No mês em que comemoramos o orgulho LGBTQ+, celebrado no dia 28 de junho, devemos também voltar os olhos para a representação de sexualidades não normativas no audiovisual. Não podemos negar o fato de que houve uma melhora na qualidade e na quantidade da de aparição de personagens LGBTQ+ em filmes, mas os grandes estúdios apostam também em uma estratégia que divide opiniões: vale dizer que o personagem é gay/lésbica depois que o filme já foi lançado sem que nada sobre este aspecto ficasse claro nas telonas? Eis a questão. É um avanço nas produções de Hollywood ou só um engano para audiência LGBTQ+? Vamos analisar algumas questões, com base no artigo original de Karen Frost, do site Afterellen.
O lance é que os estúdios não querem que o personagem saia do armário para não atrapalhar os lucros ou, pelo menos, ameaçar. Por exemplo, o diretor da versão feminina de Caça-Fantasmas, Paul Feig (2016) confirmou, em uma entrevista, que o personagem de Kate McKinnon (Jillian Holtzmann) é lésbica, mas, que ele não pôde colocar o tema diretamente no filme por proibição da Sony. Antes do lançamento de A Bela e a Fera (Bill Condon, 2017), a imprensa noticiou que o companheiro de Gaston (Luke Evans), LeFou (Josh Gad) seria gay. No entanto, a homossexualidade dele não aparece nitidamente no filme.
O mesmo acontece com o personagem de Donald Glover, Lando Calrissian, em Solo – Uma História Star Wars (Phil Lord, Christopher Miller e Ron Howard, 2018). O roteirista Jonathan Kasdan afirmou que o herói seria pansexual, mas, este aspecto não fica evidente no filme. A história se repete também com Alvo Dumbledore (interpretado no cinema por Richard Harris e Michael Gambon), na saga de Harry Potter. A autora J.K. Rowling disse que o personagem era gay depois de que todos os filmes e todos os livros já tinham sido lançados. Em outras palavras, esses personagens estão sendo utilizados apenas para marketing. O fato de não serem heterossexuais não acrescenta nada à história, não fortalece a representação significativa que tanto anseia a audiência LGBTQ+.
A questão é que se um personagem não é mostrado como gay nas telas; seja através de um diálogo, uma ação ou uma interação implícita; não deve ser reivindicado como tal depois que o filme é lançado. Essa estratégia não promove nenhuma mudança real e importante. Dessa forma, os/as fãs da comunidade LGBTQ+ ficam frustrados/as ao invés de felizes em verem a si mesmos/as representados nas telonas.
Os personagens gays deveriam ser tratados com o mesmo respeito dentro de fora das telas. Uma forma digna de começar seria não cortar as cenas onde os personagens aparecem como sendo homossexuais, ou bissexuais ou pansexuais, como o caso da bissexualidade da Valquíria (Tessa Thompson), em Thor: Ragnarok (Taika Waititi, 2017) ou em Pantera Negra (Ryan Coogler), onde também aparecia uma cena de flerte entre Okoye (Danai Gurira) e Ayo (Florence Kasumba).
No entanto, há uma pergunta a ser feita: é melhor não ter nenhuma representação ou nenhuma menção fora das telas ou ter uma pequena cena, de piscar de olhos, que toque no assunto, como o momento em que o personagem de Trini “Dee Dee”, a Ranger Amarela (Becky G), admite que não é heterossexual, em Power Rangers, O Filme (Dean Israelite, 2017) ou mesmo a discussão provocada pela pansexualidade da vice-almirante Amilyn Holdo (Laura Dern), em Star Wars – Os Últimos Jedi (Ryan Johnson, 2017)? Não é uma questão de aceitar migalhas, mas será que tudo isto é um tipo de progresso para uma melhor representação no futuro (próximo, esperamos…)?
Vamos a alguns bons exemplos: Com Amor, Simon (Greg Berlanti) é o primeiro longa de Hollywood focado em um romance gay adolescente. Todo Dia (Michael Sucsy) é outro filme que tem um personagem transgênero e um beijo entre pessoas do mesmo sexo, no intuito de mostrar que o amor vai além dos gêneros.
Em Não Vai Dar (Kay Cannon), uma das protagonistas é uma adolescente que aceita sua orientação sexual. E em Deadpool 2 (David Leitch), a adolescente Míssil Megassônico (Brianna Hildebrand) tem uma namorada, Yoiki (Shiori Kutsuna). Todos são filmes de 2018.
Ano passado, Atômica (David Leitch) tinha uma protagonista bissexual, interpretada por Charlize Theron, com bonitas cenas entre ela e Sofia Boutella, que interpreta a agente Delphine Lasalle. Atômica foi um dos 75 filmes mais vistos no mundo, em 2017, com arrecadação de 95,8 milhões de dólares. Podemos considerar um começo?
A princesa Elsa de Frozen – Uma Aventura Congelante (Jennifer Lee e Chris Buck, 2013) ainda não tem uma namorada, como muitas pessoas querem, mas com LeFou, Disney já introduziu um personagem abertamente gay nas suas histórias.
O grande problema é que os estúdios ainda entendem que a representação explícita de personagens LGBTQ+ pode limitar a arrecadação no mercado internacional. Por exemplo, dois terços do lucro esperado para filmes como Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald (David Yates, 2018) devem vir do exterior e não do mercado doméstico americano/inglês.
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Colocar um personagem gay pode minar esses lucros em grandes mercados como China e Rússia, que, talvez, banissem o filme de suas salas de cinema. Por outro lado, histórias como Não Vai Dar, Deadpool 2 ou Com Amor, Simon podem apresentar conteúdos LGBTQ+ porque o mercado doméstico garante o retorno esperado.
Logo, os estúdios têm poucas opções para agradar a gregas e troianas. Vamos a elas: publicitar que um personagem é gay sem mostrar explicitamente na tela. Assim, os estúdios acenam que consideram a representação LGBTQ+ importante sem impactar nos possíveis lucros. Ou podem colocar uma pequena cena que mostre personagens gays e que pode ser retirada em mercados conservadores, sem comprometer a história do filme ou, por último, podem arriscar e adotar as cores do arco íris sem medo. Nesse momento, parece que Hollywood inclina-se pela primeira opção, mas, o fato pode não significar necessariamente que é apenas uma tática de engano para a audiência LGBTQ+.
A grande meca do cinema está passando por mudanças, também um reflexo da diversidade de pessoas que trabalham nessa indústria do entretenimento. A audiência, também diversa, pressiona, cada vez mais, para ver suas histórias ricamente refletidas na telona. Já existe um mercado que acolhe sem medos personagens diversos. E a tendência é de crescimento. É possível que Disney não abrace explicitamente, na grande tela, a ideia de que Elsa é lésbica e tem uma namorada. Talvez, apenas mencione, sem mostrar nada. Não é o ideal, não é o que queremos, mas pode ser um começo…