Carol Danvers: o protagonismo feminino e a nova cara do MCU

Carol Danvers: o protagonismo feminino e a nova cara do MCU

Após mais de uma década objetificando ou colocando de lado suas personagens femininas, a Marvel parece finalmente interessada em investir no protagonismo das mulheres. “Capitã Marvel“, que conta a história de Carol Danvers, não é apenas mais um blockbuster a atingir as telas do cinema, mas um ponto final na mentira sobre diversidade não dar lucro. Ryan Coogler, diretor de “Pantera Negra” (2018), abriu espaço para a diversidade no universo cinematográfico dos quadrinhos da Marvel, mas antes dele a diretora Patty Jenkins comprovou que um filme centrado em uma heroína poderia ser um negócio muito rentável, com o sucesso “Mulher-Maravilha” (2017), da DC Comics.

Ambos são filmes com propostas diferentes, assim como “Capitã Marvel”, mas que mostram que existem infinitas narrativas de sucesso, mesmo quando o protagonismo não está com o homem branco, cis e hétero. E por que falar em negócios lucrativos ao comentar a trajetória daquela que é, no momento, a personagem mais poderosa do MCU? Pois foi justamente essa a desculpa usada pelas grandes companhias durante tantos anos, de que filmes protagonizados por mulheres não retornam o investimento. Agora, em 2019, muito tempo depois do que deveria, essa teoria foi jogada abaixo: o filme protagonizado por Brie Larson ultrapassou mundialmente a marca de um bilhão de dólares, tornando-se um dos filmes de origem de herói mais rentáveis já feito.

Tentativas de boicote afundadas e o triunfo da Capitã

Carol Danvers
Brie Larson como Carol Danvers (Foto: Marvel Studios/Disney/divulgação)

Apesar das incessantes tentativas de boicote protagonizadas por homens nerds, nada impediu seu sucesso. A vida de Brie Larson foi revirada do avesso e todas as suas atitudes e palavras foram analisadas meticulosamente, de uma maneira que nenhum herói havia sofrido antes; mas os críticos de plantão não poderiam ter escolhido um alvo mais forte. Assim como Carol Danvers, Brie se levantou de novo, e de novo, e de novo. Na verdade, ela sequer chegou a cair: esteve em todos os eventos recentes da Marvel, construiu amizades com o elenco, é dona de um carisma ímpar e não demonstra vontade alguma de recuar.

Se pensarmos nos filmes de origem do MCU, o de Carol é um dos poucos onde o destaque do protagonista não é ofuscado por algum de seus parceiros. Nick Fury (Samuel L. Jackson) está lá, mas apenas para formar uma dupla muito interessante e divertida, que transborda confiança e verdade. Jude Law, intérprete de Yon-Rogg e outro nome de peso, não consegue tomar a cena de Brie. Definitivamente, o carisma que ela entregou para sua despojada Carol Danvers a transformou em uma personagem importante na vida das mulheres. Ela é independente, não tem medo de enfrentar adversidades, é justa e na resolução de seu filme compreende que não tinha nada a provar para homem algum. Esse momento em especial é de encher os olhos, pois comove e gera uma identificação sem igual com milhões de mulheres por aí, que vivem numa eterna e contínua provação.

A importância de Carol Danvers dentro da maior franquia dos cinemas

A mulher tem de provar seu valor, seu conhecimento e sua capacidade, enquanto os homens são criados por uma sociedade que os encoraja à ousadia, que aplaude e engrandece um homem que não detém conhecimento prévio em alguma área, mas que vai atrás e o conquista enquanto se adapta. A mulher, por sua vez, precisa chegar capacitada e ainda por cima provar por quais (milhões de) motivos é melhor do que seu adversário. Desde pequenas, meninas que ousam sair da risca projetada pela sociedade acabam estereotipadas e socialmente aceitas apenas quando mantém uma postura mais suave e discreta; aquelas que não se importam com a aparência, que não agem como uma menina deveria ser, que ousam erguer a voz ou questionar normas e regras são taxadas como problemáticas.

Carol Denvers
Cena de “Capitã Marvel” (Foto: Marvel Studios/Disney/divulgação)

É impossível falar sobre Capitã Marvel e seus efeitos sem analisar estes elementos, visto que toda a participação de Carol no MCU é baseada em preceitos ainda inovadores naquele mundo de heróis. Ela não se preocupa com aparência, maquiagem ou com certos padrões de sutileza e humildade impostos aos personagens femininos, não tem um ângulo sexualizado e suas curvas não foram pensadas para o público masculino apreciar. Chega a ser cômico, se não fosse um triste reflexo social, o tanto de reclamações quanto ao corpo de Brie, que não “faria jus” ao da personagem nos quadrinhos. Bom, se for assim, Chris Evans provavelmente precisa aumentar os músculos do torso umas três vezes para chegar em sua contraparte da literatura.

“Ultimato” e a compreensível, mas questionável, escolha em resguardar a personagem

Quando a vemos em “Ultimato“, Carol Danvers sabe quem é. Ela conhece seu poder, sabe que se os Vingadores tivessem sua ajuda antes o problema poderia ter sido melhor resolvido – e em momento algum se desculpa por sua ausência. Aqui temos dois motivos, onscreen e offscreen: o primeiro é dito pela Capitã durante a projeção, ao assumir que tinha diferentes planetas para tomar conta. Seu compromisso não era apenas com a Terra, mas sim com a Galáxia, e os Vingadores, em teoria, deveriam estar lidando bem com as ameaças ao nosso planeta.

O segundo motivo, mais que especulações de bastidores, é a coerência com o arco construído nesta década de MCU. Caso a Capitã Marvel fosse uma das personagens principais do último filme, toda resolução seria feita com destreza e rapidez. Um típico caso do “personagem poderoso demais para determinada situação”, fácil de ser comprovado quando Carol resgata Tony Stark (Robert Downey Jr.) e Nebula (Karen Gillan), que estavam à deriva no espaço. Também é Carol quem toma atitude quando Nebula revela onde Thanos (Josh Brolin) estaria, depois de seu estalar de dedos, e é ela quem subjuga o Titã para ser interrogado.

Carol Danvers
Carol Danvers, a Capitã Marvel, interpretada por Brie Larson (Imagem: Marvel Studios/Disney/divulgação)

E Carol aparece, de novo, para salvar o dia na batalha final. Ela vem rasgando os céus e atravessa a nave bélica do exército de Thanos sem dificuldade alguma, como se fizesse aquilo todos os dias. Ainda ao pousar no campo de batalha, há uma troca simpática com Peter Parker (Tom Holland), quando sorri e pergunta seu nome, sem questionar se ele era algum sidekick ou o motivo de “uma criança” estar ali. Isso exemplifica como ela não é apenas segura de si, mas que confia nos outros e estimula a capacidade alheia.

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Em seu filme solo, Maria Rambeau (Lashana Lynch) é sua melhor amiga, incentivada por Carol a pilotar rumo ao espaço. Em “Ultimato”, Peter se preocupa em passar pelo exército de Thanos e, em vez de simplesmente tomar a frente, Carol parte com a companhia do elenco feminino. Naquele instante, em vez de solucionar o problema sozinha, vemos uma Capitã Marvel muito longe de ser tão arrogante como dizem por aí, que não tira o brilho de ninguém e serve como um bom exemplo.

Carol Danvers para além da força física

E este é o mesmo estímulo que ela dá a si mesma durante a sua trajetória solo. Carol se reergue diante das dificuldades e reviravoltas que acontecem, mesmo sem memória, sem saber em quem confiar e sem saber o que fazer. Ela segue o próprio instinto e não se deixa cegar. Ao descobrir a verdade sobre os Kree, fica do lado da honra e toma para si a missão de reencontrar um lugar na galáxia para os Skrulls. Carol é, e sempre foi, uma heroína em sua definição máxima.

Carol Danvers
Cena de “Capitã Marvel” (Imagem: Marvel Studios/Disney/divulgação)

Quando nova, Carol tenta encontrar seu lugar e mostrar aos outros que tem valor e merece todas as posições que conquistou. Sem memória e sob a tutela dos Kree, ela continua treinando com Yon-Rogg, que a desafia constantemente. Seu grupo de trabalho a reconhece como uma rebelde, impulsiva e que desobedece ordens sem pensar duas vezes. A futura Capitã Marvel ainda não estava no topo de sua jornada, mas continuava a batalhar por suas crenças e a confiança em si mesma era tudo que ela tinha quando caiu na Terra ao tentar cumprir sua missão.

Carol e Maria, a cumplicidade feminina que faltava no MCU

A jornada de Carol Danvers é repleta de flashbacks, que a levam de volta para sua memória mais latente: Maria Rambeau. Nos lugares dos quais se recordava, nas emoções fortes e nos momentos mais importantes, sua melhor amiga estava lá. O reencontro é emocional e a atuação de Lashana transparece o quanto a personagem amava e admirava Carol antes mesmo dos superpoderes – e ela também já era uma heroína para Monica Rambeau, filha de Maria. Mesmo com o tempo e a distância, a menina conhecia todas as histórias de Carol Danvers e esta ligação provou que a heroína nunca foi apenas um instrumento de batalha, mas alguém com uma história repleta de amor, empatia e sororidade.

Capitã Marvel

Capitã Marvel
Lashana e Brie em cena de “Capitã Marvel” (GIF: Marvel Studios/Disney/reprodução)

A tríade Maria-Carol-Monica foi um acerto maravilhoso em seu filme de estreia, comparável apenas a “Pantera Negra”, cujos relacionamentos femininos estreitos foram honrados pelo diretor Ryan Coogler. Mas em “Capitã Marvel”, graças ao protagonismo de Carol, temos mais tempo de tela para aproveitar a relação familiar construída no lar Danvers-Rambeau. Carol e Maria compartilharam uma vida inteira e, caso Maria fosse um homem, certamente a audiência responderia positivamente sobre o possível casal.

Na prática, a comunidade LGBTQ+ pareceu vibrar com a possibilidade de um casal lésbico em “Capitã Marvel”, e apesar de personagens héteros serem shippados sem nenhum problema o tempo todo, houve uma enxurrada de críticas a quem torcia por um romance lésbico, seguindo a lógica do “um peso, duas medidas” – o que apenas revela como o meio nerd é preconceituoso quando o assunto é minorias. Não vem ao caso que tipo de casal a produção de “Capitã Marvel” deveria ter escolhido, pois o fato é que estes fãs que buscam outras representações afetivas precisam ser respeitados. Elas eram melhores amigas, cúmplices e parceiras ao ponto de criar uma família – e arriscamos dizer que foi a melhor possibilidade de um romance saudável no MCU até o momento.

A mulher não precisa de um romance para ser completa, mas ela pode ter um que não a diminua

Nas HQs, Rhodey/Máquina de Combate (Don Cheadle) é sua paixão mais importante e saudável e ele está bem ativo no MCU, sempre merecedor de maior destaque, ainda mais agora que seu melhor amigo faleceu. Podemos sonhar com um romance bem ambientado e construído, seja com Maria ou com Rhodey, mas sabendo como os fãs nerds podem ser tóxicos, Carol Danvers tem dois obstáculos à sua frente: a homofobia e/ou o racismo. De todo modo, ela não precisa de um romance ou de qualquer relacionamento com algum homem para se transformar.

Capitã Marvel
Cena de “Capitã Marvel” (Foto: Marvel Studios/Disney/divulgação)

Sua amizade com Nick Fury é, no estilo policial dos anos 90, construída sob uma verdadeira parceria. A relação com Yon-Rogg é frustrante, com um superior que mais poda do que lapida seus pupilos. Carol, no fim das contas, só precisou de si mesma. Ela é autoconfiante, centrada e obstinada. Sua família são duas mulheres negras incrivelmente fortes e inteligentes, que também não precisam de ninguém para sobreviver. Elas escolheram umas às outras, pelo amor e pela cumplicidade; então se for para diminuí-la ou minar a sua confiança, é melhor que não exista nenhum romance.

O fator Brie Larson: quando uma atriz abraça a causa

Brie Larson
Brie Larson em evento de promoção do filme “Capitã Marvel” (Foto: divulgação)

Há quem diga que foram os discursos de Brie Larson que colocaram-na na linha de fogo. As sabotagens ao filme já eram previstas por ser protagonizado por uma super-heroína, mas quando tal personagem foi interpretada por uma mulher segura e engajada, parte do público masculino reagiu como se encarasse uma grave ameaça. A quantidade de artigos negativos assinados por homens quando buscamos por Brie Larson é assustadora. Há um repúdio crescente e perigoso ao feminismo, que fez muitas atrizes evitar o uso da palavra ao divulgar uma obra – como Elisabeth Moss, de “The Handmaid’s Tale“.

Mas Brie Larson não teve medo e abraçou o projeto como uma chance de lutar por inclusão. Espalhando mensagens positivas para garotinhas ao redor de todo o mundo, Brie fala sobre não se diminuir perante ninguém, uma das principais características de Carol Danvers que a atriz levou para a vida pessoal e que inspira as mulheres que acompanham o seu trabalho. Dentre todos os personagens apresentados até agora, ela é sem dúvidas a mais poderosa do universo, pois conseguiu transcender a ficção para a vida real – e com a renovação do MCU, com certeza ela estará no centro dos novos acontecimentos.

Carol Danvers: The world’s mightiest hero

Carol Danvers veio para ficar, para levar adiante o legado dessa última década da Marvel e trazer, com um pouco de sorte e boa vontade dos executivos da Disney, uma era onde novas e boas representações não sejam exceção, e os quadrinhos podem nos proporcionar muitos outros personagens para esta continuidade. Imaginem Kamala Khan nas telas do cinema e as interações entre ela e Carol! Ou um mundo onde as mulheres podem ser autoconfiantes, sem ganhar o título de arrogante apenas por comportarem-se como um Homem de Ferro ou Thor (que nem de longe sofreram com o tipo de críticas dirigidas à Brie Larson).

Carol está apenas começando e tem muita história para contar, emoções para mostrar e muito poder (MESMO) para combater as diversas ameaças interplanetárias. Ela é esperta, carismática e já descobriu a coisa mais importante, uma lição para meninas e mulheres: nós não temos nada a provar para ninguém. A competência feminina não depende da aprovação de pessoa alguma. Então não deixe que te convençam do contrário, pois você pode tudo, sempre indo mais alto, mais longe e mais rápido!

Capitã Marvel
Capitã Marvel/Carol Danvers (Brie Larson) (Imagem: Marvel Studios/Disney/divulgação)

Esse artigo foi escrito em conjunto pelas redatoras Nathalia de Morais e Karin Cristina.


Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

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