[LIVROS] A magia orogene de “O Portão do Obelisco” (resenha)

[LIVROS] A magia orogene de “O Portão do Obelisco” (resenha)

O receio de uma sequência é sempre presente, principalmente quando o primeiro volume da obra já apresenta elementos que julgamos essenciais à um bom livro atual. As expectativas, portanto, se tornam imensas. Será que o próximo volume conseguirá alcançar o trunfo do primeiro? Ou, ainda, será que o próximo volume conseguirá superar o exemplo de literatura alcançado pelo primeiro volume? Ao iniciar a leitura de O Portão do Obelisco, sequência d’A Quinta Estação, há esse receio. Será que N.K. Jemisin conseguiu manter o nível de literatura fantástica e de ficção científica, bem como de humanidade e de críticas análogas a realidade, na sequência de sua empreitada épica?

Sim e não: a autora (sim) trouxe os elementos do primeiro volume da série, mas (não) apenas isso; Jemisin, na verdade, conseguiu a façanha de transpor o primeiro volume em todos os aspectos cabíveis de análise. A continuação da saga de Essun/Syenite/Damaya aprofunda os elementos do mundo da Quietude e não nos deixa ao relento acerca dos mistérios explorados e/ou apresentados no primeiro volume.

O Portão do Obelisco, ao contrário, nos insere ainda mais nessas questões, ao mesmo tempo em que constrói uma narrativa instigante e detalhada não apenas sobre a orogenia, mas também (ou apenas?) sobre as diversas facetas da humanidade, mesmo as que desejamos não falar.

O Portão do Obelisco

De pronto, descobrimos sobre o paradeiro (passado e presente) de Nassun, a filha perdida da protagonista, e é ela o foco das principais surpresas do segundo volume. Ora, apesar de não ser inicialmente morta pelo pai, Nassun – ressaltamos, de apenas 10 anos – precisa lidar sozinha com o desequilíbrio discriminatório do mesmo, tendo que lutar contra os seus instintos orogenes, a fim de alcançar um ideal de filha para que seu genitor possa ficar satisfeito.

Ao longo da tentativa, adiantamos, falha de Nassun, é impossível não relacionar sua luta com o enfrentado todos os dias por diversas pessoas consideradas de minorias (étnicas, raciais, sexuais, de gênero, etc), visto que a clara metáfora de Jemisin – acerca do papel social das minorias – fica ainda mais evidente em O Portão do Obelisco.

A autora, ainda, explora as relações interpessoais mais a fundo. As perdas sofridas por Nassun apresentam-se como essenciais ao seu crescimento e sua história, mas é a relação com a mãe o mais explorado pela autora. Desde o início de sua fuga (ou sequestro?) com o pai, a interpretação feita por Nassun de sua relação com sua mãe é de uma culpabilização unilateral até escalar a conclusão de que nunca foi amada pela mãe e, como orogene, nunca poderá ser amada pela pai.

Não se pode exigir, é claro, uma maturidade emocional para entendimento de ambos os lados e circunstâncias de uma criança de 10 anos, mas a posterior e reflexa relação que a menina desenvolve com o ex-guardião de Syenite, Schaffa, mesmo com o mesmo não mais exercendo (ao menos não diretamente) um controle sobre ela como sobre sua mãe, é perturbadora a leitora. O relacionamento tóxico entre ambos, mesmo que informal, relaciona-se àquele tão instigado pelo Fulcro, sendo Nassun induzida ao mesmo pela falta de uma relação familiar saudável.

Leia também:
>> [LIVROS] Perdida no mundo de “Justiça Ancilar”
>> [QUADRINHOS] Foi você “Quem matou o Caixeta?”
>> [LIVROS] O Ódio que Você Semeia: As consequências que recaem sobre nós 

Essun, por sua vez, tem a sua humanidade e vulnerabilidade ainda mais expostas e exploradas. Além de seus (muitos) traumas passados, precisa enfrentar, de diversas formas, a proximidade iminente da morte, seja sua ou de seus iguais. A sua condição de orogene torna-se mais essencial à sua caracterização e crescimento como personagem, visto que, assim como com Nassun, a inclusão controlada dos orogenes na sociedade da Quietude começa a entrar em crise aumentada pela cruel Estação.

Ambas, mãe e filha, apresentam em comum a luta para se encontrarem em alguma comunidade que aceite sua orogenia (e seus respectivos status de diferentes), sendo certo que independente do local essa tarefa parece quase impossível. Afinal, a exceção do Fulcro Antártico e de Castrima (de cima e de baixo), os orogenes são controlados de perto por Guardiões designados, quando não mortos, nunca estando realmente no controle de sua orogenia, ou, como mais tarde descobrimos, magia.

Magia esta que é mais poderosa do que o permitido pelo Fulcro ou por Yumenes, bem como do que inicialmente conhecido pelos protagonistas iniciais da série. Apenas com a recém descoberta magia será possível o alcance de um objetivo ainda maior do que o inicialmente imaginado por Essun, afinal, nem sempre houveram Estações. A possibilidade, portanto, de dar fim não apenas a esta Estação, mas a todas as Estações, cria o mote do livro e nos direciona ao objetivo final da autora.

É ASSIM QUE O MUNDO TERMINA.

PELA ÚLTIMA VEZ.

A questão, além da sobrevivência aos múltiplos inimigos, é claro, reside em: como fazê-lo? Alabaster, ao criar a Fenda e dar início a atual Estação, cria uma possibilidade que só tem uma maneira de ser alcançada e só poderá ser feita de uma forma: com o uso de magia. É esta a grande missão que Alabaster deixa à Essun, isto é, usar de sua magia para abrir o Portão do Obelisco e aplacar a fúria do Pai Terra. A revelação constrói uma narrativa que põe, mais do que nunca, pessoas de minorias em foco através da metáfora da orogenia, trabalhando Jemisin para consolidar aquilo apresentado em seu primeiro livro.

O psicológico das personagens é o elemento principal de criação de Jemisin, sendo ele essencial ao entendimento de orogenes e quietos, bem como dos inicialmente calados Comedores de Pedra ou mesmo do Pai Terra. Todo o motivo central do livro, como descobrimos ao longo da leitura, são os sentimentos das figuras mitológicas e dos habitantes da Quietude. O crescimento da história de Essun é apresentado com tamanha fluidez e conectividade por N.K. Jemisin, através de uma incrível habilidade narrativa, sendo fácil para nós não apenas crer na narrativa, mas nos inserirmos nela. 

A expectativa, portanto, é excepcionalmente cumprida e superada, nos tirando o fôlego a cada virada de página, bem como incitando a imaginação e a suspeita da leitora ao longo da leitura. O Portão do Obelisco nos parece como a sequência perfeita, tanto continuando e fechando o ciclo trazido no primeiro volume quanto criando novas possibilidades ao próximo capítulo da série. A excelência da história é palpável, sendo apenas mais um exemplo da importância e necessidade da existência de histórias e autores diversos, sendo a escolha da editora Morro Branco em trazer ao Brasil evidentemente acertada e os prêmios Hugo Awards, com certeza, justos.


O Portão do Obelisco

N.K. Jemisin

Morro Branco

560 páginas

Se interessou pelo livro? COMPRE AQUI!

A Delirium Nerd é integrante do programa de associados da Amazon. Comprando através do link acima, você ajuda a manter o site no ar, além de ganhar nossa eterna gratidão por apoiar o nosso trabalho!

Escrito por:

102 Textos

Veja todos os textos
Follow Me :