[SÉRIES] Ela quer tudo: Negritude feminina, autoconhecimento e liberdade

[SÉRIES] Ela quer tudo: Negritude feminina, autoconhecimento e liberdade

Ela quer tudo (She’s gotta have it, em inglês) conta a história de Nola Darling, uma mulher negra, artista, independente, moradora do Brooklyn, nos EUA e que tem 3 amantes. Produzida pela Netflix e dirigida por Spike Lee, a série é baseada no filme de mesmo nome, de 1986, e mostra o dia a dia dessa mulher narrado por ela própria. Assuntos como assédio, sexualidade, padrão de beleza e racismo são abordados ao longo do cotidiano da protagonista e das pessoas à sua volta.

No primeiro episódio, Nola faz questão de esclarecer que o único motivo de expor seu cotidiano é para mostrar que as pessoas pensam que a conhecem, mas na verdade não. Essa afirmação nos primeiros segundos da série, antes de sabermos qualquer coisa a respeito dela, já nos prepara para algo de um ponto de vista diferente do tradicional, pois não é todo dia que uma mulher negra tem voz.

Ainda nos primeiros minutos, Nola traz à tona a questão do assédio que atinge mulheres nas ruas pelo simples fato de serem mulheres e, por incrível que pareça, isso acontece de forma cômica. Essa leveza ao tratar de assuntos sérios varia de acordo com as situações e com as personagens envolvidas, deixando ao clima da série bastante equilibrado.

Relacionamentos principais

Logo no início conhecemos os 3 amantes de Nola, primeiramente por auto-apresentações individuais, depois vemos a interação de cada um com a protagonista. Essas primeiras cenas são essenciais para percebemos a inversão da tradicional mulher negra sexualizada e objetificada substituída por uma mulher negra independente, dona de si e que chega a objetificar esses 3 homens que são: Jamie Overstreet (Lyriq Bent), Mars Blackmon (Anthony Ramos) e Greer Childs (Cleo Anthony).

Jamie é o mais tradicional, sério, e o que mais tenta cobrar de Nola uma exclusividade na relação que nem ele é capaz de proporcionar; Mars é o mais despojado, conhecedor das ruas do Brooklyn, e o que mais se mostra presente no dia a dia de Nola; Greer é o mais sofisticado, convencido, e aquele cuja importância demoramos mais para compreender.

Apesar desses 3 relacionamentos, o mais importante para a protagonista é, sem dúvidas, o que tem com Opal Gilstrap (Ilfenesh Hadera). Como Nola se considera pansexual, sua relação com uma mulher não se mostra contraditório. Opal traz equilíbrio para a protagonista, o que é essencial para levá-la ao que busca por meio da terapia e de suas pinturas que é discernir seus próprios sentimentos e compreender-se melhor.

Ela quer tudo
Nola e Opal Gilstrap

Artes

Uma outra relação essencial para Nola é a que tem com as artes. Seus quadros sempre são vistos nas cenas dentro do apartamento em que vive e, ela, muitas vezes, aparece trabalhando neles. Além de pintora, a protagonista consegue um emprego como professora de artes numa escola bastante rígida onde consegue ter contato com crianças de diversas realidades. A partir daí Nola percebe o impacto que as artes podem causar na vida de outras pessoas e, com ajuda da diretora da escola, aprende a lidar com essa grande responsabilidade.

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Também por meio das artes, Nola expõe e começa a lidar com o trauma de ser atacada por um homem na rua enquanto voltava para casa. Esse acontecimento breve, porém marcante, tem grande influência sobre a protagonista ao longo de toda a série. Desde atitudes pequenas a escolhas significativas percebemos que o fato ainda mexe com ela, apesar de falar tão pouco sobre isso.

Ela Quer Tudo

Padrão de beleza

Tirando o foco de Nola, acompanhamos a história de Shemekka Epps (Chyna Layne), sua melhor amiga. Shemekka vive a pressão de ser uma mulher negra sem o corpo esperado para tal e decide fazer de tudo para conquistar a aceitação que tanto deseja, ainda que isso coloque sua saúde em risco.

A protagonista, claramente, não passa por essa pressão pois tem conhecimento de sua beleza e se sente confortável com seu corpo. Sua relação com Shemekka é voltada para o que mais buscamos nas relações entre mulheres: sororidade.

Ela Quer Tudo
Nola e Shemekka Epps

Racismo

Papo Da Mayor é um morador de rua do complexo residencial que está sendo “repaginado”. Ele foi colega de classe de Nola, serviu o exército dos EUA, agora vive nas ruas vendendo arte que produz com lixo e é o grande incômodo dentre os moradores brancos. Nas cenas que se passam com ele notamos quão estrutural é o racismo.

Trilha sonora e referências culturais

A série é uma grande fonte de referências culturais, como filmes e livros, mas o mais inovador é a trilha sonora. Além de ser recheada de ícones negros, ao fim de cada música a capa do álbum em que se encontra é apresentada por alguns segundos facilitando a vida de quem gosta de buscar informações sobre as canções.

Vale a pena assistir?

Ela quer tudo inova ao colocar uma mulher negra independente e confortável com seu corpo à frente da narrativa de sua própria história, mas além disso, seu entorno traz questões importantíssimas à tona, então a série merece atenção tanto pelo entretenimento quanto pelos valores sociais abordados!

Autora convidada: Valquíria Rocha é mulher, negra, recém-consciente do significado dessas duas características na nossa sociedade. Buscando meu papel nesse meio todo.

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