Meu Eterno Talvez: o resultado de uma equipe diversa

Meu Eterno Talvez: o resultado de uma equipe diversa

No final de maio, um dos trailers que mais causaram rebuliço na internet foi o da comédia romântica da Netflix, “Always Be My Maybe” (um trocadilho com a música Always Be My Baby, da Mariah Carey), em português, “Meu Eterno Talvez“. Além de ser estrelada por Ali Wong e Randall Park, figuras públicas conhecidas no universo cômico, ao final do trailer havia uma reviravolta no elenco pela qual ninguém esperava: Keanu Reeves?! Sim, o famoso ator de filmes de ação – e atual namorado da internet – interpreta um dos interesses românticos de Sasha Tran (Wong), chef de cozinha renomada que retorna a São Francisco, cidade em que cresceu, para abrir mais um de seus restaurantes.

Nesse retorno, ela reencontra Marcus Kim (Park), seu melhor amigo de infância, e revive memórias da época em que cresceram juntos – incluindo a queda que tinha por ele. Para complicar, isso tudo rola enquanto seu noivo e empresário, Brandon Choi (Daniel Dae Kim), pede para darem um tempo, para que eles “tenham certeza” de que querem mesmo se casar. Pode até parecer um novelão, mas o drama faz parte, afinal, é uma comédia romântica. A narrativa flui muito bem e o filme é super divertido, tendo uma trilha sonora que é um show à parte. Não à toa que “Meu Eterno Talvez” foi visto por 32 milhões (!) de usuários em um mês, segundo dados liberados pela própria Netflix.

A representatividade verdadeira de “Meu Eterno Talvez”

O principal diferencial de “Meu Eterno Talvez“, entretanto, fica por conta da representatividade. Como o próprio Randall Park comentou, os personagens são comuns, ao invés de estarem cumprindo algum tipo de “cota”. Eles não são “o amigo engraçado asiático” ou “a namorada asiática”, nem tem sua etnicidade justificada, simplesmente são interpretados por atores não-brancos. Park, que co-assina o roteiro juntamente com Wong (que são amigos há anos também na vida real) e Michael Golamco, enfatizou que a ideia deles era fazer um filme como “Harry e Sally: Feitos um para o Outro”, voltado para uma comunidade que cresceu amando obras como aquela, mas que não conseguia se enxergar nelas.

Meu Eterno Talvez
Michelle Buteau interpreta a assistente Veronica. Créditos: Ed Araquel/Netflix.

As tramas tangenciais à linha narrativa principal também são interessantes de se notar: Veronica (Michelle Buteau), assistente de Sasha, é uma mulher negra lésbica que está grávida, desenvolvendo uma família em um relacionamento estável. Harry (James Saito), pai de Marcus também tem seu próprio arco, eventualmente compondo um relacionamento inter-racial com uma mulher negra – diferente da maioria dos relacionamentos inter-raciais fictícios, onde uma das pessoas é sempre branca (e que algumas vezes acabam reproduzindo a narrativa do white savior, principalmente em ficções históricas). Nessas duas situações o roteiro de “Meu Eterno Talvez” não tenta se explicar hora nenhuma, trazendo uma sensação mais realista, de apenas tentar reproduzir a multiplicidade que sabe-se que há no mundo.

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Também há uma satisfação da comunidade asiática em ver aspectos específicos da cultura representados: o relacionamento de Sasha e seus pais com dinheiro, o destaque para a culinária típica, as práticas sociais em eventos familiares, o costume de não andar com os sapatos dentro de casa e a possibilidade de ser melhor atendido caso se saiba falar o idioma são alguns exemplos. “Meu Eterno Talvez” tem uma história recheada desses momentos, detalhes que não são vistos quando não há predominância de personagens asiáticos e que fazem toda a diferença. 

Meu Eterno Talvez
“Meu Eterno Talvez” e os detalhes: Sasha polvilhando gergelim no arroz. Créditos: Netflix.

A representação feminina em “Meu Eterno Talveztambém é multifacetada, com Sasha sendo uma mulher decidida que não é forçadamente encaixada nos estereótipos clássicos de uma personagem que preza pela carreira: a chefe e/ou esposa megeras, a que somente se preocupa com o dinheiro, a que é masculinizada por causa do cargo superior que ocupa. Ela também não é pautada pelo seu biotipo, não sendo desnecessariamente sexualizada como se para “explicar” porque os homens estariam interessados nela.

Por trás de “Meu Eterno Talvez”

Meu Eterno Talvez
Nos bastidores: Wong, Park e Vivian Bang (intérprete de Jenny, namorada de Marcus). Créditos: Doane Gregory/Netflix.

A composição de uma equipe multiétnica com participação feminina indiscutivelmente contribui para que sua diversidade seja refletida no elenco. Essa é uma discussão que anda ganhando força na indústria cinematográfica: o conceito de gatekeepers trata de pessoas que estão em posições de poder decisivo e que controlam o acesso a certos espaços, neste caso, midiáticos. Se essas pessoas são todas brancas, as oportunidades serão concedidas, majoritariamente, a outras pessoas brancas. Isso mostra como atores e demais trabalhadores da indústria do entretenimento não-brancos já partem de um lugar desfavorecido antes mesmo de começarem.

Além de Ali Wong ter convidado pessoalmente os atores que interpretaram seus pares românticos, a sua participação executiva contribuiu para a diversidade da equipe de “Meu Eterno Talvez“. Dentre outras pessoas, Wong compartilhou a produção do filme com Park, Golamco e Brady Fujikawa, todos de ascendência asiática. Ela também convidou Nahnatchka Khan para dirigir, sendo esse o primeiro longa da diretora, mais conhecida por produzir, escrever e dirigir séries, como “Apartment 23” (estrelada pela Krysten Ritter) e “Fresh Off The Boat” – que ela criou junto com Jake Kasdan e é protagonizada por Park e Constance Wu (de “Podres de Rico”).

Meu Eterno Talvez
Nahnatchka Khan dirigindo Karan Soni, Randall Park e Ali Wong. Créditos: Ed Araquel/Netflix.

É fácil notar a lógica do gatekeeping funcionando quando se pensa em pontos de vista: cada pessoa possui uma experiência de vida que molda seu ponto de vista sobre o mundo. O ideal é que as pessoas estejam dispostas a ouvir os outros ao seu redor, numa tentativa de ampliar sua visão e compreender outras vivências diferentes da própria – ainda mais quando se trabalha com comunicação e entretenimento.

A audiência é ampla e o objetivo é que os personagens e o universo no qual eles estão inseridos sejam tridimensionais, críveis, o que só será possível caso vários pontos de vista sejam aplicados. Entretanto, em uma produção nada diversa pode-se ter inúmeros membros na equipe e, ainda assim, resultar em uma narrativa com muitos pontos cegos, uma vez em que as opiniões que eles trazem possuem todas uma mesma origem.

Meu Eterno Talvez
Ali Wong e a chef Niki Nakayama, que desenvolveu o menu do novo restaurante de Sasha. Créditos: reprodução.

Game of Thrones é o exemplo mais recente disso. A série sofreu críticas sobre a representação de negros e mulheres durante toda sua exibição, mas que muitas vezes foram ignoradas por alguns fãs por conta de quão entretidos estavam pelo enredo. Se alguém se sente pessoalmente representado, dificilmente outras questões, relacionadas a personagens minoritários, a incomodarão: pouco se preocupa com a situação das personagens femininas, negras, LGBTQ+, etc.

Contudo, com uma última temporada controversa, a insatisfação com os furos de roteiro não mais conseguiu tapear os outros problemas (especialmente por dessa vez ter atingido personagens principais, particularmente brancos), o que acabou ressurgindo aspectos que muitas críticas já apontavam desde o início. Isso destacou a importância do papel dos roteiristas e produtores, David Benioff e D. B. Weiss, denunciando o resultado da falta de escritoras e diretoras na série.

E ser uma produção distópica ou épica não é desculpa para reproduzir uma narrativa eurocêntrica, heteronormativa e patriarcal, somente “por causa da ambientação”. Existem alternativas, produções que contam (não coincidentemente) com a presença de mulheres, pessoas de outras etnias e também queer nos bastidores.

Um futuro promissor 

Park e Wong na divulgação de Meu Eterno Talvez
Park e Wong na divulgação de “Meu Eterno Talvez”. Créditos: reprodução.

Para pensar em outras comédias românticas com equipes técnicas diversas – que assim como Meu Eterno Talvez refletiram em oportunidades (e, consequentemente, contratações) também diversas – pode-se citar “Podres de Rico, com elenco inteiramente asiático ou de ascendência asiática, e “Alguém Especial, outra produção original Netflix, com um elenco diverso e centrado em um par entre uma latina e um negro.

Parece que o gênero romântico saiu (mais assumidamente) na frente quando se trata de representatividade. O desejo é que as outras categorias fílmicas (e grandes produtoras, não apenas serviços de streaming) também sejam permeadas pela diversidade étnica – para que se possa ter personagens diferentes, de todos os tipos e em todas as ambientações históricas, verdadeiramente refletindo a pluralidade existente no mundo.

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Graduada em Publicidade e Cinema pela UFMG, se interessa pelos mais diversos assuntos. Comediante por natureza e professora por acaso, se descobriu escritora por necessidade. Sonha em ser uma poliglota fluente, mas não consegue focar em estudar um só idioma por vez.
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