CRÍTICA | The Handmaid’s Tale – 3×06: Household

CRÍTICA | The Handmaid’s Tale – 3×06: Household

The Handmaid’s Tale, série transmitida pela rede de streaming Hulu e baseada no livro homônimo de Margaret Atwood, chega, enfim, quase à sua metade. Com 13 episódios, 6 dos quais já liberados, apresenta um ritmo mais lento que as temporadas anteriores. E por mais que se alimente a esperança de que o desenvolvimento mais devagar priorize emoções e detalhes para posterior aprofundamento, parece, em alguns momentos, que a série está se perdendo em seus propósitos. Contudo, muito ainda pode acontecer na sua metade final.

O sexto episódio da temporada é, então, intitulado, “Household” (de “agregado”). E aborda, assim, tanto o sentido literal da palavra, enquanto um comandante de Chicago acolhe, temporariamente, os Waterford, quanto a palavra em seu sentido figurado. Isto é, no sentido daqueles que acolhemos em nossas vidas. Trata, enfim, da confiança que se cria nas pessoas. Uma esperança, todavia, que gera uma expectativa nem sempre preenchida.

A tentativa de resgate de Nichole continua em The Handmaid’s Tale. No entanto, não parece ser essa a única motivação por trás dos esforços dos Waterford. Depois do vídeo pedindo o repatriamento da bebê Nichole, Serena (Yvonne Strahovski) e Fred Waterford (Joseph Fiennes) vão a Chicago investir em mais ações de comoção internacional. Mas não vão sem antes pedir que June (Elisabeth Moss) vá com eles. E por que, afinal, June tem tanta importância para o casal?

Atenção: O texto a seguir contém spoilers do episódio

A política internacional em The Handmaid’s Tale

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Cena do episódio “Household” de The Handmaid’s Tale (Foto: Reprodução)

Em primeiro lugar, June é a mãe biológica da menina. E as suspeitas do que ocorre dentro de Gilead geram uma dúvida sobre a autenticidade da pretensão do casal. Com June, então, há a prova de que a mãe biológica da criança “participa” dos pedidos de retorno dela. Há, contudo, outra motivação. Quando June aparece ao lado do casal de comandante e esposa, parece aceitar sua aceitação. Sua aparição é calada, de explícita submissão. Para um mundo, contudo, que se nega a ver relações de poder, sua silenciosa aparição (que mascara a ameaça por trás das câmeras) é vista como conivência ao pedido de repatriamento de Nichole e à sua condição de aia. Portanto, transmite a ideia de que a relação entre as castas de Gilead é harmônica. Ou seja, uma subserviência voluntária pautada na genuína fé.

Deve-se lembrar que o fictício regime de The Handmaid’s Tale existe sob um cenário de mistério profundo. Ao mesmo tempo em que os demais países não podem atuar sem a certeza de uma violação, talvez não seja do seu interesse saber o que se passa ali. Ou talvez não se importem o suficiente para se posicionarem de modo contrário. Afinal, há outros benefícios, econômicos e políticos, decorrentes do apoio a Gilead. 

Assim, não surpreende quando potências estrangeiras chegam a Gilead para ajudar Serena e Fred. E para, desse modo, contribuir com a transmissão da imagem de que Gilead não é tão ruim quanto parece. Apesar do que veem, a presunção de que Gilead opera sob um regime tolerável impera. E a intervenção não pode se justificar com o depoimento dos oprimidos. É necessário que as autoridades políticas (sim, as pessoa privilegiadas e no poder, os homens comandantes) denunciem a prática cometidas por seus pares.

Como confiar nos privilegiados em face da luta política

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June (Elisabeth Moss) em “Household”. (Foto: The Handmaid’s Tale/reprodução) 

Durante as temporadas de The Handmaid’s Tale, June teve que depositar sua confiança em pessoas de posição duvidável. Afinal, como esperar que uma esposa, condicionada por um situação de falso poder promovido pela separação das mulheres em castas, abdicaria de seus privilégios para ajudar as aias em sua causa? Ou como esperar que um homem branco, olho – classe que exerce o poder de polícia de Gilead – a ajudaria a fugir de Gilead?

Mas como tudo em The Handmaid’s Tale, isto também não é algo simples. É claro, June não podia negar a ajuda em diversos momentos. Estava além de suas capacidades exigir mais do que lhe era oferecido. O que ela podia fazer era observar os termos e apostar em busca da sua liberdade. Assim, confiou em Serena e Nick (Max Minghella) para tramar contra o sistema.

The Handmaid’s Tale

Com Serena sempre pareceu mais difícil. Ela precisava, então, mostrar a Serena os problemas de Gilead e convencê-la de que o desejo de libertação deveria ser maior que seu sonho pela maternidade. E que o próprio sistema que ela defendia também a violentava. Já com Nick, estranhamente, sempre pareceu fácil. Ele era silencioso, presente quando necessário para fazer o que June lhe pedia. O que ela não podia saber, entretanto, era  participação dele no desenvolvimento de Gilead, algo já explorado em episódios anteriores, mas ainda não revelados para a protagonista.

Quando então, June precisa de uma autoridade para denunciar Gilead, acredita, ingenuamente, que Nick fará o que for preciso para salvar Nichole. Ele, contudo, sabe que a ação significa mais do que uma criança em jogo. Trata-se do limiar entre uma retaliação e um apoio a Gilead.

Falha de construção na personagem de Serena em “The Handmaid’s Tale”

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Serena Joy (Yvonne Strahovski) em “Household”. (Foto: The Handmaid’s Tale/reprodução) 

No que concerne à Serena, há uma questão que merece ser discutida. Não é a primeira vez que se comentar que Serena foi uma das personagens que mais cresceu em The Handmaid’s Tale. Ao longo das três temporadas da série, Serena passou de esposa defensora do sistema de Gilead para uma mulher dividida entre duas realidades. E em alguns momentos, Serena, inclusive, regrediu em seu progresso. É o caso por exemplo, de quando incentivou Fred a estuprar June para adiantar o parto. E isto é compreensível na medida em que, também, ninguém muda da água para o vinho do dia para a noite. A confusão existe, os erros persistem, mas até quando é possível tolerar essa oscilação de progressos?

A verdade é que a inconstância de Serena está cansando mais do que trazendo uma reflexão. Ou o que se passa na tela não consegue alcançar verdadeiramente a intenção do roteiro, causando uma confusão ou falha na construção da personagem. E o quadro se agrava diante do fato de que Serena retorna ao status anterior, mas June continua a acreditar nela. June sempre dá um voto de fé em Serena, mesmo quando ela mesma é a machucada. E é importante que esse voto de confiança exista entre as mulheres. E se ressalta que June não tinha saída quanto a isso.

The Handmaid’s Tale

No entanto, acreditar ingenuamente que a pessoa finalmente mudará, sem tomar previdências, é também um erro de June diante da sua realidade. Então, quando Serena volta a pensar em Nichole ao seu lado, parece um erro colocar June persuadindo Serena, mesmo que algumas mulheres demorem mais a perceber o estado de violência em que se encontram.

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Homossexualidade masculina

Fred Waterford
Fred Waterford (Joseph Fiennes) em “Household”. (Foto: The Handmaid’s Tale/reprodução) 

Em Chicago, Serena e Fred se hospedam na casa de um comandante. Para sua surpresa, contudo, esse comandante possui mais de 5 filhos. E isto, consequentemente, abala Serena, porquanto ela já se encontrava abalada com a visita a Nichole. Serena vê tantas crianças diferentes e pensa no que aconteceria se ela apenas aceitasse as condições de Fred e tivesse sua filha novamente, mesmo que em um sistema de violência.

Enquanto isso, o outro comandante começa a interagir com Fred. Embora pouco seja mostrado, há indícios de que The Handmaid’s Tale abordará a homossexualidade masculina. A homossexualidade feminina já foi abordada através de Emily (Alexis Bledel) e Moira (Samira Wiley), mas a masculina seria a primeira vez. E é interessante que seja mostrada junto aos grupos de poder, embora também fosse interessante ver uma perspectiva sobre como os homens homossexuais são tratados na cidade.

Mulheres silenciadas

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Tia Lydia (Ann Dowd) e June (Elisabeth Moss) em “Household”. (Foto: The Handmaid’s Tale/reprodução) 

O ápice do episódio, contudo, é o silenciamento quase literal das aias. Não basta a ameaça, não basta a violência. Enquanto uma mulher puder falar, ela representará o problema. E diante da necessidade de abertura do Estado para o auxílio de novas potências, torna-se necessário cuidar daqueles que falarão. Pode ser o medo pelo que virá ou o receio de que elas falem o que não se deve. O que se sabe é que agora a vestimenta das aias conta com um tapador de boca. E que aquelas que ousarem descumprir com a ordem, terão seus lábios costurados. O silêncio virá pelo mal de toda forma. 

The Handmaid’s Tale

Por fim, “Household” foi um episódio focado nos sentimentos e no silenciamento das aias, algo bastante importante em um contexto de anulação das vozes femininas. E é positivo que a série mostre o descaso das demais nações para o que acontece ali. No entanto, talvez esteja pecando no desenvolvimento de modo geral, com episódios arrastados, que se repetem muito, trazem poucas novidades, e ainda colocam personagens em níveis de oscilação, em contraste a uma protagonista que realmente acredita que conseguirá manipular a todos facilmente – esposas, comandantes, olhos, potências estrangeiras, pessoas que não são tolas, pois participaram da construção e da consolidação de Gilead direta ou indiretamente. E colocá-la nessa posição é também subestimar a própria protagonista.

O que será, então, que a segunda metade da terceira temporada de The Handmaid’s Tale promete?

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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