American Gods – 02×04: A Melhor História já Contada (resenha)

American Gods – 02×04: A Melhor História já Contada (resenha)

O quarto episódio de American Gods traz novas discussões acerca da possível mortalidade dos novos e velhos deuses, e novos núcleos de personagens interagem entre si e refletem sobre pautas sociais intrínsecas ao teor fantástico da série.

[CONTÉM LEVES SPOILERS DE A MELHOR HISTÓRIA JÁ CONTADA]

Os minutos iniciais do episódio nos transportam para 1977 e apresentam a rotina de um garoto (William Sun) viciado no jogo Pong, que, por ordens do pai (Chil Kong), também se dedica à música, treinando para ser um grande pianista. Neste momento há um resgate do que a antiga Mídia (Gillian Anderson) diz em um dos episódios da temporada passada, que todo objeto que ganha extrema atenção do ser humano tende a se tornar um receptáculo de adoração e, consequentemente, uma divindade. A forma como as cenas se alternam entre o entretenimento do garoto e seus momentos de treino ao piano são muito ritualísticas e corroboram com a frase dita pelo pai, ao mostrar ao filho, já adolescente (Andrew Kim), uma das canções mais tristes de Bach: “é assim que homens como eu rezam”.

O adolescente, então, cria uma forma de unir seus dois hobbies: consegue traduzir a música de Bach para a linguagem do seu computador e, assim, remasteriza e cria novas canções. Desta forma, sem ao menos saber, alimentou por muito tempo a tecnologia e fez com que o Technical Boy (Bruce Langley) se tornasse um de seus deuses mais cultuados, tanto que este aparece no funeral do pai dele, no momento em que a mesma música codificada é tocada em sua homenagem.

Mr. World, Technical Boy e o CEO da empresa. Imagem: Amazon Prime Video/divulgação.

Assim como nos episódios anteriores, “A Melhor História já Contada” é motivada por um tema, que começa com a discussão sobre o afeto entre pessoas e culmina na questão do vínculo que criamos com aspectos terrenos ou divinos (os dois aspectos podem ser sintetizados na temática da busca por amor, que tanto teve destaque nos diálogos de outros personagens, como entre Laura (Emily Browning) e Mad Sweeney (Pablo Schreiber), Bilquis (Yetide Badaki) e Mr. World (Crispin Glover) e Shadow (Ricky Whittle) e Sam Black Crow (Devery Jacobs) e, também, como estes aspectos podem influenciar positivamente ou negativamente nossas vidas. 

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Na funerária de Mr. Ibis (Demore Barnes), Bilquis conhece Ruby Goodchild (Mouna Iraoré), uma moça negra que está aguardando os preparativos para o funeral da avó. As duas conversam sobre a religião cristã e sobre o que faz dela tão importante para si. A mulher responde que todos os ritos a fornecem conforto, pelo vínculo criado entre ela e Cristo. Bilquis cita Beneatha (Diana Sands), personagem negra da peça “A Raisin in the Sun” (Lorraine Hansberry, 1959), que questionava a figura masculina de Deus e, por conta disto, tornou-se descrente. Logo após isto, Mr. Nancy (Orlando Jones) aparece e cita Maya Angelou, através de uma outra perspectiva acerca fé em Deus.

American Gods
Ruby Goodchild e Bilquis. Imagem: Amazon Prime Video/reprodução.

É através de um monólogo de Mr. Nancy perante Mr. Ibis e Bilquis, os três deuses africanos, que finalmente temos um resgate poderoso do primeiro discurso de Anansi na primeira temporada. O personagem volta a conversar sobre racismo e também fala sobre misoginia e feminicídio, fazendo um paralelo entre a situação dos deuses e das pessoas comuns. O trecho ainda faz uma crítica à ascensão da extrema-direita e de todas as mazelas que os opressores submetem o povo negro até os dias de hoje. O texto deste episódio, assim como as referências filmográficas e literárias trazem novamente o propósito da primeira temporada de se analisar a sociedade pela óptica da ficção.

American Gods
Mr. Nancy. Imagem: Amazon Prime Video/reprodução.

Shadow passa a noite na funerária e é surpreendido pela presença de Bast (Sana Asad), deusa gata egípcia da maternidade e da cura que, inclusive, cura as feridas que Shadow obteve ao ser torturado por Mr. Town (Dean Winters). Mr. World e Technical Boy encontram-se em um empresa de tecnologia liderada pelo garoto do começo do episódio, já adulto (William Sun), e é então que Mr. World mostra ao Technical Boy o quanto sua natureza pode ser esquecida, uma vez que o homem, o qual chama de amigo, acaba sendo distraído por outro aparato tecnológico e Technical Boy acaba sendo “aposentado” e parcialmente esquecido, como evidenciado por Mr. World. É interessante notar que até mesmo os novos deuses, tão fortes, aparentemente, podem ter o destino alterado e caírem no esquecimento.

O episódio possui altos e baixos, principalmente no núcleo dos novos deuses que, a princípio, pareciam interessantes, mas agora começam a ainda mais substância em sua participação na trama. Definitivamente, o que salva “A Melhor História já Contada” é a aparição de Anansi e seu discurso carregado de relevância social.


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Editora Intrínseca

Ano de publicação: 2011.

574 páginas

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Edição realizada por Isabelle Simões.

Escrito por:

117 Textos

Formada em Letras, pós-graduada em Produção Editorial, tradutora, revisora textual e fã incondicional de Neil Gaiman – e, parafraseando o que o próprio autor escreveu em O Oceano no Fim do Caminho, “vive nos livros mais do que em qualquer outro lugar”.
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