Livros para refletir os tempos sombrios

Livros para refletir os tempos sombrios

“Eles nunca perdem uma chance de relembrar os bons tempos e de contar às crianças como vai ser lindo quando o país se reestruturar e os bons tempos voltarem.”

– A Parábola do Semeador, Octavia Butler

Acreditamos na importância da arte e sobretudo na importância da literatura como remédio para o ódio latente. Aquele que odeia é o que não compreende, o que tem medo diante de uma realidade que não conhece. Os livros são capazes de construir o desenvolvimento da empatia através da compreensão de eventos e realidades que não vivenciamos, por isso são considerados tão perigosos em governos ditatoriais. Se na Segunda Guerra Mundial os nazistas queimaram em praça pública clássicos literários que consideravam “perigosos demais”, foi através das mensagens humanitárias que muitos desses clássicos carregavam em suas páginas. Pensando na atualidade, montamos essa lista com indicações de obras que nos fazem refletir sobre tempos sombrios, tempos de ameaça aos direitos humanos, à dignidade, à democracia e à Constituição do nosso país.

O Conto da Aia

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O mundo como se conhece pode sempre retornar a cenários de cerceamento da liberdade. Ao menos, este é o pensamento da obra da canadense Margaret Atwood. Base para a série homônima do Hulu e escrito no final da década de 80, O Conto da Aia se baseia na história dos movimentos feministas. Mas também na interferência da religião em políticas sobre o corpo feminino. Num período não muito distante da contemporaneidade, o mundo sofre uma intensa crise. Guerras e colapsos ambientais afetam não apenas a vida social, política e econômica das pessoas. Afetam também a capacidade reprodutiva dos seres humanos. Em meio ao caos, um grupo teocrático surge com uma promessa salvadora e toma o poder nos Estados Unidos.

A mudança é gradativa, de modo que a população não saiba que precisa lutar por sua liberdade. Assim, instaura-se a República de Gilead, baseada os textos bíblicos e controlada por homens. Para garantir a reprodução, o corpo feminino é apropriado. Consideradas unicamente em sua biologia, não em sua humanidade, as mulheres férteis e não submetidas a um homem são tomadas como aias. Estupradas cotidianamente, possuem a função de gerar filhos para os comandantes e suas esposas. Nesse contexto, surge a protagonista Offred (of Fred). Separada de sua filha e seu marido, Offred desperta para a realidade e se rebela. Apesar dos perigos, busca a sua libertação desse sistema.

O Conto da Aia é um livro doloroso, mas bastante real. Aborda violência sexual, segmentação das mulheres, apropriação do corpo feminino, manipulação da população, entre tantos temas. Sobretudo, discute o uso da religião como discurso do Estado. Mas também discute a necessidade de uma modificação nas estruturas para que se evite o retrocesso. É, por fim, um livro essencial para a discussão do autoritarismo na sociedade contemporânea.

Indicação: Athena Bastos

Admirável Mundo Novo

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Em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, somos apresentados a uma sociedade com tecnologia avançada, uma sociedade que é dividida em castas, crianças que são geradas por incubadoras e recebem, desde cedo, suas lições a partir de fitas que são ouvidas enquanto dormem; as pessoas trabalham por toda a sua vida e, no final, viram adubo para as plantações. A alegria pode ser comprada com uma pílula, não existe amor, e opiniões individuais não são encorajadas. Publicado em 1932, após ser escrito durante 4 meses, Admirável Mundo Novo foi inspirado no governo fascista italiano, no qual Huxley viveu por 20 anos. Em seu livro, o autor demonstra grande preocupação com as liberdades ideológicas, entretanto não sabia que um governo totalitário que assolaria a Europa estava em pleno processo e se concretizaria no ano seguinte em que publicou seu livro.

Huxley conversa diretamente com duas das maiores ferramentas de um governo totalitário: a desindividualização e a massificação. A sociedade massificada da obra de Huxley tem um papel muito importante: em um regime totalitário, é a massificação que causa a estabilidade social; e, para um regime totalitário, a estabilidade social é necessária. A padronização nos seres humanos é o que faz a estabilidade e a massificação serem efetivas: não se possui poder de escolha. Em um governo totalitário não é necessário se incomodar em fazer escolhas, as escolhas são feitas para você.

Huxley publica em 1932 um livro que se tornaria importante aos anos seguintes, e ainda hoje nos mostra uma face estranha e perigosa do flerte com os regimes totalitários: retirar a individualidade de sua sociedade, o livre pensamento, as vontades pessoais, acaba criando uma sociedade que não questiona e que só aceita todos absurdos que são impostos à ela. Admirável Mundo Novo é talvez, acima de tudo, um alerta dos perigos do governo totalitário, e mais que nunca um livro importantíssimo nesse momento. Uma leitura recomendada para entender, mesmo com seus exageros, como funciona, por dentro, um governo totalitário.

Indicação: Jessica Reinaldo

Fahrenheit 451

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Escrito por Ray Bradbury após o final da Segunda Guerra Mundial e publicado em 1953, Fahrenheit 451 é uma denúncia dos governos opressores anti-intelectuais, se baseando no cenário nazista. No livro, o governo proíbe qualquer leitura feita por sua sociedade, com o medo de que, com a leitura, seus membros se tornem conscientes dos abusos, dos absurdos, e comecem a se rebelar. Para isso, para evitar que a leitura seja um problema, existem bombeiros que recuperam livros e ateiam fogo à eles. Entretanto, e como em todos os cenários distópicos, existe a resistência.

Sendo a leitura uma das principais formadoras de opinião, uma das ferramentas importantes para construção do senso crítico, é interessante como Bradbury constrói sua distopia baseada nesse fato. Diferente de Huxley, ao escrever Admirável Mundo Novo, que faz uma série de mudanças na sociedade – e que também utiliza a exclusão dos livros do convívio social para retirar a crítica e a empatia dos membros da sociedade –, Bradbury somente retira os livros e nos mostra, através de seus capítulos, como isso pode afetar o desenvolvimento cultural, social e político de um grupo de pessoas.

Uma leitura extremamente importante e atual, necessária para compreender como a leitura afeta uma sociedade, como retirar a cultura de um povo é perigoso, como retirar o senso crítico de pessoas é absurdo.

“Existe mais de uma maneira de queimar um livro. E o mundo está cheio de pessoas carregando fósforos acesos.”

– Ray Bradbury

Indicação: Jessica Reinaldo

A Parábola do Semeador

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A distopia da autora Octavia Butler não poderia ser assustadoramente mais atual. Escrito em 1989 e publicado em 1993, a autora não somente previu em A Parábola do Semeador a ascensão do atual Presidente dos Estados Unidos Donald Trump, ao retratar o crescente conservadorismo do governo americano e os ataques as minorias e imigrantes, como também foi uma das primeiras autoras negras da ficção científica a ser reconhecida mundialmente.

A ambientação opressora da obra, com casas cercadas por muros altos e cercas, escassez dos recursos naturais, medo do “outro”, manipulação governamental das massas alimentada pelo medo e intensificação da violência e da repressão não são apenas um mero pano de fundo da obra, são fatos mais perceptíveis em nossa realidade do que gostaríamos. Octavia, que escrevia sobre poder, porque era algo que tinha pouco, compreendia o verdadeiro poder e significado da literatura. Através da sua escrita nos conectamos com seus personagens e construímos empatia por aquelas e aqueles que vivem repressões das mais variadas formas. Octavia também sabia sobre o perigo que os livros trazem para governos ditatoriais, por isso vemos em A Parábola do Semeador uma protagonista que é apaixonada por literatura e que sabe que a única forma de reconstruirmos todo o estrago causado no mundo pelos seres humanos será através da construção de uma sociedade comunitária pautada no coletivo para o cerceamento das desigualdades sociais, e não uma sociedade pautada em conquistas individuais.

A obra é Octavia é um alerta. Ela nos avisa que os poucos direitos conquistados não são absolutos e que em tempos sombrios são as minorias sociais a classe mais vulnerável diante do todo o ódio latente de uma sociedade que se recusa a enxergar a dignidade de quem está ao seu lado. Nunca poderemos nos reconstruir e evoluir através de um olhar hierárquico, pautado nas diferenças de classe, raça e gênero. Precisamos humanizar o nosso olhar. 

Indicação: Isabelle Simões
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1984

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Publicado em 1949, uma das mais conhecidas obras de George Orwell, é um crítica aos totalitarismos. 1984 foi escrito após a Segunda Guerra Mundial, em meio à polarização entre capitalismo e socialismo. E apesar das referências a elementos socialistas, é uma ficção que retrata o pessimismo acerca do futuro da humanidade de modo geral. Afinal, Orwell viu os efeitos da Guerra e as manipulações de todas as grandes potências. Assim, desenvolveu a narrativa de Winston Smith e sua jornada dentro do regime liderado pelo Grande Irmão.

Sucessora de A Revolução dos Bichos, 1984 deseja romper com a idealização utópica do mundo. Assim, apresenta um protagonista cuja principal missão é desvendar e revelar a “verdade”. Funcionário do Ministério da Verdade, Winston se depara com uma incoerência entre os fatos e as histórias, e aos poucos descobre as estratégias de manipulação do Partido: impedimento de contato para além da fronteira (o que impede a comparação de realidade), terror psicológico com ameaça de guerras nucleares, alteração dos registros históricos e das notícias, limitação da expressão, instigação da violência e tortura. São, assim, exemplos de táticas empregadas no fictício regime do Socing.

Desse modo, Winston rompe com a ideia do duplipensamento de 1984. Ou seja, deixa de acreditar na mentira como verdade. Contudo, como Orwell aborda a libertação é difícil. Afinal, a própria população, destituída do poder sobre suas próprias crenças, renega sua liberdade para viver na ignorância. E quando a realidade inteira se torna uma mentira, o que é real? E qual o limite da coragem?

1984, por fim, não é apenas uma obra de distopia do Século XX. Não obstante, é uma obra atual, na medida em que lida com liberdade de expressão, manipulação midiática, tortura, psicologia coletiva e controle das massas.

“Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força”

Indicação: Athena Bastos

Revolução dos Bichos

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Escrito em plena Segunda Guerra Mundial e publicado em 1945, A Revolução dos Bichos, aparentemente, possui um enredo simples. Um grupo de animais é explorado e maltratado pelos proprietários da granja em que vivem. Unindo seus desgostos, os bichos acabam se rebelando e organizam-se para assumir o negócio, cabendo aos porcos a nova administração da granja. Cada bicho faria a sua parte e a riqueza produzida seria dividida igualmente entre todos. Contudo, o que deveria representar a salvação, acabou revelando-se uma nova forma de exploração e, semelhantemente ao que acontecia no tempo dos homens, os bichos acabam sofrendo abusos e privações. Usando-se da fábula, ou seja, os animais representando os homens, George Orwell criticou a Revolução Socialista Soviética, a ascensão do Stalinismo e os regimes totalitários.

Inicialmente é atribuído aos porcos o papel de salvadores e condutores dos bichos, pois acreditava-se que eram os mais sábios entre todos. No entanto, paulatinamente, os porcos assumem o papel de dominadores e a “Granja dos Bichos” torna-se uma ditadura impiedosa. O livro é um dos clássicos do século XX e, lamentavelmente, permanece atual ao fomentar a discussão sobre lideranças políticas e a construção de uma sociedade justa e igualitária. Isso se deve ao fato de Orwell não ter questionado apenas um determinado modelo econômico, mas também a forma como as lideranças políticas são moldadas.

Ao longo da narrativa percebe-se que os animais são manipulados por informações falsas e discursos inflamados que reforçam a superioridade do novo regime em comparação com o anterior, mas que, na verdade, servem apenas para mascarar a precariedade a que a maioria está exposta. A obra favorece a reflexão e deveria ser leitura obrigatória nas escolas, particularmente nas brasileiras. Ao final da leitura é impossível não pensar a respeito de nosso papel tanto na escolha dos governantes quanto na fiscalização do exercício do poder. Afinal, mesmo após setenta e três anos de publicação, A Revolução dos Bichos permanece relevante, o que quer dizer que os porcos ainda estão circulando por aí.

Indicação: Priscila Cruz

Divergente

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Outra trilogia voltada para o público jovem e que também discute o totalitarismo é a série Divergente. Escritos por Veronica Roth, os livros foram adaptados para o cinema e também conquistaram uma legião de fãs. A história se passa em uma Chigago futurista e devastada, no qual as pessoas são divididas por facções: Abnegação, Audácia, Amizade, Franqueza e Erudição. Beatrice Pior é submetida ao teste que deveria indicar em qual das facções ela se encaixaria. Contudo, para surpresa da jovem, o teste é inconclusivo, pois ela tem características de mais de uma facção, ou seja, Beatrice não se encaixa no sistema, ela é divergente.

A partir daí, Beatrice se vê envolvida em uma série de situações perigosas, sendo obrigada a desafiar imposições governamentais para salvar a si e aos que estão a sua volta. A aparente simplicidade da trama esconde temas profundos. Os divergentes, semelhantemente ao que acontece com os sem-facção, são sujeitos que não se encaixam nas diretrizes sociais e, por isso, devem ser eliminados. Além disso, uma conspiração planejada por membros de uma determinada facção coloca todos em perigo e é preciso que Beatrice e seus amigos unam-se para acabar com o sistema de facções e com as injustiças praticadas pelos que estão no poder.

Divergente trata do poder da escolha e da ousadia dos que são diferentes. Em todos em que a pluralidade humana representa quase que um pecado, ser divergente é resistir e, sobretudo, lutar por um mundo melhor.

Indicação: Priscila Cruz

Jogos Vorazes

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Voltado para o público jovem, a trilogia Jogos Vorazes tornou-se famosa ao ganhar adaptações para o cinema e conquistou uma legião de fãs. A narrativa é fluída e a mensagem é clara e facilmente captada. Suzanne Collins usou a história de Katniss Everdeen, protagonista da série, para criticar as mazelas dos regimes totalitários.

A derrocada da América do Norte levou ao surgimento de uma nova nação, chamada de Panem. Composta por Doze Distritos e conduzida de forma opressiva pela Capital, Panem personifica o que há de pior nas ditaduras: controle governamental abusivo sobre informações, recursos e pessoas; descaso governamental em relação ao bem-estar da população em geral; alienação política conseguida por meio do entretenimento; desigualdades sociais e concentração de riqueza; violência e opressão em nome dos interesses dos governantes.

Katniss Everdeen é uma protagonista única. Conquista simpatia do leitor por suas ações e não por carisma e, apesar de estar envolvida em importantes acontecimentos do cenário político de Panem, não almeja o poder. Moradora do Distrito Doze, a moça sofreu, junto com sua família, uma série de privações e, de forma comovente, acaba se voluntariando para participar dos chamados Jogos Vorazes, uma competição realizada anualmente entre os doze Distritos, que tem como objetivo lembrar a população de Panem a respeito do fracasso de uma revolução perpetrada pelo extinto Distrito Treze e do que o governo chama de perigos da guerra. Os jogos são transmitidos ao vivo para todos os Distritos e os participantes devem lutar até a morte. Porém, o desenrolar dos acontecimentos acaba favorecendo uma nova revolução e Katniss se torna a porta-voz dos rebeldes.

A trilogia Jogos Vorazes foi eficaz no que pretendia, pois mostrou que homens não devem ser conduzidos como cordeiros. Mesmo que o tempo passe, a fagulha da revolução um dia surgirá e as pessoas lutarão por igualdade e por liberdade.

Indicação: Priscila Cruz

Caligari!

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Quando O Dr. Caligari e seu assistente, Cesare, chegam à pequena cidade alemã de Holstenwall, mal sabem os habitantes que o horror está à espreita. Inspirado no filme O Gabite do Dr. Caligari (1920, criado por Hans Janowitz e Carl Mayer, com direção de Robert Wiene), obra-prima do movimento expressionista, o quadrinho Caligari!, do paulistano Alexandre Teles, apresenta, assim como na película, o ponto de vista de Francis, um homem que teve a vida completamente mudada após a chegada dos dois misteriosos homens.

Caligari e Cesare performam para o público um espetáculo de hipnose e, com isso, este último passa a prever o futuro das pessoas, sob efeito do transe. Ao passo que os habitantes vão se encantando pelo show, assassinatos misteriosos vão acontecendo sem que se tenha consciência do autor. A narrativa, aparentemente simples, metaforiza um mal recorrente no mundo: a ascensão do totalitarismo. Caligari faz as vezes do Estado e seu poder de influência sobre os cidadãos, literalmente os hipnotizando e tornando todo e qualquer pensamento próprio em algo manipulado e degradante. Cesare é a vítima direta de seus ataques, uma marionete que, quando percebe o mal que o cerca, já é tarde demais; um terceiro ponto de vista é encontrado no personagem de Francis que, ao questionar a influência do doutor e seu método manipulador, quebra a cegueira instaurada e passa a tentar meios de findar o circo de horrores estabelecido para si e para os demais moradores (mesmo que, para isso, tenha a própria sanidade questionada). O próprio espetáculo, em si, pode ser lido como um entretenimento destinado à população no intuito de estabelecer a barbárie consentida e esconder os crimes embaixo do tapete.

Tanto o filme quanto o quadrinho, lançado pela editora Veneta em 2017, possuem uma estética obscura e tenebrosa, digna da vanguarda artística à qual pertencem, que também lançou grandes obras como Nosferatu (F. W. Murnau, 1922) e Metrópolis (Fritz Lang, 1927). Além disso, é um ótimo exemplo de como, muitas vezes, somos alertados sobre injustiças e manipulações, mas optamos por não ouvir quem quer ajudar, pois o lugar-comum acaba sendo confortável e cheio de promessas perigosas, mas que soam inofensivas.

Indicação: Laís Fernandes

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