Mulheres nos Quadrinhos: Roxane Gay

Mulheres nos Quadrinhos: Roxane Gay

A escritora e feminista Roxane Gay não começou sua carreira escrevendo para quadrinhos. Na verdade, numa entrevista para o The New York Times, ela disse que escrever quadrinhos era “a coisa mais bizarra” que ela já havia feito. “E eu digo isso da melhor maneira possível”.

Nascida em 1974, em Nebraska, nos EUA, Roxane se formou e fez mestrado em Escrita Criativa na Universidade de Nebraska-Lincoln. Seus primeiros trabalhos foram o livro “Um Estado Selvagem” e a coleção de dissertações “Má Feminista – Ensaios Provocativos de Uma Ativista Desastrosa”. O primeiro é a história de uma mulher haitiana-americana que é sequestrada, lidando com questões de raça, gênero e a experiência de imigrante nos Estados Unidos. Já o segundo é uma série de ensaios que exploram a posição de se identificar como feminista mesmo amando coisas que parecem ser contrárias ao feminismo. Ambos foram bem recebidos. “Má Feminista”, em especial, foi aclamado pela crítica e o público, tornando-se um dos livros mais populares do feminismo contemporâneo – o site satírico Reductress até fez a piada de que não ler “Má Feminista” seria o que tornaria alguém uma má feminista.

Sua outra grande obra foi publicada em 2017, “Fome: Uma autobiografia do (meu) corpo”. O livro trata da relação de Roxane com seu corpo e de sua experiência como uma mulher gorda e vítima de violência sexual. Assim como “Má Feminista”, tornou-se uma das obras mais conhecidas de Gay.

Roxane Gay

O ingresso de Roxane no mundo das HQs não foi planejado. Na verdade, ela chamou a atenção de Ta-Nehisi Coates, autor que, em 2016, foi o responsável pela nova versão do Pantera Negra, atingindo sucesso de vendas e aclamação da crítica. Gay estava em uma conferência lendo uma história sobre zumbis, e Coates, ao assisti-la, ficou impressionado com sua capacidade narrativa e sua presença. Ele a recomendou à Marvel, e, em julho de 2016, foi anunciado que Roxane, em conjunto com a poeta Yona Harvey, seria responsável pela nova série “World of Wakanda“. As duas foram as primeiras mulheres negras a escrever uma série para a Marvel.

Yona Harvey. Imagem: reprodução

“World of Wakanda” foi aprovada num momento em que a Marvel tentava tornar suas produções mais diversificadas em termos de raça, gênero e sexualidade (no mesmo mês, a personagem Riri Williams foi anunciada como sucessora do Homem de Ferro, por exemplo). A série girava em torno de duas guerreiras da Dora Milaje, a força de segurança feminina de Wakanda: Ayo e Aneka.

As personagens apareceram em Pantera Negra #1 como parte das Midnight Angels (Anjos da Meia-Noite) – fugitivas da Dora Milaje que se dedicam a proteger aqueles que não são vistos pelo Pantera Negra e pela realeza de Wakanda. “World of Wakanda” nos conta suas origens, as razões que as levaram a desertar a Dora Milaje, e o começo de seu intenso romance.

“World of Wakanda”

A série teve grande sucesso crítico e recebeu um prêmio da GLAAD (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation, ONG dos EUA que monitora o tratamento midiático de questões LGBTQ) de Melhor Revista em Quadrinhos. Mesmo assim, após completar seis volumes, foi cancelada por baixas vendas. Roxane, numa entrevista com o site Syfy Wire, comentou que apesar da Marvel ter uma ótima equipe de marketing, eles não estavam, talvez, acostumados a promover a série para o público que geralmente lê o trabalho dela.

O caso acaba evidenciando problemas maiores na indústria dos quadrinhos. Não basta ter uma feminista negra escrevendo uma série, se não existe, afinal, uma iniciativa da indústria para atrair mulheres negras a consumir esse material. Isso passa pela questão da representatividade, mas também tem a ver com tornar o meio das HQs em si mais acessível a pessoas que não estão familiarizadas com o mesmo.

É aí que a presença de Gay se torna ainda mais fundamental. É um processo de atrair vozes que podem enriquecer a indústria e ajudar a contar novas histórias sob novas perspectivas. E Roxane é uma figura crua e direta: Marcada por um humor afiado, sua escrita é honesta e ela não tem pudor ou medo de se posicionar.

Um exemplo disso foi com relação ao filme de “Pantera Negra“. A personagem Ayo (Florence Kasumba) aparece no filme, e foi gravada uma cena que deixa implícita sua sexualidade, um flerte momentâneo com Okoye (Danai Gurira). Se tivesse sido mantida, teria sido a primeira alusão a um personagem LGBTQ nos filmes do MCU. Mas, assim como com Valkíria em “Ragnarok”, a cena foi cortada da edição final.

Ayo (Florence Kasumba)
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Roxane não demonizou “Pantera Negra” por causa disso. Ela elogiou o filme e o trabalho do diretor Ryan Coogler profundamente. Mas, na mesma entrevista citada anteriormente, levantou um ponto de essencial importância: “Eu achei que foi frustrante. Mesma merda de sempre. Sabe, quando alcançamos algum progresso, as pessoas sempre dizem para pessoas queer: Espere. Vamos fazer esse filme sobre pessoas negras, e depois vamos falar de pessoas negras e queer. Eu achei que foi uma decisão infeliz.” Essa mistura de opiniões diretas com um espaço para nuances, bem como uma compreensão plena do conceito de interseccionalidade, torna Roxane uma voz necessária na indústria de HQs.

Após o cancelamento de “World of Wakanda”, ela afirmou ter apreciado a experiência de escrever quadrinhos, e atualmente está desenvolvendo uma nova série. “The Banks” será publicada pela TKO Studios, e é a história de três gerações de mulheres negras, em Chicago, que são mestres do roubo. O lema delas é: Steal smart, right a wrong (“Roube com esperteza, concerte um erro”). A série já está em pré-venda no site da TKO. E como todos os trabalhos de Roxane, a premissa é interessante e original. Vale a pena conferir sua voz rebelde e inovadora, que com certeza ainda dará muito o que falar.

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Formada em História, Fernanda é escritora e trabalha com tradução, legendagem e produção de conteúdo. Gosta de games, quadrinhos e filmes. Passa a maior parte do tempo falando do seu cachorro ou do MCU.
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