Nós, mulheres, lutamos diariamente para sobrevivermos em sociedade e termos nossas vozes, pensamentos e vontades levadas em consideração. Cada jornada, carregada de dificuldades, foi traçada desde o início dos tempos, através de nossas ancestrais que, sozinhas ou amparadas por tantas outras mulheres, mudaram o mundo e nos deram forças e motivação para continuar seus legados em busca de melhorias. As autoras norueguesas Marta Breen e Jenny Jordahl resgatam as lutas individuais ou de grupos feministas no maravilhoso quadrinho “Mulheres na Luta: 150 anos em busca de liberdade, igualdade e sororidade” – um quadrinho importante e extremamente relevante para os nossos tempos.
Marta Breen e Jenny Jordahl definem as lutas do movimento feminista em três principais causas: o direito à educação, de exercer uma profissão e ganhar o próprio dinheiro, o direito de votar em eleições políticas e o direito de decidir sobre o próprio corpo. Partindo destes princípios e analisando a precária situação das mulheres desde o século 19, quando as instituições familiares as obrigavam a casar com um marido escolhido pelos pais e a restringir sua existência aos cuidados com o lar e os filhos, Breen e Jordahl começam a traçar um panorama das mulheres que, de várias formas, transgrediram os padrões de suas épocas e mudaram seus status de subservientes, para que hoje possamos ter tantos e tamanhos direitos.
De figuras conhecidas, como as pensadoras Olympe de Gouges (1748-1793) e Mary Wollstonecraft (1759-1797), passando pelo movimento sufragista iniciado por Emmeline Pankhurst (1858-1928), até a primeira mártir iraniana, a poetisa Táhirih (1814/1817-1852), “Mulheres na Luta” é plural ao apresentar mulheres de diversas etnias em suas mais diversas motivações, como é o caso da luta pelo fim da escravidão, da qual fizeram parte Harriet Tubman e Sojouner Truth, ex-escravas, e também a escritora Harriet Beecher que, em 1852, escreveu o romance “A Cabana do Pai Tomás“, livro que abordava a situação da escravidão nos Estados Unidos, tendo como ponto de vista os próprios escravos.
O quadrinho traça um panorama geral sobre o lugar que essas mulheres ocupavam em momentos históricos muito importantes, como foi o caso do Iluminismo. Ao se deparar com as ideias do filósofo Jean-Jacques Rousseau, acerca das problemáticas que envolviam a escola autoritária da época, mas que se contradizia ao pensar que meninas eram inferiores aos meninos, Olympe de Gouges criou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, a qual exigia às mulheres os mesmos direitos políticos dados aos homens, previstos na Declaração do Homem e do Cidadão. Infelizmente, Olympe foi condenada à guilhotina em uma época que a França pregava as luzes da igualdade, liberdade e fraternidade (mas apenas para homens).
Assim como Olympe, tantas outras mulheres foram oprimidas, assassinadas e tiveram suas integridades físicas e psicológicas ameaçadas, como foi o exemplo de Malala Yousafzai, de 21 anos, a garota paquistanesa que sofreu um atentado pelo Talibã, pelo fato de contrariar as regras impostas pelo fanatismo religioso de seu país e querer que tanto ela quanto outras meninas possuíssem o direito de estudar. Malala teve sua história mundialmente reconhecida após ter sido baleada na cabeça e, depois de se recuperar e morar por um tempo na Inglaterra, ganhou o Prêmio Nobel da Paz por sua bravura.
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“Mulheres na Luta” é acessível e aborda diversas pautas feministas importantes além das principais, como o movimento amor livre e a luta da comunidade LGBTQ+. O texto simples permite que leitoras cada vez mais jovens e interessadas pelos movimentos compreendam, em um panorama geral, a importância das lutas passadas para o nosso presente de igual resistência. O quadrinho serve como porta de entrada para leituras feministas mais densas e é interessante como fonte de pesquisa sobre mulheres, conhecidas ou não tão populares, que fizeram história. O livro ainda conta com um posfácio de Bárbara Castro, professora do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas, sobre o surgimento e a evolução do movimento feminista no Brasil.
O traço do quadrinho é muito bonito e cada sessão possui uma cor diferente para que as pautas sejam diferenciadas entre si. As autoras adotam um tom cômico em determinadas passagens, o que promove um ar descontraído e leve para a obra.
Dessa forma, a arte existe para que a vida seja celebrada, repensada, questionada e torne-se imortal. O trabalho que Marta Breen e Jenny Jordahl aqui fazem, minucioso e atencioso em cada quadro, é importante para acalentar nossos corações nestes tempos sombrios, nos quais nossas vozes sofrem constantes tentativas de silenciamento. Que possamos, a cada dia, nutrir forças nas raízes do tempo, fortalecendo laços com nossas irmãs de batalha, pois a luta começa e se renova a cada dia. Sigamos.
Mulheres na Luta: 150 anos em busca de liberdade, igualdade e sororidade
Autoras: Marta Breen e Jenny Jordahl
Tradutora: Kristin Lie Garrubo
128 páginas
Editora Seguinte (Companhia das Letras)
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Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.