A Garota que Conquistou o Tempo: força e responsabilidade na juventude

A Garota que Conquistou o Tempo: força e responsabilidade na juventude

“Time waits for no one” (O tempo não espera ninguém). Essa é a frase que a menina Makoto – ninguém além de uma menina de ensino médio aparentemente comum – lê logo antes de entrar na sala de ciências de sua escola e tropeçar em cima de um objeto em formato de noz, que a faz navegar numa surreal experiência para além do espaço-tempo. A partir daí, quando Makoto acorda e retorna à sua vida original, logo percebe que está imbuída de uma nova habilidade que a faz retornar no tempo quando quiser – assim como o título-spoiler da narrativa sugere. De repente, sem que a personagem perceba, a premissa que a assombrava inicialmente – e a todo adolescente prestes a se ver lançado na vida adulta – se vê invertida.

A animação “A Garota que Conquistou o Tempo“, de 2006, é, sem dúvida, uma gema que chega tardiamente da Netflix e que deve ser relembrada e aproveitada – e sua volta a um circuito de grande acesso merece ser celebrada. O filme de Mamoru Hosoda, diretor de “Digimon” (2000), que fará quase uma década e meia em breve, não envelheceu um só dia. A história original é do escritor Yasutaka Tsutsui, sobre uma menina jovem que encontra uma maneira de escapar dos seus erros e obstáculos diários. Contudo, a história permanece atual mesmo nos dias de hoje – em que já é possível apagar mensagens de WhatsApp e programar praticamente tudo na palma da mão.

Isso porque, apesar dos inúmeros avanços tecnológicos que ocorreram na vida dos adolescentes desde então, a vida social escolar continua sendo um desafio e, em certa medida, vários aspectos da dinâmica social continuam os mesmos. Porém, desde o início, vemos que Makoto não é uma peça ordinária em meio a essa selva assustadora.

De cabelos curtos, meio destrambelhada e com tiradas espirituosas, Maoto prefere passar suas tardes jogando beisebol com seus amigos, Chiake e Kousuke; sempre chega atrasada na escola e não se preocupa muito com suas notas ou com o que será da sua vida depois que esse período acabar – ou pelo menos é o que ela demonstra.

A Garota que Conquistou o Tempo
Cena de “A Garota que Conquistou o Tempo” (Imagem: divulgação/Netflix)

Responsabilidades e a importância de lidar com os sentimentos

A partir do momento em que ela percebe o poder que ganhou, no entanto, Makoto se torna viciada em voltar e corrigir até mesmo os mais insignificantes erros e acidentes do passado, incluindo uma confissão amorosa inesperada de seu amigo, Chiake.

O fato dela ter que, literalmente, saltar para “saltar” no tempo, muitas vezes caindo desajeitadamente no meio da cena para qual ela retorna, aproxima o filme ao slapstick em dados momentos. No entanto, logo antes de se tornar repetitivo, “A Garota que Conquistou o Tempo” muda de tom quando Makoto percebe o quanto seus novos poderes afetam as pessoas ao seu redor.

A responsabilidade que recai em cima dela, sobre como seus poderes podem prejudicar a vida de seus amigos, é o vetor que transfere a narrativa de uma comédia aparentemente leve e adolescente para o drama e a melancolia da falta de perspectiva e de um futuro que parece não estar pronto para acolher os sonhos de juventude – uma série de gêneros diferentes que são abarcados nesse filme de uma maneira destemida e sem amarras que só a animação japonesa é capaz de unir. 

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Para Makoto, porém, tudo recai em aceitar as mudanças trazidas pelo tempo e as consequências que se apresentam dos seus atos, e isso inclui, claro, assumir seus próprios sentimentos e lidar com eles de maneira sensível e não inconsequente aos sentimentos alheios. 

A Garota que Conquistou o Tempo
Cena de “A Garota que Conquistou o Tempo” (Imagem: reprodução/Netflix)

“A Garota que Conquistou o Tempo” e a montanha russa de gêneros

A animação é surpreendente, não só pela profundidade com a qual trata os dramas da vida adolescente, mas também pela amplitude a que eleva a temática do filme. O que poderiam ser devaneios e aventuras de ensino médio ganham projeções planetárias e reflexões sobre o futuro da humanidade como um todo. 

Os personagens em si também ganham um rumo inesperado ao longo da narrativa. Há quem não compre, possivelmente, a transição do personagem Chiake, por exemplo, que passa de um inconsequente bad boy ao mensageiro do futuro, transmissor de sabedoria. No entanto, o fato da perspectiva estar bem estabelecida na personagem de Makoto faz com que a transição dele seja parte também da mudança de opinião e amadurecimento dela.

Ela própria inicia como uma menina mais ao estilo tomboy, passando a imagem de durona e várias vezes se recusando a lidar com seus próprios sentimentos – como se recorresse a um ideal de força identificado a uma masculinidade tosca –, e não é toa, já que até nos dias de hoje essa identificação acontece e, portanto, no personagem, tal associação é tão prejudicial quanto genuína, fazendo com que sua transformação ganhe ainda mais significado no filme. 

Mesmo a montanha russa de temas que esse filme trata e a profundidade que eles acarretam não impedem que “A Garota que Conquistou o Tempo” atinja um final, senão otimista, animador. Se a premissa do início do filme dava a entender que o tempo era uma entidade implacável, que precisa ser subvertida e enfrentada de alguma maneira para que a vida seja plena, ao final da história chega-se à conclusão de que ele também pode ser, à sua maneira – justa e igual para todos–, uma dádiva.


Edição realizada por Gabriela Prado e revisão por Isabelle Simões.

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Criança que queria ser bailarina, depois foi querer virar oceanógrafa, que depois sonhou em ser fotógrafa da National Geografic, para depois querer ser escritora. Acabou virando jornalista (no diploma) e professora (na carteira de trabalho – RIP). Adulta, só daqui uns anos.
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