The Handmaid’s Tale – 2ª temporada: Primeiras impressões

The Handmaid’s Tale – 2ª temporada: Primeiras impressões

The Handmaid’s Tale foi, sem dúvida, uma das grandes séries de 2017. Baseada no livro homônimo de Margaret Atwood, ganhou diversos prêmios, entre os quais o Globo de Ouro de Melhor Série Dramática. Criada por Bruce Miller, ela retornou em 2018 para a segunda temporada. E esta semana foram transmitidos os dois primeiros episódios

O intrigante, todavia, é que boa parte da história original já havia sido adaptada. Apenas algumas cenas e o epílogo foram cortados na produção da série. Desse modo, mesmo aqueles que leram o livro de Atwood estavam cegos quanto ao caminho que ela percorreria. Restava, assim, a pergunta: para onde caminharão com a série?

The Handmaid's Tale

O que foi deixado para trás

A série, produzida pelo canal Hulu, mostrou em sua primeira temporada a realidade distópica de uma mulher separada de sua família e obrigada a exercer a função de aia. Em uma sociedade dominada por crises econômicas e ambientais, um partido religioso instaura um governo totalitário. Nele, direitos são anulados. Mulheres férteis são estupradas por homens do governo. Os dissidentes, mortos ou enviados para as colônias – um lugar sobre o qual pouco se sabe, mas muito se teme.

A adaptação se concentrou no relato em primeira pessoa de June/Offred (Elizabeth Moss). Ela, ao serviço de um comandante (Joseph Fiennes) e de sua esposa Serena Joy (Yvonne Strahovski), começa aos poucos a se rebelar. E encara um fim misterioso: sua prisão. A primeira temporada terminou, assim como no livro, com a condução de June pelo governo.

No livro, o epílogo intitulado “Notas Históricas” não revela o que de fato ocorreu com a personagem após a denúncia, tampouco esclarece o que houve com os demais personagens. Trata-se de uma abordagem de um professor em período posterior ao regime de Gilead, acerca de fitas encontradas em uma rota de fuga que narram a história vista pela perspectiva de June/Offred. A parte, no entanto, serve mais ao propósito da autora de criticar a historicidade do autoritarismo e evidenciar que pouco se mudou após a superação do sistema de Gilead, do que a elucidar o destino dos personagens.

The Handmaid's Tale

O mundo de fora e o mundo de dentro

Apesar de se basear na narrativa do epílogo para construir uma continuação, a segunda temporada vai além. Oferece novas visões para o mundo externo a Gilead. Também explora o mecanismo das colônias e das mulheres condenadas através da personagem Emily (Alexis Bledel). Ela aborda a reação dos indivíduos nos países “livres” com Moira (Samira Wiley) e Luke (O. T. Fagbenle). E a rota de fuga com a protagonista June, que como todos esperavam, é resgatada pelo movimento Mayday.

Bruce Miller relatou ao The Hollywood Reporter que a temporada apenas cobrirá os 200 anos de diferença entre a condução de June e os eventos do epílogo. Nesta entrevista, o produtor falou que apenas abordará lentamente o que é descrito rapidamente no livro. No entanto, pode-se falar que a série vai além, sim, ainda que não vá além temporalmente. Isto porque muito do que será abordado não foi escrito pela autora originalmente. Atwood, sobretudo, não fez referências ao destinos dos personagens secundários.

Diante da adaptação de grande parte do conteúdo original, a série tem liberdade para ser mais criativa. Uma vez que o principal já foi passado, sobra tempo para que os produtores explorem mais do passado dos personagens. Os dois primeiros episódios, por exemplo, continuam com a dinâmica de flashbacks. Portanto, não há apenas explicações acerca dos cliffhangers da primeira temporada. Há também esclarecimentos da origem dos personagens e do próprio sistema. O tempo de tela é, portanto, aproveitado para aprofundar o panorama fornecido anteriormente.

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A maternidade como fator de dominação

Já no primeiro episódio o tema da maternidade retorna com força. A biologia feminina permite que a mulher gere um novo ser humano. E essa característica é utilizada autoritariamente na atribuição de uma função. Acerca dela, a mulher não tem controle. É, logo, a visão de uma maternidade compulsória.

June, que já era mãe de Hannah, foi estuprada pelo comandante na tentativa de concepção. Sem sucesso, teve que recorrer ao motorista Nick (Max Minghella), por quem acabou se apaixonando. Desse romance – o qual está longe de ser idealizado – a protagonista engravidou, apesar de que o feto fosse reconhecido como sendo do comandante Fred. Quando ela foge, portanto, não é apenas uma aia fugitiva, mas uma aia que rouba a oportunidade de um comandante e um esposa terem um filho. Embora em seu ventre, o feto é propriedade de outras pessoas, e por essa razão, seu corpo enquanto casulo é vislumbrado como propriedade de outrem. O crime de June, logo, é ainda mais grave.

O interessante da série é não apenas que ela traga essa perspectiva. No primeiro episódio, apresenta ainda o contraste da outra experiência de June. Mostra como ela era com Hannah – sua filha com Luke – e como a sociedade exercia controle sobre o seu papel como mãe. Na figura materna, June tinha mais responsabilidades para com a sua filha do que Luke, e era julgada por qualquer eventualidade na criação de Hannah. Se a menina ficasse doente, June tinha o dever de ficar em casa com ela, enquanto o mesmo não era estabelecido para o genitor masculino. Embora o flashback seja atribuído à virada de sistemas, é algo que faz parte da realidade feminina.

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A sexualidade é uma imposição

Não apenas a maternidade é compulsória, como também a sexualidade. Pelo sistema de Gilead, a norma é a heterossexualidade. Mas nada muda instantaneamente. Todo processo se baseia em algo preexistente. O preconceito latente numa sociedade dita livre ressurge na medida em que a opressão assume o papel de lei. Primeiro vem o julgamento. Depois a anulação de direitos e a morte.

A discussão é levantada no desenvolvimento da personagem Emily, que retorna com mais destaque na segunda temporada. O segundo episódio foca sobretudo em sua trajetória como mulher lésbica e cientista, que vê frustrada sua tentativa de fuga pelo fato de poder servir ao Estado como parideira. Tudo o que lhe fora autorizado passa a ser negado. Não há lei a que se possa recorrer quando a lei é a expressão da autoridade opressora. E nessa medida, a humanidade também lhe é negada. Emily passa a ser um objeto que biologicamente pode ser útil à geração de indivíduos.

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As mulheres transgressoras

Emily foi enviada às Colônias após dois delitos de seu período como aia. Todavia, não se abordou na primeira temporada o que teria ocorrido com ela no local. A nova temporada, então, retrata o trabalho forçado e a precariedade da vida nas Colônias. Escravizada, Emily vive junto a diversas mulheres que também foram excluídas do regime de Gilead, por alguma transgressão. Nas Colônias, as mulheres tentam se apoiar na medida do possível, afinal, são vítimas de um mesmo inimigo. Emily usa de seu conhecimento anterior para tratar as demais mulheres, contudo, nem mesmo ali a realidade é a mesma.

Emily conhece uma esposa que fora enviada às Colônias por trair seu marido. A princípio, a mulher acredita que está num nível superior de criminalidade em relação às demais mulheres. Acredita que, por ser temente a Deus, ela tem mais chances de perdão. Mas tudo isto não exclui o fato de que ela apoiou a violência contra outras mulheres. Mulheres podem, sim, reproduzir a violência sistêmica. Elas não percebem, porém, que elas também são vítimas das mesmas práticas, e que algum dia elas podem ser encaradas como as transgressoras do regime que ajudaram a instituir.

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Liberdade para e liberdade de

“Existe mais de um tipo de liberdade, dizia tia Lydia. Liberdade para: a faculdade de fazer ou não fazer qualquer coisa, e liberdade de: que significa estar livre de alguma coisa. Nos tempos da anarquia, era liberdade para. Agora a vocês está sendo concedida a liberdade de. Não a subestimem”. (O Conto da Aia, p. 36)

O trecho retirado do livro é utilizado quase integralmente na temporada. Offred e as demais aias recebem de tia Lydia a lição, após uma transgressão coletiva. A tia tenta lhes convencer de que o governo de Gilead livra-as das imposições da falsa liberdade anárquica – referência aos tempos pré-Gilead. No entanto, o sentimento não pode ser assimilado na medida em que não existe a liberdade de fazer algo por si. Como é possível acreditar em qualquer dos conceitos de liberdade e confiar, quando não se pode sequer pensar por si? E June somente se sente livre quando pode se despir de suas vestes de aia. Somente é livre quando ela tem posse de si. Quando é June Osborne e não mais Offred (of Fred).

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Para onde leva essa rota?

A segunda temporada, pelos dois primeiros episódios, está sendo encarada como mais pesada. Talvez os produtores tenham inserido mais cenas de impacto para prender mais a atenção, diante do conhecimento prévio do público. Não existe mais o elemento surpresa, pois as espectadoras já sabem do que se trata. Ainda, já perceberam muitas semelhanças com a realidade. Então, este é o momento de ir além, de trazer mais para aquelas que já estão preparadas.

Apesar disso, é uma temporada que se propõe mais a elucidar. Apresenta cenas fortes, mas também cenas de desenvolvimento para que o público veja mais facetas dos personagens e do cenário que já conhece. Quase todos os personagens da primeira temporada reaparecem já nos dois primeiros episódios, seja através de flashbacks ou do desenvolvimento normal da série. 

Também parece trazer ainda mais emoção, na medida em que aproxima mais o mundo fictício daqueles que o encaram por trás de telas. Insere, por exemplo, acontecimentos reais posteriores à publicação do livro, na década de 80. E pode levantar ainda mais questionamentos acerca da realidade em que vivemos. Enfim, é uma temporada promissora.

https://youtu.be/EnyqrbC8EtQ

O Conto da Aia

Margaret Atwood

Editora Rocco

368 páginas

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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