Angola Janga: uma História de Palmares

Angola Janga: uma História de Palmares

Acreditamos já ser amplamente sabido que grande parte – se não a maior – da nossa história conjunta como nação e humanidade foi apagada, modificada e/ou censurada por aqueles que, desde o início da civilização ocidental como conhecemos, detém o poder social e econômico. Só agora que estamos tendo a possibilidade de conhecer importantes e históricas narrativas. Em Angola Janga: Uma História de Palmares, obra de Marcelo D’Salete, temos a possibilidade de conhecer mais a fundo sobre um episódio tão importante quanto mistificado da história brasileira: os últimos anos do famoso quilombo de Palmares.

Angola Janga

A edição

Angola Janga: Uma História de Palmares é a terceira obra de Marcelo D’Salete a ser publicada pela Editora Veneta, após os sucessos de Cumbe e Encruzilhada (veja AQUI nossa resenha). A edição vem em capa dura, com os desenhos e textos feitos por D’Salete. Além disso, devido ao fato de que a história retratada ser, infelizmente, pouco conhecida pelo leitor geral – incluindo-se aqui os nomes das figuras históricas quilombolas da época, assim como parte do vocabulário usado pelos negros escravizados – existe um glossário nas últimas páginas dedicado a explicar os vocábulos, a história, a religião, o folclore e os personagens retratados no quadrinho.

Angola Janga

O enredo

É interessante ver a escolha de D’Salete de pegar um assunto tão importante e sério e trazê-lo para o universo dos quadrinhos, o qual ainda é visto por alguns como infantil e incapaz de criar reflexões humanas. Dessa vez, vemos um olhar aprofundado sobre o famoso quilombo de Palmares, aqui chamado de Angola Janga (ou “pequena angola”) e sobre os personagens que participaram ou de sua construção ou de sua destruição.

Os conflitos entre os quilombolas, os negros escravizados, os índios,  os portugueses, os holandeses e os paulistas são aquilo que traça verdadeiramente a história retratada ao longo do quadrinho, sendo mostradas as divergências e crueldades presentes na mentalidade branca da época contra índios e negros.

Lideranças negras, além de Zumbi, são apresentadas ao longo dos capítulos do quadrinho, mostrando a disputa por liberdade que travam com os brancos e a disputa de poder que travam entre si, dividindo-se basicamente entre aqueles que querem permanecer em Angola Janga e os que desejam ir para terras cedidas pelo imperador, chamadas Cucaú.

Angola Janga

Ao longo da leitura é comum nos pegarmos em meio a pensamentos que questionam tanto os motivos pelos quais existe o conflito entre negros e brancos e entre os próprios quilombolas quanto o por que de tal passagem histórica não ser amplamente ensinada e explorada no sistema educacional mundial, incluindo o brasileiro. Não é à toa, então, que o autor tenha levado onze anos em pesquisas para elaborar a obra e explorar as questões sociais e raciais presentes na época e que, infelizmente, se mantêm até hoje.

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Confira a sinopse de Angola Janga: Uma História de Palmares:

Angola Janga, “pequena Angola” ou, como dizem os livros de história, Palmares. Por mais de cem anos, foi como um reino africano dentro da América do Sul. E, apesar do nome, não tão pequeno: Macaco, a capital de Angola Janga, tinha uma população equivalente a das maiores cidades brasileiras da época. Formada no fim do século XVI, em Pernambuco, a partir dos mocambos criados por fugitivos da escravidão, Angola Janga cresceu, organizou-se e resistiu aos ataques dos militares holandeses e das forças coloniais portuguesas. Tornou-se o grande alvo do ódio dos colonizadores e um símbolo de liberdade para os escravizados. Seu maior líder, Zumbi, virou lenda e inspirou a criação do Dia da Consciência Negra. Durante onze anos, Marcelo D’Salete, autor de Encruzilhada e do sucesso internacional Cumbe, pesquisou e preparou-se para contar a história dessa rebelião que tornou-se nação, referência maior da luta contra a opressão e o racismo no Brasil. O resultado é um épico no qual o destino do país é decidido em batalhas sangrentas, mas que demonstra a delicada flexibilidade da resistência às derrotas. Um grandioso romance histórico em quadrinhos que fala de Zumbi, e de vários outros personagens complexos como Ganga Zumba, Domingos Jorge Velho, Ganga Zona e diversos homens e mulheres que compõe o retrato de um momento definidor do Brasil.

Angola Janga

 

A representação feminina

A maior representação feminina presente na obra é, sem sombras de dúvida, da líder quilombola Acotirene. Apesar do que nos foi ensinado na época escolar, Palmares não era um quilombo único e pertencente à liderança exclusiva de Zumbi, mas sim um dos diversos quilombos dentro do território da América do Sul, tendo vários líderes como aqueles retratados na própria obra de D’Salete.

Angola Janga

Mesmo assim, apenas uma mulher foi trazida a linha de frente governamental na obra. A conhecida quilombola Acotirene, segundo os poucos relatos existentes da época, destacou-se no início da consolidação de Angola Janga, tendo influenciado as lideranças posteriores de Zumbi e Ganga Zumba. Infelizmente, a personagem tem pouca participação no quadrinho, estando o protagonismo e efetiva liderança ainda em mãos masculinas, sejam elas brancas, negras ou indígenas.

Sentimos falta de uma maior representação e importância feminina, seja na figura de Acotirene ou na de outras famosas quilombolas, como Dandara. Sabemos que os relatos são escassos e que mesmo aqueles existentes estão claramente incompletos, porém, como dito no próprio glossário, D’Salete usou de liberdade criativa para adicionar a participação de Soares à história e, por isso, não entendemos por que não fez o mesmo com as mulheres na trama.

Angola Janga

Conclusão

Tal característica, entretanto, não nos impede de apreciar a representação e reconstrução feita por D’Salete da passagem histórica tão, ainda, deixada de lado. O enredo, as ilustrações e os textos se complementam de uma forma incrível, que nos fascina e nos leva a buscar mais conhecimento sobre tal época, especialmente sobre as mulheres que, temos certeza, fizeram parte da consolidação – seja em figuras de liderança, de guerra ou apenas de moradoras – da famosa Angola Janga. Além disso, a graphic novel foi a vencedora do Prêmio Grampo 2018 de Grandes HQs, divulgado no dia 4 de fevereiro.

Um reconto de uma história importante, trazendo assuntos tão significativos a ponto de tornar o apresentado ainda mais universal. Angola Janga: Uma História de Palmares traz luta, representação, política e história em menos de 500 páginas, mesmo assim, é o bastante para não apenas educar, por mais que de forma superficial – afinal, não é esse o objetivo do quadrinho – mas demostrar como a história pode ser contada de forma a proporcionar reflexões válidas e não ignorância e ódio.


Angola JangaAngola Janga. Uma História de Palmares

Marcelo D’Salete

Editora Veneta

432 páginas; capa dura

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