Desobediência: um monótono amor proibido

Desobediência: um monótono amor proibido

Desobediência é o novo filme do diretor chileno Sebastian Lélio, e seu primeiro falado em inglês. O longa conta a história de Ronit (Rachel Weisz) e Esti (Rachel McAdams), duas mulheres que tem que enfrentar a desaprovação da comunidade judaica ortodoxa londrina a seu relacionamento amoroso. Ronit é rebelde, e Esti é conformada e reprimida. Tanto o ponto forte quanto o fraco do filme residem nele não ser cheio de explicações expositivas, revelando aos poucos detalhes do enredo e da história pregressa das personagens. (infelizmente isso é estragado pelo trailer, portanto, recomendamos evitá-lo). 

Desobediência traz vários elementos em comum com o longa anterior de Lélio, Uma Mulher Fantástica, como lidar com o luto, o preconceito, a rejeição e a culpa. É uma pena que não desenvolva suas personagens ao ponto de realmente engajar a atenção na trama. As duas Rachels, ótimas atrizes, fazem o que podem para exprimir o máximo de emoção reprimida em seus papeis. Mas o filme é do tipo que se desenvolve lentamente, e infelizmente não chega a lugar nenhum.

Muito pode ser dito por meio de silêncios e subtextos, mas aqui eles são tão contidos e econômicos que não levam a uma composição mais profunda do caráter ou do conflito dos personagens. É possível terminar o filme sem saber a motivação que os leva a tomar determinadas atitudes. Enquanto é positivo ir descobrindo certos detalhes aos poucos, alguns deles nunca são realmente revelados. E essas informações fazem falta para que compreendamos o cenário completo. Há também grandes elipses temporais que cortam cenas em que decisões cruciais são tomadas. Dá para entender posteriormente o que aconteceu, mas perde-se muito de desenvolvimento emocional ao fazê-lo. Isso tudo traz um distanciamento enorme para a espectadora. 

[Spoiler apenas neste parágrafo] Por exemplo, é difícil compreender porque Esti simplesmente não deixa seu marido e vai viver com Ronit em Nova York. A ligação dela com a comunidade e a tradição judaica não é explorada o suficiente para que entendamos sua decisão de ficar, mesmo estando tão infeliz com a vida que leva. Isso se deve, provavelmente, ao desinteresse de Lélio sobre a comunidade que está retratando, e uma preocupação maior com o que os personagens simbolizam. Só que os símbolos às vezes não dão conta de carregar um filme sozinhos. Sem uma narrativa crível, portanto, é difícil comprar o conflito interno que o filme propõe. [fim do spoiler!]

Fora isso, a fotografia é toda em tons acinzentados, quase em preto e branco, e todos os personagens vestem roupas escuras, deixando o cenário de inverno londrino com aspecto mais frio do que já é. Mesmo a tão falada cena de sexo é feita calculadamente, de forma muito coreografada, o que a faz parecer fria e sem espontaneidade. É perigoso também cair novamente na fetichização de lésbicas. O marketing de Desobediência se baseou firmemente nisso para vendê-lo como um grande drama erótico, o que ele nem sequer é.

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Havia muito potencial pelo tema e pelo elenco, e as duas atrizes até possuem certa química. Mas Desobediência emula tanto a sociedade repressiva que retrata, que também não deixa a narrativa exprimir muitas emoções. É positivo o fato de não vilanizar a tradição judaica ortodoxa como um todo, que inclusive inicia o filme com o rabino fazendo um sermão sobre o poder dado aos humanos de fazer escolhas. Esse tema é evocado durante todo o filme. É uma pena que ele não se interesse em nos fazer compreender minimamente porque as personagens fazem as escolhas que fazem. Nem toda falta de explicação é necessariamente positiva ou poética. Às vezes é apenas monótona mesmo. 

Desobediência estreia amanhã, 21 de junho, nos cinemas.

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Cineasta, musicista e apaixonada por astronomia. Formada em Audiovisual, faz de tudo um pouco no cinema, mas sua paixão é direção de atores.
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