[LIVROS] A fantasia real de Jonathan Strange & Mr. Norrell (resenha)

[LIVROS] A fantasia real de Jonathan Strange & Mr. Norrell (resenha)

Apesar de não serem exatamente poucas, são raras as autoras femininas amplamente reconhecidas e admiradas por escritos de fantasia e magia. Susanna Clarke é uma dessas que são, por sorte, reconhecidas dentre o ainda amplamente masculino meio literário, conseguindo trazer uma visão feminina e sensata da forma de se escrever magia. Apesar de já possuir alguns contos publicados, Jonathan Strange & Mr. Norrell é o primeiro livro da autora, tendo levado 10 anos para ser finalizado, e o qual ela adentra de cabeça, e sem medo de prejudicar a história com um número específico de páginas, no mundo da fantasia e dos magos.

A história pega o imaginário e a lenda dos magos em uma nova e dinâmica escrita por Clarke, onde esta adiciona novos elementos e folclores ao que nós entendemos como mágicos, misturando aspectos e casos contemporâneos a histórias criadas pela autora que tanto servem para entreter e somar ao espectro narrativo da trama quanto para fundamentar o enredo escrito.

Jonathan Strange & Mr. Norrell

Confira a sinopse:

Em 1806, a maioria da população britânica acreditava que a magia estava perdida há muito tempo – até que o sábio Mr. Norrell revela seus poderes, tornando-se célebre e influente. Ele abandona a reclusão e parte para Londres, onde colabora com o governo no combate a Napoleão Bonaparte e coloca em prática seu plano de controlar todo o conhecimento mágico do país.

Tudo corre bem até que Jonathan Strange, um jovem nobre e impetuoso, descobre que também possui talentos mágicos. Ele é recebido por Norrell como seu discípulo, mas logo os dois começam a se desentender… e essa rixa pode colocar em risco toda a Inglaterra.

Misturando ficção e fatos históricos, Jonathan Strange & Mr. Norrell levou dez anos para ser escrito e foi baseado em uma extensa pesquisa da autora sobre a história da magia inglesa. O livro combina a mitologia fantástica de J.R.R. Tolkien com a comédia de costumes de Jane Austen, de quem Clarke é admiradora confessa, e ainda acena ao romantismo, à observação social de Charles Dickens e à literatura gótica de Anne Radcliffe.

Recebeu o Hugo Award, um dos prêmios mais importantes no gênero fantástico, além de ter sido indicado ao Man Booker Prize e eleito o melhor livro do ano pela revista Time. Agora adaptado para a TV pela BBC, o livro recebe nova edição, com introdução do escritor Neil Gaiman.

Mesmo que a história central esteja focada nos magos Mr. Norrel e Jonathan Strange, o mundo criado em volta deles é ainda mais fascinante a nós (leitores) do que apenas os citados personagens. Clarke conseguiu criar não apenas um novo mundo fantástico habitado por magos e criaturas mágicas, mas uma nova Inglaterra e, por conseguinte, um novo mundo real onde a magia  não é somente aceita, mas buscada, havendo ainda, para dar sentido ao enredo escolhido pela autora, o uso e referência a eventos reais para maior credibilidade à história.

Aqui, os magos são vistos como figuras triunfais e poderosas, sendo grandes aliados em tempos de guerra – como é o caso de Mr. Norrel – ou mesmo como conselheiros e adivinhos acerca do futuro daquele que os pergunta, havendo no livro uma certa distinção de status dada a cada tipo, o que não diminui, porém, o caráter dado a todo tipo de magia, principalmente em razão de, na época em que o livro se inicia, não haver um grande mago exercendo-a de maneira exclusiva.

Jonathan Strange & Mr. Norrell
A introdução foi escrita por ninguém menos que Neil Gaiman!

A escrita de Clarke nos leva a crer que os eventos narrados aconteceram de verdade, tanto aqueles que aprendemos na escola quanto os relacionados aos magos citados e retratados na trama, sendo difícil para quem ler não se deixar levar por esse mundo de fantasia tão verossímil e divertido. As descrições, os diálogos, os feitiços e os folclores contribuem para o nosso encanto com aquilo proposto por Clarke, sendo simples passar pela história e querer mais após o fim das mais de 800 páginas. Sim, o número assusta, mas o enredo tem a capacidade ímpar de nos fisgar ao ponto de não querermos deixar o livro de lado por um minuto que seja.

Cabe dizer, porém, que assim como muitos  – se não todos  –  os ambientes profissionais em nossa realidade, o mundo dos mágicos de 1800 retratado é um masculino. Isso, é claro, nos gera o típico incomodo ao percebermos que não há, realmente, nenhuma mulher que seja uma figura de destaque no mundo mágico, humano ou na interseção dos dois, sendo isso, com certeza, um aspecto decepcionante da trama.

Jonathan Strange & Mr. Norrell
Os Jonathan Strange e Mr. Norrel da BBC

Ao longo da leitura, porém, notamos que tal escolha foi consciente da autora e, curiosamente, é usada como foco de críticas da mesma acerca da situação de sub-representação feminina, bem como de diversas observações acerca do tratamento dado às mulheres da época e ao que era esperado delas. A situação da mulher, apesar de poder ser “justificada” pela fidelidade histórica, é integral e constantemente criticada pela autora através de suas – isto é, do narrador – notas de rodapé, ficando evidente para nós que apesar de serem retratadas como aquilo esperado socialmente das mesmas na época, as mulheres não são, de nenhuma maneira, vistas como inferiores por quem escreve e rege a história.

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O mesmo se dá em relação aos personagens negros do livro. A discriminação, racismo e descaso historicamente sofrido pelos mesmos, apesar de não nitidamente apontado, não é ignorado nem apagado de suas vidas. Sua presença na trama dá a diversidade faltante em muitas histórias de fantasia, em nome da “fidelidade histórica”, mesmo que os mesmos ainda ocupem posições subalternas – como mordomos – em relação a maioria branca, o fato de estarem presentes, não sendo descaracterizados nem, de certa forma, maltratados é refrescante quando comparado aos demais exemplos de obras de fantasia.Jonathan Strange & Mr. Norrell

Não é a toa, portanto, que o livro fez e continua fazendo tanto sucesso, tendo inclusive baseado uma minissérie de mesmo nome pelo canal BBC e, pelo menos na edição brasileira, conseguido uma introdução do famoso autor Neil Gaiman. Jonathan Strange & Mr. Norrell consegue juntar mistério, fantasia, romance e política em uma premissa simples, mas capaz de prender a leitora até a última página e, logo após, nos  fazer ir correndo ver a série. Vale a leitura! 


Jonathan Strange & Mr. NorrellJonathan Strange & Mr. Norrell

Susanna Clarke

Editora Seguinte

824 páginas

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