Sempre que nos deparamos com histórias sobre vingança, é quase impossível não pensarmos em violência, sangue e mortes. A história de James O’Barr, mais conhecida por sua adaptação cinematográfica de 1994 (The Crow), não foge à regra, mas possui uma pequena exceção: esses fatores são apenas o pano de fundo para uma história muito mais densa e profunda de O Corvo. Uma história sobre perda e solidão.
A edição especial da DarkSide Books, que possui 272 páginas e é uma versão definitiva de um dos maiores clássicos dos quadrinhos góticos, conta com uma introdução visceral onde o autor revela, finalmente, que a história possui um teor um tanto autobiográfico, sendo a ela parte de algo que poderíamos chamar de um processo de cura do mesmo.
Além disso, fomos agraciadas com páginas inéditas e até uma sequência que, na época, o quadrinista não se sentiu à vontade de publicar, mas como o mesmo justifica na introdução, agora completa a sua obra.
Inspirado em uma história pessoal, O’Barr dá vida (ou apenas morte) aos seus personagens. É interessante saber que o nome de Eric (o Corvo) é inspirado na obra “O Fantasma da Ópera“, e que Shelly, a noiva dele, é uma homenagem à autora Mary Shelley. Os nomes não foram escolhidos ao acaso ou por mera homenagem aos grandes clássicos, mas representam uma figura de linguagem adicional à obra, que dão outro revestimento à história em si.
A trágica adaptação cinematográfica de 1994
Apesar do filme de 1994, sob o título original de The Crow, colocar Shelly “na geladeira”, não há como negar que ele é um primoroso clássico e, até agora, uma das melhores adaptações da obra, que possui cerca de 4 filmes lançados. Cabe destacar ainda que havia sido anunciado um reboot do filme, que seria estrelado pelo ator Jason Momoa, mas que infelizmente não vai mais acontecer.
Voltando ao filme de 94, como muita gente já sabe, foi durante uma das suas filmagens que o ator Brandon Lee foi morto por acidente, com uma bala de verdade, que deveria ser de festim. Por ironia do destino, mais uma vez a morte de uma pessoa próxima estava ligada à obra de O’Barr: a que outrora inspirou a graphic novel e, naquela época, a que marcou a adaptação cinematográfica da sua obra. Foi uma forma trágica da vida imitar a arte, mas ainda assim, aconteceu.
Shelly: a mulher na geladeira?
Já abordamos por diversas vezes a questão das “Mulheres na geladeira” (Women in Refrigerators), termo criado pela Gail Simone para referir-se à violência, em geral, brutal, perpetrada contra as mulheres, que era utilizada como um mero recurso de roteiro para que o personagem principal (um homem, claro), tivesse uma motivação subjetiva para seguir a sua heroica jornada.
Partindo desse pressuposto, O Corvo possui todos os requisitos, pois a noiva de Eric é cruelmente estuprada e assassinada na sua frente e este é o estopim para a sua busca por vingança. No entanto, diferentemente da adaptação do cinema, onde Shelly é de fato este mero recurso de roteiro que Gail Simone tanto crítica, nos quadrinhos, a subjetividade da obra retira a história original deste enquadramento.
A violência e a vingança, presentes na graphic novel, como já mencionamos, são um mero recurso para dar relevância a algo maior, o qual é a discussão sobre a dor e a solidão. James O’Barr escreve e ilustra uma bela e trágica história de amor e perda e do quanto as coisas triviais, quando não mais existentes, tornam-se os momentos mais importantes na vida de Eric.
É interessante como O’Barr escolheu nos falar sobre a dor. Eric, que é imune a qualquer ferimento físico e é basicamente imortal, é atormentado pela dor da perda e da solidão. Seu sofrimento psicológico se torna um sofrimento físico e é retratado em diversas cenas, onde o mesmo aparece se contorcendo em dor.
No quadrinho, não é Shelly que Eric tenta salvar, mas a si mesmo. A vingança, em certo ponto, parece ser apenas o caminho que ele percorre para se livrar da angústia que carrega. Mais do que isso, a verdadeira jornada de Eric é aquela que ele deve lidar com a perda e com a impotência humana, de impedir atrocidades inevitáveis ou mudar um passado terrível, aceitando a sua incapacidade de lidar com a solidão.
“Um dia você perderá tudo o que tem. Não existe nada que possa prepará-lo para esse dia. Nem a fé… nem a religião… nada. Quando aquela pessoa que você ama morrer, você conhecerá o vazio… você saberá o que é estar absolutamente só. […] Se você é uma pessoa que não tem nada a perder, então já chegou aqui… e a sua lição é bem mais difícil.”
(Introdução de John Bergin – 1993)
James O’Barr
DarkSide Books
272 páginas
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