Dear White People – 2ª temporada: os pontos negativos no ativismo de minorias

Dear White People – 2ª temporada: os pontos negativos no ativismo de minorias

Estreou, finalmente, a 2ª temporada da série Dear White People (ou Cara Gente Branca, em português) e não poderíamos ter começado a assistir a série com maior expectativa. Esta, felizmente, não apenas foi atingida como superada, sendo que a série conseguiu – em apenas 10 episódios – tratar, entre outras coisas, de alguns dos muitos pontos negativos presentes no ativismo de minorias. Isso sem deixar de lado o enredo que dá ritmo e tom à narrativa dos alunos de Winchester, conseguindo nos fazer ficar não apenas pelo fator documental, mas também pelo entretenimento.

Comecemos pelas polêmicas: afinal, quais são esses pontos negativos presentes no ativismo e retratados na série?

Inicial e majoritariamente, o que mais nos chamou atenção na série foi a retratação sútil, porém contundente, dos preconceitos e discriminações contra outras minorias dentro de grupos minoritários étnico-sociais. Três exemplos de anti-negritude (tradução literal do termo inglês “anti-blackness”) presentes na série se dividem entre os grupos étnicos latinos e asiáticos e entre o grupo social LGBT+.

Na primeira transmissão do programa de rádio rival – Cara Gente Direita ou Cara Gente (de) Direita – percebemos, dividindo o espaço de “liberdade de expressão” com jovens brancos, um jovem asiático. Tal presença reforça, além da conhecida anti-negritude asiática (que se reflete tanto em discriminação direta quanto em apropriação cultural e piadas jocosas), a triste concepção asiática como minoria modelo.

Dear White People

Conceito este que determina o status superior de asiáticos – quer dizer, asiáticos coerentes e o mais próximo possível do ideal de magreza e branquitude – como modelo de minoria a ser seguido, como a minoria que “deu certo”, o que cria a impressão de aceitação de tal etnia no espectro do sistema racista e determina a busca por seus indivíduos por um maior afastamento da minoria que “deu errado”, leia-se, a negra (ou mesmo asiáticos de pele mais escura), como visto em tal situação acima referida.

Quanto ao grupo latino, a anti-negritude também não é nenhuma novidade, afinal, ainda é um choque para alguns estrangeiros saber que existem negros em países latinos e não apenas indivíduos – principalmente mulheres – portadores de pele cor de oliva ou o máximo de bronzeamento que ainda permita a clareza da pele. Talvez isso – somado ao pensamento do colonizador – afaste o desejo de aproximação com indivíduos negros e o que eles representam (claro, este último inteiramente fabricado pela mídia de massa e afins) de tal forma que os latinos passem a se ver como superiores aos negros – e portanto semelhantes ao branco – tendo “legitimidade” para discriminá-lo e atacá-lo.

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Dear White People

O racismo LGBT+ é relativamente simples de se analisar, afinal não se trata realmente de paradoxo étnico, mas sim social. O fato de alguns membros da comunidade – assim como retratado em Dear White People – serem racistas se dá por a raça não estar atrelada à orientação sexual. Tais indivíduos não deixam de ser brancos (ou latinos, asiáticos e etc) por não serem heterossexuais, permanecendo como parte do grupo étnico sistematicamente dominante e como agressores ou perpetuadores (seja direta ou indiretamente) de tal relação de poder.

A 2ª temporada ainda consegue retratar o delicado assunto de homens negros perpetuadores de comportamentos misóginos, homofóbicos, transfóbicos e etc. Os hotep (chamados assim popularmente dentro do movimento negro norte-americano) apresentam as ideias mais primitivas dentro do movimento negro, excluindo e rejeitando tudo aquilo trazido e imposto pelo colonizador com a ideia de extrema realização pessoal e sistemática. Apesar de seus pensamentos retrógrados ou inventados, tal grupo representa o grau mais alto de dissociação causada pela busca da identidade negra na sociedade atual causada por anos de dominação branca e rejeição cultural.

Dear White People

Além desse excelente modo de retratar alguns dos diversos pontos negativos presentes no ativismo de esquerda, Dear White People ainda consegue apresentar discussões pertinentes ao atual cenário social sem abandonar o trabalho feito na 1ª temporada.

A questão do aborto foi (talvez) a novidade mais importante trazida na nova temporada da série, feita de um jeito nem romantizado nem crucificado. Ao contrário, a abordagem dada ao assunto demonstra como não se trata de uma escolha fácil e desejada à mulher – visto que deve ser integralmente e apenas dela – mas de uma situação das mais difíceis e sérias a se decidir.

Dear White People

Uma questão tão forte tratada de uma maneira tão simples e verossímil a telespectadora nos desperta um sentimento de reconhecimento, identificação e até surpresa, já que tal abordagem não é comum ao entretenimento midiático. Mesmo assim, Dear White People conseguiu nos surpreender e encantar ao tratar de tal assunto da maneira que o fez, colocando em foco (positivo) a mulher – sua verdadeira protagonista – e ao mesmo tempo demonstrando que tal ato não a definirá futuramente.

Resgatando o já alcançado na 1ª temporada, as questões de excelência negra e BLERD (black nerds, isto é, negros nerds) são reforçadas e ainda mais celebradas, consolidando dois dos diversos (e talvez mais polêmicos) espectros presentes na comunidade negra.

Dear White People

Os contrastes entre as vivências brancas e negras – além da óbvia abordagem policial – também retornam, trazendo menções ou críticas claras ao esforço e dedicação que os indivíduos negros devem exercer para terem sequer uma chance de competirem com seus semelhantes brancos (não, não se trata de meritocracia). Apesar disso, a sensação de impotência diante do sistema ainda permanece – e é retratada a todo momento – especialmente como crítica direta a absolvição policial quando da abordagem à indivíduos negros.

A 2ª temporada de Dear White People é um exemplo de acertos tanto do diretor quanto da equipe de roteiristas e escritores, sem falar das atuações maravilhosas e extremamente reais do elenco, de forma que nos permite desfrutar das críticas e acolhimentos feitos ao longo da narrativa.

Dear White People

O foco, assim como a 1ª temporada, permanece (e se reforça) não apenas o movimento negro, mas nos próprios indivíduos negros com suas diversas particularidades e características, tanto positivas como negativas, sendo retratados – diferente de alguns shows do cenário atual – como verdadeiros e simples seres humanos.

https://www.youtube.com/watch?v=UbCQsA1g3K0

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