A experiência transcendental de “Viagem para Agartha”

A experiência transcendental de “Viagem para Agartha”

O pequeno trailer de “Viagem para Agartha” nos engana. É claro, notamos de cara que o filme do gênio Makoto Shinkai (recentemente adicionado ao catálogo da Netflix) será uma aventura fantástica, se juntando às tantas outras já feitas pelo diretor. Entretanto, pelo trailer não percebemos a dimensão da profundidade folclórica e mística que nos será apresentada por Shinkai. Em uma história sobre alguns dos diversos questionamentos e buscas humanas, temos o prazer de acompanhar a epopeia protagonizada por Asuna vendo e vivendo Agartha.

Já adiantamos, de pronto, que “Viagem para Agartha” mais parece uma série. Em menos de 40 minutos já ocorrem tantos acontecimentos e revelações que é difícil acreditar que ainda exista mais por vir. Mas há. Em um espaço de pouco menos de duas horas, a trama nos entrega uma aventura transcendental que mistura os folclores e crenças religiosas de diversas localidades, sendo este o fator principal da história.

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Agartha
Personagens Asuna e Shin (Imagem: divulgação)

Afinal, a própria Agartha é, por si só, uma figura mitológica – algo como um reino situado no coração da Terra, relacionada diretamente à teoria da Terra Oca, de Edmond Halley, bem como aos textos de budismo, hinduísmo e até ocultismo. Agartha seria uma das oito cidades sagradas da quarta dimensão, a qual possuiria uma sociedade utópica. No desenho, ela também é povoada por deuses e figuras místicas, como o Quetzalcóatl, uma divindade proveniente da cultura mesoamericana, tratado como guardião dos portões da cidade. O mais interessante talvez seja a realidade politeísta trazida no desenho. Apesar de se passar no Japão, o sagrado construído por Agartha é feito por divindades e crenças de distintas culturas.

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A própria Agartha é uma mistura de crenças, mas as figuras do Quetzalcóatl, bem como da, por exemplo, Shakuna Vimana (originária do misticismo da Índia), fazem parte de uma abordagem interessante do que realmente poderia ser o sagrado ou mesmo o após a morte. Os habitantes da cidade sagrada, assim como a associação Arcanjo (constituída por humanos comuns da superfície – externos – que buscam o conhecimento de Agartha), interessantemente não parecem levantar nenhum questionamento acerca da evidente fusão religiosa apresentada na trama de “Viagem para Agartha”, o que traz uma representação intrigante e inclusiva do tema.

Agartha
Cena de “Viagem para Agartha” (GIF: reprodução)

O forte fator místico e religioso do filme, porém, não afasta as indagações e questões tipicamente humanas dos demais personagens. Asuna e o Sr. Morisaki, seu professor, adentram a cidade sagrada e são bombardeados hora com perseguições hora com incisivos questionamentos do por quê estarem lá, criando uma situação de constante inquietação e exasperação.

Ryuuji Moriaki tem como obsessivo objetivo a ressurreição de sua falecida esposa Lisa, morta há algum tempo, enquanto ele ainda lutava em uma guerra no estrangeiro. Com esse fim, o viúvo avança – aparentemente – sem escrúpulos em busca daquilo que poderia trazê-la de volta, isto é, o Portal da Vida e da Morte. Mostrado, inicialmente, como alguém implacável, é apenas do meio para o final que vemos a extensão da tristeza que o personagem carrega.

As motivações e a busca dos personagens pelos seus objetivos

A perda de um ente querido nunca é fácil, é claro, mas a demonstração trazida no desenho de até onde uma pessoa é capaz de ir, em nome de um sentimento egoísta de posse e inadequação, é profundamente aflitivo. Suas ações, mais do que o esperado, acabam afetando diretamente a outra protagonista – Asuna -, pondo em risco até mesmo a sua vida.

Asuna, por sua vez, não possui, a princípio, um objetivo claro para se aventurar na cidade de Agartha. Inicialmente pensando ser guiada pelo desejo de, também, reviver seu amigo Shun, recentemente morto, a menina parte junto com seu professor e sua gata Mimi para a cidade desconhecia. Ao longo do filme, porém, especialmente nas interações com o irmão mais novo de Shun, um jovem de mesma idade chamado Shin, percebemos, assim como a personagem, que seu objetivo, apesar de incerto, é tão complexo quanto, estando diretamente relacionado com o amadurecimento da mesma.

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Asuna e a gata Mimi (GIF: reprodução)

Apesar de ser a única personagem feminina com mais de 10 falas, Asuna supre o papel de protagonista feminina de forma coerente e criativa. Uma menina que desejava, desde o início da trama, algo mais da vida, buscando a resposta para algo que nem ao menos sabia a pergunta através das frequências de um rádio artesanal, consegue reunir coragem o bastante para partir em uma aventura rumo ao desconhecido.

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Cena de “Viagem para Agartha” (Imagem: divulgação)

Ora, apesar de não ser, propriamente, uma história de coming of age, “Viagem para Agartha” (ou Hoshi wo Ou Kodomo, no original em japonês) traz a representação de crescimento das três personagens principais. Tanto o Sr. Morisaki quanto Shin e Asuna têm questões próprias a ver e aprender, bem como a mudar, sendo a jornada uma verdadeira experiência íntima e emocional. As metáforas ou mesmo os ensinamentos claros demonstrados por Agartha, são fascinantemente inteligentes e lógicos, afetando tanto as personagens quanto a nós, telespectadoras.

Uma animação construída de forma primorosa por Makoto Shinkai, não poderia de nenhuma forma não ser uma obra-prima. Além disso, a colaboração de sucesso do diretor com o compositor Tenmom, seu companheiro de longa data, dá um toque especial ao filme com sequências instrumentais dinâmicas e prudentes.

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Cena de “Viagem para Agartha” (Imagem: divulgação)

Bem, “Viagem para Agartha” vale a pena. A trama mitológica e mística poderia se tornar algo pesado e cansativo, mas a forma como o enredo é levado torna impossível que isso aconteça. A apresentação constante de novas personagens e situações impede que a trama torne-se difícil e lenta, não perdendo a leveza e nos animando a cada sequência repleta de dinamismo e filosofia. As personagens são extremamente cativantes, trazendo cada uma sua particular contribuição à trama e fechando o pacote de uma animação que já apresentaria muito potencial por si só.

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Ademais, o final de “Viagem para Agartha“, apesar de não ser particularmente surpreendente, é igualmente emocionante de se assistir. O fim (ou o início?) das vidas de Asuna, Shin e Ryuuji nos deixa com gostinho de quero mais, não faltando espaço para reflexões posteriores ao passar dos créditos.

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Cena de “Viagem para Agartha” (GIF: reprodução)

Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

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