Pose – 1ª temporada: os sonhos de uma comunidade queer marginalizada

Pose – 1ª temporada: os sonhos de uma comunidade queer marginalizada

The category is… Pose! O culto ao glamour, o luxo e a sofisticação. A série “Pose” é um drama musical que apresenta o universo da dança e da subcultura de Ballroom, os bailes LGBTQ realizados em Nova York, no fim dos 80. Esse cenário, retratado com riqueza no documentário “Paris is Burning“, se expressa através da moda, da dança, da música e dos próprios costumes que se disseminaram através da comunidade queer, que se tornou mais famosa ao público através da música “Vogue”, de Madonna, criando celebridades como a drag queen Ru Paul.

Paris is Burning
Elenco de “Paris is Burning” (1990). Imagem: reprodução
Elenco de "Pose"
Elenco de “Pose”. Imagem: reprodução

Aviso: O texto contém spoilers da série

Porém, mais do que apenas retratar esse universo, a série de Ryan Murphy traz uma bela mensagem de inclusão e diversidade, ao contar com o maior elenco de atores e atrizes transgêneros da história da televisão americana e também o maior elenco LGBTQ de uma série já produzida.

Além disso tudo, “Pose” é a primeira série a comunicar-se oficialmente por meio da linguagem inclusiva em português, ou seja, a legenda substituirá o gênero gramatical para se referir a conjuntos de indivíduos de ambos os sexos. Contando com 8 episódios de uma hora cada, a produção é realizada pela FX e transmitida no Brasil pelo canal FOX Premium, FOX App. A primeira temporada também estará disponível no catálogo da Netflix a partir do dia 28 de setembro de 2019.

“Desta vez são os marginalizados que nunca tiveram essa oportunidade, convertidos em novos heróis e heroínas.” 

– Ryan Murphy para o jornal “EL PAÍS”

Em primeiro plano, a história de “Pose” mostra os coloridos bailes, eventos criados por uma comunidade queer absolutamente marginalizada, que se permitia uma perspectiva de sonho e fantasia a um grupo, em sua maioria pobres e sem nenhuma chance na sociedade. A cultura que abriga esse universo apresenta a atração principal desses bailes, que são os desfiles, no qual cada grupo demonstra em categorias específicas ao longo da noite, o quanto se aproximam da realidade e do glamour de um culto aos privilégios brancos que eles não podem ter.

Além da exigência da sofisticação dos looks, que devem se aproximar o máximo da realidade, os bailes também se tornaram famosos por popularizar a coreografia “vogue”, baseada em poses das modelos da revista de moda Vogue, a bíblia fashionista da comunidade queer.

Pose
Cena de um dos bailes da primeira temporada de “Pose”. Imagem: FX / reprodução
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Dentro dos bailes há regras pré-estabelecidas: só participa quem fizer parte de uma casa, que são grupos representados por uma líder-alfa, chamada de mãe, normalmente escolhida por vencer muitas vezes no baile. A mãe cuida de seus filhos, jovens gays que foram expulsos por suas famílias, os abrigando em sua própria casa. Como retribuição, esses filhos ajudam nas tarefas domésticas e também defendem a casa nos desfiles de baile. Cada categoria oferece uma disputa pelo maior troféu e quem ganha mais troféus é considerada a casa com o maior legado.

Pose” inicia mostrando a história de Blanca (MJ Rodriguez), uma transexual que vive na casa Abundance, representada pela também transexual Elektra (Dominique Jackson). No primeiro capítulo da série, cansada com a crueldade da mãe que trata seus filhos como serviçais, Blanca decide criar sua própria casa. Inspirada na icônica top model dos anos 90, Linda Evangelista, ela decide batizar o novo grupo com o seu sobrenome e muda de endereço.

Embora seu estilo e presença sejam desafiados pela comunidade que frequenta os bailes, ela tem a ajuda do amigo Pray Tell (Billy Porter), apresentador do baile e que também atua como estilista nas horas vagas. Aliás, o personagem Pray Tell é um grande destaque na série, tanto como o icônico apresentador que “gonga” na hora certa, agindo com muito humor através das participantes que ousam entrar no palco sem estilo, quanto ao seu próprio estilo único e sofisticado, desfilando com looks maravilhosos durante toda a série.

Blanca Evangelista (MJ Rodriguez)
Blanca Evangelista (MJ Rodriguez) em “Pose”. Imagem: FX / reprodução

Mas além da ajuda de Pray, Blanca também consegue montar uma equipe de peso, por mostrar ter muito mais alteridade e empatia com seus “filhos”. Quando sai da casa Abundance, Blanca consegue levar com ela a estilosa Angel (Indya Moore), uma mulher trans que desfila sua beleza etérea e feminina, e que inicialmente sonha em ter uma família convencional.

Porém, o filho que mais detém a atenção de Blanca é Damon (Ryan Jamaal Swain), cuja ajuda de Blanca é vital para que ele materialize o sonho de se tornar um bailarino. Completam a casa o namorado de Damon, seu namorado Ricky (Dyllón Burnside) e o malandro Lil Papi (Angel Bismark Curiel).

Mas nem tudo é glamour e luxo no universo desses personagens. A série trata de forma sensível sobre questões profundas que abalam o universo LGBTQ, como a não aceitação por parte da família, o questionamento do próprio gênero e a AIDS. Em plenos anos 80, a comunidade gay se viu aterrorizada pelo real perigo de uma doença auto-imune, transmitida pelo contato sexual. Por causa disso, a comunidade gay acabou se tornando um grupo de risco.

Angel (Indya Moore)
Angel (Indya Moore) em “Pose”. Imagem: FX / reprodução

Na época, a doença era incurável, e quem a contraísse recebia praticamente um atestado de morte. E é quando Blanca se descobre soropositiva que a sua jornada como heroína em “Pose” se torna mais definitiva. Disposta a construir um legado como mãe de uma casa, e sem saber quanto tempo de vida lhe resta, ela faz de seu propósito uma missão. E é a partir disso que seus desfiles se tornam mais coerentes e ela consegue mais troféus.

Também é quando ela mesma se confronta com seus próprios demônios ao ficar de frente com seu passado e enfrentar a própria família. A partir disso, Blanca passa a cuidar com maior responsabilidade de seus “filhos”, para que eles não tomem as escolhas erradas que ela mesma tomou no passado.

Outra questão bastante abordada na primeira temporada de “Pose” é desconstrução de gênero e os desdobramentos desse tema, como a cirurgia de redesignação sexual, assim como o próprio questionamento que as transexuais enfrentam ao buscar a transição para se tornarem mulheres. E quanto à esse tema, acompanhamos duas histórias distintas, porém com desfechos parecidos.

De um lado, Elektra Abundance decide realizar a cirurgia que a torna uma mulher completa como sempre sonhou, mas essa atitude também a coloca na miséria quando seu amante a abandona, justamente pelo fato de ela ter feito a cirurgia. Do outro, Angel, que também sonha em ser mulher e idealiza romanticamente em ter uma família, com uma casa só sua, muitos filhos e sendo sustentada por um marido.

Elektra Abundance (Dominique Jackson)
Elektra Abundance (Dominique Jackson) em “Pose”. Imagem: FX / reprodução

Contudo, Angel acaba se apaixonando pelo yuppie Stan Bowes (Ewan Peters), que aluga um apartamento para sua amante e a mantém como um bibelô, sem que ela saiba que ele é um jovem executivo que já divide uma casa em uma zona suburbana de classe média com sua família, formada pela bela esposa Patty (Kate Mara) e seus dois filhos.

A vida dupla de Stan não dura muito tempo, e ele é chantageado pelo chefe Matt Bromley (James Van Der Beek), que usa a relação extra-conjugal do colega para tentar roubar a esposa dele. Dentro dessa trama, Angel acaba sobrando, e ela então percebe que seu sonho era uma ilusão. Muito mais palpável é o sonho dos bailes, em que ela pode reinar absoluta e vestir a fantasia que bem entender.

Pose” já foi renovada para a segunda temporada, que será ambientada na mesma época em que “Vogue”, de Madonna, é lançada e como ela repercutiu no mundo dos bailes. Porém, quando a primeira temporada chega ao final, já ficamos com saudade desses personagens tão icônicos, complexos e carismáticos, que apesar de viverem em uma realidade de miséria, preconceito e tragédias pessoais, fazem do luxo e do sonho uma maneira real de viver.

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