príncipe não atingia a maioridade – se o gople tivesse falhado, ambas teriam enfrentado a terrível morte por mil cortes, reservada aos traidores do império.

De acordo com a tradição confuciana de filosofia política, era impossível que uma mulher assumisse o trono do império, por isso Cixi e Zhen eram forçadas a governar escondidas por uma tela atrás do trono, mas isso não impediria que ela levasse a cabo suas decisões de abrir a China para o resto do mundo e iniciar sua modernização, o que a fez entrar em conflito com muitos outros membros da família real que se opunham às relações internacionais, mesmo após o fracasso da China em coibir os ataques franceses e ingleses durante a segunda guerra do ópio.

Cixi compreendeu que naquele momento ela tinha apenas duas opções, abrir o país para acordos comerciais com o ocidente ou enfrentar a aniquilação da dinastia Qing por mãos estrangeiras. Decidida a tirar vantagem da situação, ela passou a trabalhar, na década seguinte, para a construção de um país novo e mais moderno. Mesclando trechos da vida íntima de Cixi com a geopolítica da época, Jung Chang em A Imperatriz de Ferro procura reconstruir a figura histórica da imperatriz viúva revisando pontos controversos trazidos à luz por outras biografias.

Até onde vai a verdade nas histórias contadas sobre Cixi? Ela era uma mulher de muitos talentos que impressionaram vários de seus oficiais e líderes estrangeiros. Vemos em A Imperatriz de Ferro que ela foi capaz de acabar com revoltas e diminuir o rombo nos cofres públicos, sendo uma ávida combatente da corrupção, lidou com crises de política externa com destreza.

Entretanto, a ficha de Cixi não está livre dos crimes comuns a um regente absolutista. Alguns assassinatos políticos, incluindo algumas das concubinas do futuro imperador, execuções de líderes rebeldes, sem falar na usurpação do trono de não apenas um, mas dois imperadores. Cixi era sem dúvida um personagem interessante por todos os ângulos que se pode olhar.

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A Imperatriz de Ferro termina com a descrição dos anos finais de Cixi, quando ela abriu sua corte para mulheres ocidentais e passou a tratar de assuntos mais progressistas, incluindo o direito ao voto e a pretensão de formar uma monarquia parlamentar. No epílogo, Jung Chang descreve o legado de Cixi dizendo que ela foi a responsável por tirar a China da idade das trevas e trazê-la para a era moderna.


A imperatriz de ferro – A concubina que criou a China moderna

Autora: Jung Chang

515 páginas

Companhia das Letras

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Escrito por:

46 Textos

Formada em Comunicação Social, mãe de um rebelde de cabelos cor de fogo e cinco gatos. Apaixonou-se por arte sequencial ainda na infância quando colocou as mãos em uma revista do Batman nos anos 90. Gosta de filmes, mas prefere os seriados. Caso encontrasse uma máquina do tempo, voltaria ao passado e ganharia a vida escrevendo histórias de terror para revistas Pulp. Holden Caulfield é o melhor dos seus amigos imaginários.
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