[ENTREVISTA] Coletivo Vênus: “a gente não tá aqui pra competir”

[ENTREVISTA] Coletivo Vênus: “a gente não tá aqui pra competir”

Talvez você não conheça o Coletivo Vênus pelo nome. Mas se você for de São Paulo, capital, tem grandes chances de já ter esbarrado com alguma das minas no rolê. Sabe por quê? Elas não pararam um segundo em 2017. Fosse organizando festas ou somando em eventos e projetos de outras mulheres, uma coisa era certa: elas estavam presentes. E prometem muito mais para 2018!

Conversamos com duas integrantes, Mari e Bia, para conhecer um pouco mais da história do Coletivo Vênus – que está completando dois anos de idealização e um ano e meio de time formado! –, das suas atuações e também das pretensões para esse ano que acabou de começar:

Coletivo Vênus
“O Nascimento de Vênus”, de Sandro Botticelli, foi a inspiração para o nome do coletivo. (Fonte: Reprodução)

Cheguei alguns minutos atrasada no metrô Ana Rosa, em São Paulo, onde tinha marcado de encontrar as meninas do coletivo para uma entrevista. Entrei em um mini desespero porque não conseguia encontrar ninguém. Foi então que descobri Mariana Nakano (Mari) sentada no chão da estação, recortando imagens de uma folha de papel. “Aproveitei que cheguei um pouco mais cedo para adiantar as coisas do trampo”, se desculpou.

Enquanto esperávamos as outras, ela me contou que dava aula de Artes para a educação infantil e precisava levar aquelas figuras para a escola no outro dia. Não podia perder tempo. Então engatamos em uma conversa sobre a importância de se discutir e aprender a interpretar arte desde pequenos – e também como era a aceitação do visual de Mari (cabelo colorido, tatuagens, alargador) pelos pais das crianças.

O papo foi interrompido quando Ana Beatriz Azevedo (Bia) apareceu, às pressas. “Passei na casa de uma cliente que estava me devendo um dinheiro e acabei fazendo a sobrancelha dela”, explicou, dando risadas. “Espero não ter atrasado demais”.

A entrevista acabou acontecendo só com as duas – já que as outras quatro ou moravam longe, ou estavam ocupadas com a dupla jornada (maternidade que chama, né?) – e rolou ali mesmo, no chão do metrô. Sem frescuras ou tempo ruim.    

Competitividade? Aqui não!

Saber como Mari e Bia se conheceram é uma forma bem prática de captar a essência do Coletivo Vênus: em um dia como outro qualquer, entre ires e vires do metrô, seus caminhos se cruzaram. Ambas curtiram o estilo uma da outra e o que seria “natural” de se esperar é que rolasse aquela mini inveja (automaticamente transformada em desprezo); as duas passariam reto uma pela outra e… vida que segue.

Coletivo Vênus
“Hoje não, satã. hoje não!” (Fonte: RuPaul’s Drag Race)

Por que a gente tem que sentir inveja, se odiar? Por que não se elogiar?”, foi o que pensou Mari no momento. Então puxou assunto com a menina; perguntou seu nome e pediu o contato. Mal pegou o celular e já deu follow no Instagram. A identificação foi instantânea e a amizade, com o passar do tempo, inevitável.

Naquela época, o coletivo ainda estava em seus suspiros iniciais. Tinha foco na música – ele surgiu do encontro de Mari com Bruna (que acabou saindo do coletivo) em uma discotecagem no Capão Redondo –, mas já tinha se expandido para ser mais do que era naquele primeiro semestre de 2016. “A gente queria contemplar outras áreas além da música e das artes visuais, e não ficar também só na Cultura Soundsystem”, explica.

Com essa ideia em mente, ela se juntou à Mylena Garbin para participar da II Semana da Diversidade da Beleza na Cracolândia – um dos primeiros eventos em que experimentaria outras áreas de atuação como coletivo, e que começaria a ditar o perfil dele a partir de então. “Cuidar do visual, se maquiar, não é uma futilidade. Tem a ver com autoestima”, desabafa Mari, que além de professora, é também artesã e formada em Produção de Moda.

Foi na parte da estética que Bia se encaixou perfeitamente. Cabeleireira e apaixonada por visagismo, ela entende a área não como cheia de regras que excluem o gosto pessoal de cada um em busca de um padrão perfeito. Para ela, mexer no visual, seja por meio de cortes de cabelo “diferentões” ou maquiagens ousadas, é uma forma de reforçar as individualidades. “O importante é a pessoa se expressar, se sentir feliz”, ressalta.

Leia também:
>> [ENTREVISTA] “Todas As Meninas Reunidas, Vamos Lá!”: documentário produzido por mulheres conta a história do Girls Rock Camp Brasil!
>> [ENTREVISTA] Aline Vieira: feminismo, música experimental e “faça-você-mesmo”
>> [ENTREVISTA] Pollyanna is Dead: “Mulher não é boneca, nem capacho de machista. Eu, ela, todas unidas.”

Somando com as mina

A ação na Cracolândia despertou nas integrantes a vontade de atingir públicos mais diversos e, principalmente, todas aquelas pessoas que estão à margem da sociedade. A ideia era voltar a fazer eventos lá porque “foi incrível ver a satisfação no rosto daquelas pessoas ao se olharem no espelho!”. Mas com a entrada da gestão Dória, a região ficou cada vez mais perigosa, o que tornou a proposta inviável. Mari lamenta, “A gente precisaria de um coletivo bem consolidado para ter respaldo para atuar lá, o que não era o caso no momento”.

Foi nesse período de amadurecimento como coletivo que elas fortaleceram uma das grandes características dele: a parceria em eventos, na forma de economia criativa – permuta de serviços. Elas levavam os equipamentos e colocavam um som para a galera, e em troca ganhavam um “mimo”, ou simplesmente “somavam no corre das amigas”.

Passaram o ano de 2017 funcionando basicamente dessa maneira, e o saldo foi muito positivo. “É muito bom poder trabalhar dessa forma, onde não só o dinheiro vale, mas os laços que se criam, as amizades que surgem, as parcerias”, contam. “Uma experiência muito mais construtiva para nós como pessoas”.

Entre os eventos que participaram, estavam discotecagens no Morfeus Club, no Escambo, na Fatiado Discos e Cervejas Especiais, na Pool Party do site Universo Retrô e na festa Rebel Sunday, da liga de roller derby Gray City Rebels, na pista de skate da Sumaré, em São Paulo. Também contribuíram com o figurino e a maquiagem da MC Sistah Chillino ensaio fotográfico do ep “Afronta Sonora Vol. II”.

https://www.facebook.com/graycityrebels/videos/1477407982297486/

Empoderamento é o canal

O incentivo ao empreendedorismo e à união de forças das mulheres no cenário independente é o carro-chefe do Coletivo Vênus. Nos eventos que produzem e participam, sempre que possível levam outras mulheres para, de forma colaborativa, exporem ou venderem os seus trabalhos em banquinhas, participarem da festa cantando, tocando, pintando, fazendo tattoos ou apenas curtindo o som.

Convidar mulheres para ocupar esses espaços é uma forma de não só criar e reforçar laços entre elas, mas também de abrir cada vez mais portas para que elas possam exercer autonomia. É importante esse apoio mútuo para que elas ganhem confiança em si mesmas – independentemente da sua aparência física – e em suas produções, e exponham os seus trabalhos em outros lugares; que elas não tenham vergonha em ser quem elas são.

Coletivo Vênus
3ª Feira Cultural – Vila das Cores” que, além de discotecagem, teve espaço para as mina exporem os seus trampos (Fonte: Foco a Rua)

Para Mari, “isso é o sagrado feminino, enxergar a outra como amiga. A gente não tá aqui pra competir”. Bia acredita, ainda que essa seja a real essência do tal do “empoderamento feminino”: apoiar umas às outras, incentivar a amiga a se aceitar da forma que é, e não a mudar para se tornar empoderada. “Eu via no Instagram as pessoas postando coisas como ‘pode ser o que for, só não pode ser sedentária’… Mas eu posso sim! E posso gostar de mim da mesma forma”.

Respeitar as diferenças para encontrar igualdade

O Coletivo Vênus conta atualmente com sete integrantes de perfis que, apesar de coesos, são variados: enquanto Mari e Bia têm essa forte ligação com a área da moda e visagismo, Mylena é produtora, Evellyn é pesquisadora musical e produtora, Maria Luiza é historiadora, Laís Fiocchi é estudante de jornalismo e comanda a Batalha dos Loko, na ZL, ao lado de Gi Madeira, a Guerrilha MC.  

Tentar encontrar as similaridades respeitando as diferenças foi, e é, o grande desafio delas. Como cada uma mora em uma região diferente da cidade, e está em um período (não necessariamente de idade) distinto da vida. Muitas vezes não é possível juntar todas em um mesmo evento. Poderia ser um fator de desânimo, mas teve efeito contrário: foi isso que fez com que elas adotassem a postura de “ir e fazer”.

O foco é dar visibilidade e espaço para as mulheres, certo? Então elas se dividem, e cada uma representa o coletivo quando pode e da maneira que pode! “A gente delega funções de acordo com o perfil de cada uma, respeitando sempre as histórias e visões de mundo diferentes”, explicam.

Coletivo Vênus
Foto que tiramos na rua do “PontaPonta – Arteria & Galeria”, que organizou a Feira “Vila das Cores”, depois que saímos do metrô para comer a melhor batata frita (Foto: Bárbara Alcântara)

Entrando em 2018 daquele jeito!

Se você ficou curiosa para conhecer o Coletivo Vênus, elas já tem rolê marcado para esse início do ano, junto com a Cris SNJ:

Coletivo Vênus

Escrito por:

Feminista, bruxa e vegana. Estudante de jornalismo e de bateria. Apaixonada por gatos, filmes de terror, contracultura e roller derby. Cozinheira (e meio piadista) nas horas vagas.
Veja todos os textos
Follow Me :