Francesca Woodman e a subjetividade como revolução

Francesca Woodman e a subjetividade como revolução

Nascida em abril de 1958, em Denver, Colorado, Francesca Woodman foi uma fotógrafa visionária. Ela começou a fotografar muito jovem e estima-se que seu portfólio, construído em torno de oito a nove anos, contenha por volta de 800 fotografias. Francesca suicidou-se aos 22 dois anos, deixando para trás um legado histórico considerado até hoje impressionante pela consistência, maturidade e lirismo. 

A maioria de suas fotos foram tiradas nos Estados Unidos e na Itália, onde sua família possuía uma residência e onde Francesca Woodman viveu por alguns anos. Ao descobrir sua paixão pela fotografia, a artista decidiu estudar Design em Rhode Island. 

Francesca cresceu em uma família de artistas. Seu pai era um pintor e sua mãe era uma ceramista e escultora. Em um ambiente aberto para a arte, Woodman foi capaz de florescer seu talento muito cedo. Sua primeira fotografia foi tirada quando ela tinha por volta de treze anos de idade. Desde seu primeiro autorretrato é possível perceber as características transgressoras e poéticas de sua obra. 

Tendo optado por produzir apenas fotografias em preto e branco, em sua maioria de medidas pequenas, suas obras são marcantes pela ambiguidade e pela atmosfera carregada de questionamentos e subjetividades. 

Francesca Woodman
Fotografia intitulada de Francesca Woodman (divulgação)

Francesca Woodman e a mulher na imagem

Por vezes um personagem, por vezes a artista, todas as obras de Francesca Woodman parecem espargir seu nome. Sua primeira fotografia já rompe com os preceitos comuns dos autorretratos. Por serem uma forma como o sujeito se mostra para o mundo, é interessante como a artista opta por apresentar desde sua primeira obra imagens inusitadas de si mesma. 

Em seu primeiro autorretrato, Woodman cobre o próprio rosto e usa roupas largas que impossibilitam o observador de identificá-la. Até mesmo na pose escolhida, a fotógrafa mistura elementos comumente associados à figura masculina (especialmente para a época). 

Francesca Woodman
O primeiro autorretrato de Francesca Woodman, quando ela tinha treze anos (divulgação)

As fotografias de Francesca Woodman são carregadas de dubiedades a respeito de corpo e gênero. Com sua arte monocromática, a artista questiona o binarismo ao qual é imposta. De forma subjetiva, ela cria um questionamento social que não é uma revolução coletiva mas uma inquietação na qual todas as mulheres podem se enxergar. Em outras palavras, Francesca faz do próprio corpo um ato de rebelião. Sua individualidade traz uma mensagem que pode ser traduzida para o coletivo; a existência da mulher por muitas vezes faz com que ela se sinta um objeto.

Sua fotografia é revolucionária também nos enquadramentos e perspectivas. Os corpos na foto são tanto o objeto quanto o meio que é fotografado, e a soma de todos os elementos é o sujeito ㅡ e o sujeito é Francesca. A artista usa pessoas, personagens e objetos para contar sua própria história e expressar seus próprios sentimentos através das imagens.

Francesca Woodman em seu estúdio. Foto de Douglas D. Prince
Francesca Woodman em seu estúdio. Foto de Douglas D. Prince (reprodução)

Apresentando por vezes elementos eróticos, os autorretratos de Francesca são marcados por nus totais ou parciais. As poses escolhidas também refletem uma produção artística transgressora e vanguardista, especialmente dentro do contexto histórico no qual a obra de Woodman estava inserida.

A atmosfera vintage e gótica criada pelos móveis e vestimentas cria um cenário cuja noção temporal é incerta. Lembrando muito a era vitoriana, o observador é deslocado de qualquer ideia fixa de tempo. Francesca criou uma atmosfera completamente independente de realidade, tempo e espaço. Ao olhar para qualquer foto, tem-se a sensação de estar olhando para dentro da artista.

A mulher no mundo

Embora hoje seja considerada uma artista brilhante, Francesca Woodman não foi valorizada como artista durante sua vida. Em diversos relatos a respeito da vida da fotógrafa, é possível perceber sua profunda frustração com as perspectivas a respeito de sua arte. A fotografia, naquela época (entre as décadas de 60 e 80) ainda era vista por muitos como uma arte marginal. Dessa forma, Francesca já vivia a desvantagem de trabalhar com uma área que era considerada inadequada. 

surrealismo
Fotografia intitulada de Francesca Woodman (divulgação)

Seu estilo tem muitas influências do surrealismo, um movimento vanguardista. Ainda assim é possível perceber que muitas artistas surrealistas (tanto na fotografia como em outras áreas) são constantemente esquecidas pela história. A grande maioria das decisões a respeito do movimento eram majoritariamente masculinas. Mesmo sendo revolucionário, dentro do surrealismo é possível perceber uma constante idealização da mulher, especialmente por parte de artistas masculinos.

Assim, Francesca Woodman habitava em um mundo onde ser mulher e ser artista lhe proporcionavam diferentes amarras e diversos questionamentos a respeito de si mesma. Todos esses sentimentos eram expressados e transmitidos através da fotografia. Entretanto, nada pôde impedir sua trágica morte. 

A grande maioria dos relatos a respeito de sua vida levam a crer que a insatisfação com a sua situação como artista foi a principal causa de sua depressão, mas é impossível saber ao certo. Ainda assim, toda a história de Francesca abre espaço para que a forma como a mulher é vista na sociedade seja constantemente questionada. 

surrealismo
Fotografia intitulada de Francesca Woodman
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Francesca Woodman viveu em um mundo onde os padrões impostos às mulheres eram ainda mais cruéis e irreais do que na atualidade. Ela proporcionou ao mundo o seu olhar sobre si mesma, e abriu caminho no meio artístico para que mais fotógrafas fizessem o mesmo.

O trabalho de Francesca tem um lindo legado que permite e incentiva que todas as mulheres olhem para suas próprias existências com a totalidade de seus sentimentos e incertezas. Sua obra é uma lembrança constante da dualidade à qual todas as mulheres estão sujeitas. A atmosfera surreal e monocromática nada mais é do que um reflexo de ser mulher na sociedade; viver entre a aceitação do real e as exigências irreais, entre o padrão ilusório e a verdade.


Edição realizada por Isabelle Simões.

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Formada em Jornalismo. Gosta muito de cinema, literatura e fotografia. Embora ame escrever, é péssima com informações biográficas.
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