CRÍTICA | The Handmaid’s Tale – 3×08: Unfit

CRÍTICA | The Handmaid’s Tale – 3×08: Unfit

O oitavo episódio de The Handmaid’s Tale, série baseada no livro homônimo de Margaret Atwood e produzida pela rede Hulu, é intitulado “Unfit. Tem, então, como foco a relação de June (Elisabeth Moss), tia Lydia (Ann Dowd) e OfMatthew/Natalie (Ashleigh LaThrop). Discute, assim, o estopim da apatia. A partir de que momento o indivíduo deixa de sentir remorso ou empatia para suprimir uma dor?

Os sentimentos dessas três mulheres, portanto, são explorados na conjuntura de Gilead, em um momento crítico da série, isto porque The Handmaid’s Tale parece estar presa quanto a que rumo seguirá.

Ao mesmo tempo em que tenta prometer a revolução, a cada episódio que passa parece atrelada a um looping que, por um lado, pode gerar discussões e reflexões, mas, por outro, parece não conduzir a lugar algum; e embora as reflexões continuem importantes, as demais temporadas conseguiam introduzi-las sem abdicar do movimento da série. Haveria, assim, alguma intencionalidade por trás disso ou se trata apenas de uma perda do roteiro?

[AVISO: CONTÉM SPOILERS]

Unfit: aquelas que divergem dos padrões de Gilead

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Imagem: reprodução/Hulu

Unfit dá continuidade, desse modo, aos eventos de Under His Eye. Para quem não se recorda, no sétimo episódio de The Handmaid’s Tale, Ofmatthew delatou a martha que ajudou June a encontrar Hannah/Agnes (Jordana Blake). Por causa disso, a martha foi executada. O episódio, assim, começa com a reação das demais aias ao acontecimento. Todas se posicionam do lado de June contra Ofmatthew e repudiam a conduta de sua igual, embora ninguém possua teto de vidro.

Embora seja compreensível que reajam negativamente a uma traição entre iguais, é preciso analisar o contexto maior. Ofmatthew não era apenas uma traidora. Era uma mulher, como todas elas, envolvida por um sistema de violência massiva. Manifestava descontentamento, mas estava presa na ilusão de que, se contribuísse, poderia se ajustar melhor. A questão que sobressai é: e aqueles que morreram por conta de June?

Apesar disso, também não se pretende julgar completamente a conduta da protagonista, muito embora a personagem se mostre egocêntrica em alguns momentos. No entanto, é importante, para a análise do episódio, considerar que a sua reação desencadeia outra reação em Ofmatthew, algo que se pode comparar ao bullying. O isolamento e julgamento coletivo, portanto, não pode ser encarado inconsequentemente. Sempre há uma consequência.

Repúdio entre iguais em “The Handmaid’s Tale”

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Imagem: reprodução/Hulu

Em face das desavenças, tia Lydia reúne as aias. Para defender Ofmatthew, ela ressalta que a culpa do que houve era de June. Afinal, se June não tivesse falado com a martha, nada teria acontecido, e era seu dever depor contra aquela que subvertia ao sistema de Gilead. Mas não apenas isso. June também prejudicou Hannah com sua conduta. Se ela não tivesse tentado ver sua filha, Hannah/Agnes não teria que sair de seu lar. 

Revoltada, June revela que há algo mais sobre o que deve depor. Conta, assim, que Ofmatthew lhe revelou não querer a criança que esperava (o que ocorreu no quinto episódio da terceira temporada de The Handmaid’s Tale, intitulado “Unknown Call). Ofmatthew tenta, então, explicar o que quis dizer, mas o que está feito está feito. Não adianta que ela diga que sentia que havia algo diferente com aquela criança, talvez por ser uma menina desta vez, algo que, certamente, impactaria os seus sentimentos, dada a realidade das mulheres. Tia Lydia, ainda assim, diz que é um pecado e induz as demais aias a entoarem que ela é uma pecadora.

De professora a carcereira: a vida anterior de tia Lydia

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Tia Lydia (Ann Dowd) em “Unfit”. (Imagem: reprodução/Hulu)

O episódio de The Handmaid’s Tale pula, então, para um flashback de tia Lydia. É a primeira vez, na verdade, em que a vida antecedente da personagem é retratada. Antes de Gilead, tia Lydia era professora. Um dia, um menino chamado Ryan (Ian Ho) fica até mais tarde na escola à espera de sua mãe Noelle (Emily Althaus). Quando Lydia decide finalmente levá-lo para casa, Noelle aparece, justificando que estava presa no trabalho. Mãe e filho acabam, então, jantando na casa da professora, no que parece o início de uma amizade. 

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No Natal, os dois passam a comemoração na casa de Lydia. Ela e Noelle se aproximaram durante esse tempo, compartilhando experiência de relações amorosas, como o casamento frustrado de Lydia e os envolvimentos de Noelle, inclusive com homens casados, conciliados com um rotina de trabalho e de maternidade sozinha. Apesar de todas as circunstâncias, Noelle tentava fazer o melhor que podia para Ryan. De presente, ela dá à Lydia um conjunto de maquiagem. É, assim, uma tentativa de incentivar a solitária professora a se valorizar e sair mais. Aproveitando, portanto, o incentivo, Lydia decide sair com seu colega de trabalho.

A experiência, contudo, não sai como o planejado. Tudo ocorre bem no Ano Novo, mas ao chegar em sua casa, Lydia sofre mais uma decepção. Em vez de culpar o homem que a magoa, no entanto, é mais fácil para ela direcionar sua raiva à Noelle. Afinal, se ela nunca tivesse lhe incentivado a viver mais, não teria se decepcionado outra vez, um reflexo de uma sociedade que perdoa os homens por seus atos, enquanto repudia as mulheres. Lydia, assim, denuncia Noelle ao conselho tutelar, fazendo com que ela perca a guarda de Ryan. É o primeiro sinal da apatia que a conduziria em Gilead.

Gilead e a prisão de “The Handmaid’s Tale”

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Imagem: reprodução/Hulu

No tempo presente, uma aia entra em trabalho de parto. O processo, aparentemente, não se difere dos outros vistos. June nota a separação entre as mulheres, um hábito que repete durante a série. A criança, todavia, nasce sem vida. 

Ao voltar para a casa dos Lawrence, June encontra o comandante Joseph (Bradley Whitford). Ele comenta que a sua esposa perguntou sobre o nascimento da criança e sugere a June que ela poderia passar algum tempo junto a ela. June, então, tenta falar do mundo horrível que ele ajudou a construir e que impacta também na vida e na morte das crianças, como aquela que nasceu sem vida; ainda fala que ele mantém a esposa prisioneira, alegando protegê-la, mas a está matando aos poucos. Ele apenas lhe diz que espera que ela tenha se sentido bem.

Enquanto isso, as tias fazem uma separação das aias para enviá-las às famílias adequadas. A cena é interessante, pois mostra como esse processo é feito, com fichas de aias espalhadas pela mesa, mas também aborda, ainda que minimamente, o racismo de Gilead, ou seja, ainda padrões e preconceitos no regime, como famílias que não desejam ter aias negras. 

Um ato de raiva ou de rebeldia?

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Natalie/Ofmatthew (Ashleigh LaThrop) e Janine (Madeline Brewer) (Imagem: reprodução/Hulu)

As tias, por fim, perguntam-se como Deus poderia ter dado duas filhas saudáveis a uma aia desajustada (daí o título do episódio de The Handmaid’s Tale, “Unfit) como Ofjoseph/June, e tia Lydia decide, dessa maneira, que é a hora de June trocar de casa, sob o argumento de que o lar dos Lawrence é “perigosamente inortodoxo”. Primeiramente, deu-se a situação com Emily (Alexis Bledel); depois, com June. Esta lhe fala que Joseph Lawrence a requisitou pessoalmente, mas tia Lydia a lembra de que há comandantes mais poderosos que ele. Resta, então, a pergunta: quem seriam eles?

A pergunta, todavia, não pode ser respondida. Enquanto tia Lydia fala, Ofmatthew ouve atentamente e tem um momento de surto. Com a lata que costuma comprar na mão, a aia libera a sua raiva, finalmente; raiva pela sua situação, raiva por tentar se encaixar em Gilead, raiva por ser julgada como foi pelas suas iguais. Ela agride Janine (Madeline Brewer) e um anjo, roubando-lhe a arma, mas antes que possa atirar em tia Lydia, leva um tiro, deixando um rastro de sangue.

Qual o futuro de The Handmaid’s Tale?

Por fim, “Unfit” segue na mesma linha dos episódios anteriores. Embora traga um final impactante e se destaque por trazer flashbacks de uma personagem que há muito despertava curiosidade, continua morno em comparação aos episódios das temporadas anteriores. E finaliza com uma protagonista apática e com semblante de crueldade, uma frieza egoísta que não se deseja ver e que afasta June da simpatia.

Embora a série tenha traços da realidade, dificilmente era esse o desenvolvimento que se esperava a esta altura. É inegável que a terceira temporada de The Handmaid’s Tale, que começou com uma protagonista em busca de aliados, teve uma virada brusca, talvez até em uma falha de desenvolvimento. Mas até quando conseguirá sustentar-se assim?


Edição realizada por Gabriela Prado.

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Mestra em Teoria e História do Direito e redatora de conteúdo jurídico. Escritora de gaveta. Feminista. Sarcástica por natureza. Crítica por educação. Amante de livros, filmes, séries e tudo o que possa ser convertido em uma grande análise e reflexão.
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