Manifesto a favor da presença autista feminina na indústria do entretenimento

Manifesto a favor da presença autista feminina na indústria do entretenimento

Muito provavelmente você já deve ter tido contato com alguma pessoa autista. Caso não tenha acontecido, deve ter lido algo sobre, uma notícia, um artigo científico. Talvez até tenha ouvido alguém contar uma história a respeito de um parente autista.

Felizmente, o autismo deixou de ser um mistério. Conseguiu deixar as frias e cruéis salas dos manicômios para ganhar a sociedade. Agora, os autistas são vistos como pessoas capazes e com direitos, coisa que não acontecia antes. Alguns, inclusive, percebem que o autismo faz parte da vivência humana e não é uma doença, mas sim uma forma diferente de ver o mundo.

Mesmo com tantos avanços observados, é triste perceber que boa parte dos profissionais de saúde brasileiros têm baixo conhecimento técnico a respeito do assunto, especialmente se levarmos em conta que o autismo feminino ainda é subdiagnosticado. A ausência de um diagnóstico retarda o tratamento e, consequentemente, a melhora de qualidade de vida dos sujeitos. Quem já buscou um diagnóstico para si ou para alguém da própria família, sabe o quanto é difícil. Durante anos busquei um profissional que levasse minha suspeita a sério.

Cena do quadrinho “A Diferença Invisível“, 2017, Editora Nemo

Percebi certas particularidades em minha conduta desde cedo, mas não sabia nomear o que era. Como toda criança e adolescente, desejava fazer amigos, mas tinha dificuldade em me aproximar das pessoas e manter amizades. Alguns ritos sociais e expressões também são estranhos para mim e é comum que eu tropece em alguma coisa quando estou me relacionando com pessoas, sobretudo com aqueles que eu acabo de conhecer. Sim, eu sou autista.

Durante alguns anos eu tive uma hipótese diagnóstica. Mas, agora, depois de encontrar uma médica que se interessou em me ouvir, tive uma confirmação. Meu autismo é leve. Não limita minha capacidade cognitiva, mas prejudica grandemente meu relacionamento com as pessoas. Muitos me consideram tímida, mas, na verdade, tenho dificuldade em engatar uma conversa, por exemplo, por ter que lidar com muitos estímulos ao mesmo tempo e, também, por sentir dificuldade em expandir e lidar com meus sentimentos.

Tenho sorte por ter bons amigos, que entendem e respeitam minhas peculiaridades. Lógico que é preciso ampliar horizontes, por isso, eu estou fazendo terapia constantemente, em busca da superação de algumas limitações. Tenho consciência de que algumas delas não poderão ser modificadas, mas farei o que puder para ser um ser humano melhor. Aliás, uma das coisas que mais me chateiam em relação às noções estereotipadas em relação ao autismo, diz respeito à ideia de que os autistas não tem empatia. Isso é uma grande bobagem. O cérebro autista funciona de forma diferente, portanto, nos relacionamos de forma diferente. É comum termos um assunto que nos interessa muito e, portanto, falamos dele com frequência. Nem sempre percebemos que aborrecemos uma pessoa, porém, isto não é sinal de falta de empatia. Os autistas são seres absolutamente empatas. Falo pelos que conheço.

Seria bom que a indústria do entretenimento incluísse pessoas autistas em filmes, seriados, livros, etc. E não sou a única que pensa assim. Uma moça questionou a equipe do Delirium Nerd, buscando indicações de obras com protagonistas autistas femininas. Se você estiver lendo, este artigo é a resposta para sua questão.

Se fizermos uma pesquisa no Google, lamentavelmente, encontraremos poucos exemplos. Com autistas mulheres menos ainda. Boa parte dos casos observados se baseia em suposições. Os autistas percebem similaridades entre personagens e seu próprio cotidiano. Para exemplificar, usarei uma famosa garotinha chamada Lilo. Quando o filme “Lilo e Stitch” foi lançado, me apaixonei imediatamente. Assisti umas cinquenta vezes no primeiro mês em que ganhei o DVD e, até hoje, sei as falas de cor. Tudo por ter simpatizado com Lilo.

Lilo é uma garotinha muito especial. Tem desejo de se enturmar com as amigas, entretanto, ela é diferente, não consegue se adaptar as regras sociais e, consequentemente, não entra para a turma. Entristecida, Lilo dá a volta por cima quando Stitch aparece, um pequeno alienígena com tendências para a vilania. A convivência modifica os dois. Lilo, mesmo com suas peculiaridades, modifica o comportamento de Stitch e os dois tornam-se amigos inseparáveis. 

A dificuldade de interação e a forma única de ver o mundo podem ser um indicativo de que Lilo é autista. Entretanto, a ausência de um diagnóstico apenas nos permite supor e a certeza faria diferença.

Lembro-me que no dia em que minha médica confirmou o diagnóstico, perguntou o que ele significava para mim. Respondi que não veria o autismo como um entrave, um rótulo. Para mim o autismo seria uma forma de ver o mundo. Minha forma peculiar. E, a partir daí, comecei a buscar na internet pessoas como eu. Encontrei alguns grupos interessantes e o descontentamento em relação à indústria do entretenimento é o mesmo. Seria perfeito se mais personagens autistas fossem incluídas nos roteiros. Representatividade faz a diferença, não apenas para a própria comunidade autista, mas para o público em geral.

Como lidar com uma pessoa autista? Boa parte dos neurotípicos têm esta dúvida. Acreditem, não é um bicho de sete cabeças. Se as relações se basearem em respeito mútuo, tudo dá certo. Os autistas, como toda e qualquer pessoa, precisam de compreensão, de afeto, de paciência e, sobretudo, de honestidade. Nem sempre saberão o que fazer, por isso, não é necessário acanhamento para falar com eles. Instruções simples e claras são bem-vindas. Florear não é legal. E jamais os subestimem. Engana-se quem pensa que os autistas vivem em um mundo particular, portanto, incapazes de agir ou pensar por si mesmos. Autistas e neurotípicos vivem no mesmo mundo, apenas o enxergam de forma diferente.

E já que estou clamando pela presença autista no mundo do entretenimento, deixarei alguns exemplos interessantes para os que quiserem se aprofundar sobre o tema. Vale ressaltar que as indicações não foram levantadas exclusivamente por mim, pois outras colaboradoras do Delirium Nerd também ajudaram a buscar HQ´s, livros, filmes e séries que retratam o assunto, especialmente com protagonistas femininas. Esperamos que seja de grande proveito para vocês!

Filmes:

Tudo que quero (2017)

autismo

Wendy (Dakota Fanning), uma jovem mulher autista. Ela é subestimada por todos, inclusive pela própria família, mas consegue fugir da casa em que vive e de sua cuidadora e parte para uma aventura com um único objetivo em mente: entregar seu manuscrito para concorrer em uma competição de escrita.

O Nome dela é Sabine (2007)

autismo

A atriz Sandrine Bonnaire produziu o documentário “O Nome dela é Sabine” para mostrar à história da irmã que é autista. Usando imagens filmadas ao longo de 25 anos, Sandrine apresenta a vivência da irmã, desde sua estadia em um hospital psiquiátrico até a mudança para um novo ambiente, adaptado as necessidades de Sabine.

Mozart e a baleia (2005)

autismo

O filme narra à história de dois portadores da Síndrome de Asperger, uma forma de autismo. Donald trabalha como taxista, adora pássaros e tem habilidade especial com números. Como ocorre com todos os autistas, Donald vive uma rotina, porém, sua vida muda ao conhecer a jovem Isabelle. De forma divertida, as dificuldades que Donald e Isabelle enfrentam ao se relacionarem são apresentadas ao espectador. Fato interessante: apesar de ambos serem autistas, as personalidades e características de Donald e Isabelle são muito diferentes e é preciso que os aprender a lidar com as peculiaridades um do outro em nome do amor.

Molly/Experimentando a Vida (1999)

autismo

A atriz Elisabeth Shue interpreta Molly, uma jovem autista que passa a viver sob os cuidados do irmão Buck (Aaron Eckhart), após um período de internação. Buck permite que a irmã inicie um tratamento experimental e, por conta disso, a moça se revela um gênio. Mas, devido às particularidades da moça, o progresso é relativo, e Molly e Buck precisam se unir para superar desafios.

Under the Piano/À Sombra do Piano (1996)

autismo

Por trinta anos Franny lutou dar apoio à sua irmã mais nova Rosetta, que é autista. Fanny acredita que por trás do rosto impassível de Rosetta exista uma intensa vida emocional e intelectual. O principal obstáculo para o florescimento de Rosetta é Regina, mãe de ambas. Regina era cantora lírica, mas abandonou a carreira para se dedicar à família. Os anos deixaram-na amarga, ressentida e obcecada por controle.

 

Séries e Filmes

Strange Empire (2014)

autismo

A história se passa em 1869, uma caravana de mulheres enfrenta vários perigosos para chegar a Janestown, uma cidade da fronteira. Infelizmente, algumas serão forçadas a substituir as prostitutas do local, que havia morrido em uma epidemia de cólera. Outras buscam estratégias para sobreviver em uma sociedade predominantemente masculina. Rebecca Blithely é das personagens de “Strange Empire”.

Esposa de um conceituado médico, é obrigada a publicar os artigos científicos que escreve sob o nome do marido, além de precisar da autorização dele para exercer a medicina, mesmo sendo mais capaz do que ele. Rebecca é autista e a atriz Melissa Farman conseguiu caracterizá-la muito bem.

Rose Red (2002)

autismo

Baseada na obra do mestre do suspense Stephen King, Rose Red conta a história do espírito de Ellen Rimbauer (Julia Campbell) e dos estranhos acontecimentos que por várias décadas assombram a mansão dos Rimbauer. Tentada a solucionar o caso, a professora de parapsicologia da Universidade de Belmont, Joyce Reardon (Nancy Travis), desenvolve um projeto de pesquisa para observar fenômenos paranormais que ocorrem dentro da mansão. Junto com ela, um grupo de seis sensitivos acompanhará essa assombrosa expedição. Dentre eles, temos a jovem Annie (Kimberly J. Brown), uma menina autista de 15 anos. Com poderes altamente eficazes, capazes de mover objetos, criar chuva de pedras e aumentar o som do rádio, Annie e a força de pensamento irão mexer com todos na velha mansão.

 

Livros e HQ´s

HQ: A Diferença Invisível (2017)

autismo

Todos deveriam ler “A Diferença Invisível”. Nessa HQ a leitora encontrará a vivência de uma autista adulta, participando de seus desafios, medos e angústias. Como muitos autistas, Marguerite teve o diagnóstico tardio, porém, o fato não a abateu. Ela usou-o para modificar sua vida e levar informação para o maior número possível de pessoas. Leiam a sinopse fornecida pela editora:

“Marguerite tem 27 anos, e aparentemente nada a diferencia das outras pessoas. É bonita, vivaz e inteligente. Trabalha numa grande empresa e vive com o namorado. No entanto, ela é diferente. Marguerite se sente deslocada e luta todos os dias para manter as aparências. Seus movimentos são repetitivos e seu universo precisa ser um casulo. Ela se sente assolada pelos ruídos e pelo falatório incessante dos colegas. Cansada dessa situação, ela irá ao encontro de si mesma e descobrirá que é autista – tem a Síndrome de Asperger. Sua vida a partir daí se transformará profundamente.”

Passarinha (2013)

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No mundo de Caitlin, tudo é preto e branco. Qualquer coisa entre um e outro dá uma baita sensação de recreio no estômago e a obriga a fazer bicho de pelúcia. É isso que seu irmão sempre tentou explicar às pessoas. Mas agora, depois do dia em que a vida desmoronou, seu pai, devastado, chora muito sem saber ao certo como lidar com isso. Ela quer ajudar o pai – a si mesma e todos a sua volta –, mas, sendo uma menina de dez anos de idade, autista, portadora da Síndrome de Asperger, ela não sabe como captar o sentido.

Caitlin, que não gosta de olhar para a pessoa, nem que invadam seu espaço pessoal, se volta, então, para os livros e dicionários, que considera fáceis por estarem repletos de fatos, preto no branco. Após ler a definição da palavra desfecho, tem certeza de que é exatamente disso que ela e seu pai precisam. E Caitlin está determinada a consegui-lo. Seguindo o conselho do irmão, ela decide trabalhar nisso, o que a leva a descobrir que nem tudo é realmente preto e branco, afinal, o mundo é cheio de cores, confuso, mas belo. Um livro sobre compreender uns aos outros, repleto de empatia, com um desfecho comovente e encantador, que levará a leitora às lágrimas e dará ao público um precioso vislumbre do mundo todo especial dessa menina extraordinária (Sinopse fornecida pela editora).

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Nerd, pedagoga, escritora, leitora, gamer, integrante da casa de Lufa-lufa, amante de ficção científica (Star Trek, Star Wars e Doctor Who) e literatura fantástica. Deseja ardentemente que o outro lado da vida seja uma grande Biblioteca.
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