As personagens femininas da Ghibli: Chihiro, Taeko, Kiki e Shizuku

As personagens femininas da Ghibli: Chihiro, Taeko, Kiki e Shizuku

Desde sua fundação, o estúdio Ghibli tem conquistado reconhecimento por diversos motivos, e uma das principais razões para sua fama é a construção de personagens femininas.

Embora tenhamos visto um aumento nos últimos anos no número de personagens femininas fortes em filmes e séries, quando olhamos para a história, percebemos que papéis femininos relevantes ainda são considerados exceções. Isso leva as meninas a questionarem quem são e as influencia a se sentirem menos inteligentes em comparação com seus colegas homens, muitas vezes fazendo-as abandonar suas ambições em nome do amor.

É nesse contexto que o estúdio Ghibli se destaca na representatividade. A maioria dos filmes do estúdio apresenta protagonistas femininas talentosas e determinadas, desafiando os papéis tradicionalmente atribuídos às mulheres no cinema.

Além disso, mesmo quando os enredos se desenrolam em universos fantásticos, essas personagens são profundamente identificáveis como seres humanos reais que refletem sobre sua própria realidade, indo além do foco em relacionamentos masculinos. Elas são protagonistas de suas próprias histórias e estão em constante evolução. Para explorar esse aspecto com mais detalhes, vamos examinar algumas das personagens femininas famosas da Ghibli.

Chihiro, de “A Viagem de Chihiro” (Hayao Miyazaki, 2001)

Ghibli

A Viagem de Chihiro narra a história de uma garotinha de apenas 10 anos que se muda com seus pais para uma nova cidade. Durante a viagem, os pais decidem seguir um atalho e acabam chegando a uma cidade vazia, mas repleta de barracas de comida. Enquanto aproveitam para descansar e se alimentar, Chihiro fica desconfiada e se recusa a consumir qualquer coisa das barracas.

Enquanto explora a cidade, ela encontra um menino chamado Haku, que pede para que ela vá embora. Entretanto, à noite, seres estranhos começam a aparecer na cidade. Esses seres não são desta dimensão e não toleram a presença de humanos. Desesperada, a garota vai em busca de seus pais, mas quando os encontra, eles já se transformaram em porcos.

Ao acompanhar a jornada de Chihiro em busca de uma saída e de uma maneira de salvar seus pais, o diretor retrata de forma brilhante a transição da infância para a adolescência. A personagem passa por um processo de descoberta de seus valores e identidade, algo que é comum a praticamente todos os pré-adolescentes. Ela também desenvolve um relacionamento especial com o personagem Haku.

Lições de coragem e resistência

O filme é uma verdadeira lição de coragem e resistência. No início da história, Chihiro apresenta características típicas de uma criança, sendo medrosa e dependente em todos os aspectos. No entanto, quando se vê transportada para um mundo desconhecido e sem a ajuda de adultos, essas características começam a se transformar à medida que ela enfrenta desafios diários.

Antes, ela reclamava por ter que deixar seus amigos na antiga cidade e fazia birra, mas agora, nesse novo mundo, percebe que as reclamações não a levarão a lugar algum. Ela precisa aprender a se adaptar às mudanças e, o mais importante, a crescer com elas. A necessidade de trabalhar para sobreviver nesse mundo desconhecido é um ponto de virada que mostra como ela começa a aceitar as mudanças e a crescer com elas.

Ghibli

A dependência extrema do início do filme contrasta com as situações em que Chihiro é quem consegue acalmar o espírito Sem-Rosto e trazê-lo de volta à sua forma inicial, e quando Haku enfrenta problemas, a menina escolhe ajudá-lo por conta própria.

Além disso, a narrativa opta por abandonar as antigas narrativas maniqueístas, nas quais todos os personagens, principalmente Chihiro, possuem suas falhas e cometem erros constantemente ao longo da história, mas aprendem com esses erros e evoluem, demonstrando ainda mais o caráter realista da história.

Taeko, de “Memórias de Ontem” (Isao Takahata, 1991)

Ghibli

Este filme revela a vida de Taeko Okajima, uma mulher de 27 anos, ainda solteira, que trabalha como funcionária de um escritório em Tóquio, sua cidade natal. Ela leva uma rotina burocrática e considerada comum para a capital. Quando era criança, durante as férias, Taeko sentia inveja de suas amigas que podiam ir para o campo e visitar seus parentes, escapando da rotina monótona.

Como não tinha parentes no interior do país, a menina tinha que permanecer na cidade durante as férias, sonhando com a oportunidade de realizar seu desejo. Certo dia, já adulta, ela decide viajar para o interior do país, o que desencadeia uma viagem através de suas memórias de infância e adolescência.

Diferentemente de Chihiro, Memórias de Ontem é uma narrativa que não explora o aspecto fantástico. Ela conta a história de uma personagem que poderia ser facilmente reconhecida em pessoas próximas. A vida de Taeko, por meio de flashbacks e experiências no presente, leva o espectador a uma jornada através de seus próprios afetos e memórias, refletindo sobre como essas experiências moldaram sua vida adulta.

Ghibli

O peso das expectativas sociais: solteira em uma sociedade tradicional

A audiência testemunha seu primeiro amor, a figura paterna que reflete sobre como a masculinidade é construída no mundo, e acompanha a vida de uma mulher que construiu seu próprio caminho. Isso nos leva a outro ponto relevante: o fato de a personagem não estar casada.

Em certo momento, há questionamentos sobre seus relacionamentos e sobre o fato de ela não ser casada, o que incomoda as pessoas ao seu redor. Quando Taeko pede alguns dias de folga no trabalho para ir ao campo, a primeira pergunta que lhe fazem é se ela brigou com o namorado.

Isso nos faz refletir sobre como a sociedade coloca o papel da mulher ao lado do homem e como isso influencia suas ambições. Memórias de Ontem retrata, sobretudo, a habilidade do estúdio em representar mulheres diversas, com personalidades próprias, que não estão dispostas a se submeter a um papel imposto pelo patriarcado.

Kiki, de “O Serviço de Entregas da Kiki” (Hayao Miyazaki, 1989)

Ghibli

Kiki é uma jovem bruxinha que acaba de completar 13 anos. Segundo a tradição, todas as bruxas devem sair de casa por um ano ao atingir essa idade, a fim de aprenderem a viver por conta própria. Assim, ela se muda para a cidade de Korico, acompanhada de Jiji, seu gato falante. Lá, ela enfrenta o desafio de começar uma nova vida.

Em uma cidade desconhecida, sem amigos ou familiares, e explorando um mundo completamente novo por conta própria, a protagonista deste filme guarda semelhanças com Chihiro. No entanto, as dificuldades que Kiki enfrenta são mais palpáveis e realistas do que as de sua colega de estúdio. A menina encontra abrigo na casa de uma padeira e trabalha na confecção de pães em troca de seu alojamento, ao mesmo tempo em que desenvolve seu próprio negócio, um serviço de entregas.

O filme habilmente retrata como o processo de amadurecimento muitas vezes envolve situações desafiadoras que levam à reflexão sobre a própria identidade. Mostra o quão difícil é se redescobrir em novos ambientes e circunstâncias. Com um enredo sutil e simples, o diretor emociona ao apresentar uma protagonista curiosa e independente, determinada a explorar o mundo e crescer.

Shizuku, de “Sussuros do Coração” (Yoshifumi Kondō, 1995)

Ghibli

A obra narra a trajetória de Shizuku Tsukishima, uma estudante de 14 anos que leva uma vida simples e nutre um profundo amor pela literatura, passando a maior parte de seu tempo livre lendo na biblioteca. Durante suas visitas à biblioteca, ela descobre que todos os livros que já pegou foram previamente retirados por uma pessoa chamada Seiji Amasawa.

Ao conhecer um garoto que inicialmente a irrita, Shizuku descobre que ele é o “Príncipe dos Livros”. À medida que os dois se aproximam, ele compartilha seu sonho de fabricar violinos na Itália, fazendo Shizuku questionar seus próprios objetivos e a falta de ambição em sua vida. Impulsionada pelo seu amor pela literatura, ela testa suas habilidades de escrita e começa a criar uma história envolvendo Baron, uma estátua de gato que pertence ao avô de Seiji.

Amor, autodescoberta e paixões individuais

É emocionante acompanhar a jornada de autodescoberta de uma jovem, desde as incertezas sobre suas habilidades até a ansiedade pela aprovação dos outros. Sussurros do Coração trata do amor, mas não se restringe ao amor romântico; é sobre a autodescoberta e as paixões individuais.

A adolescência pode ser uma fase frustrante, mas também é o período de maior aprendizado sobre a própria identidade. À medida que Shizuku encontra sua paixão, o espectador também é inspirado a explorar seus próprios interesses e paixões.

Ghibli

Leia também:

>> Only Yesterday: As memórias e o amadurecimento de uma mulher

>> Muito além da Ghibli: As animações de Makoto Shinkai

>> A bruxaria feminista de “Mary to Majo no Hana” e a estreia do Studio Ponoc

Chihiro, Taeko, Kiki e Shizuku: mulheres que redefinem a narrativa

O incentivo a personagens femininas fortes e independentes é uma forma de valorizar a feminilidade e a identidade das mulheres na sociedade. À medida que vemos representações mais justas e autênticas de mulheres em filmes e séries, as meninas se reconhecem como indivíduos capazes e significativos.

Todas as personagens do Studio Ghibli mencionadas até agora representam um marco na desconstrução dos estereótipos femininos na indústria cinematográfica. De Chihiro a Shizuku, cada uma delas contribui para questionar como as mulheres são retratadas na cultura popular e desafiar as normas do patriarcado.

Escrito por:

21 Textos

Estudante de Direito, nordestina, pode falar sobre Studio Ghibli e feminismo por horas sem parar, amante de cinema e literatura (ainda mais se feito por mulheres), pesquisadora, acumuladora de livros e passa mais tempo criando listas inúteis do que gostaria.
Veja todos os textos
Follow Me :