Clubes de leitura (feminista): da leitura burguesa à democratização dos livros

Clubes de leitura (feminista): da leitura burguesa à democratização dos livros

Em tempos em que tudo é online e digital, com todas as informações e histórias ao alcance de um clique, pode ser surpreendente o crescimento de clubes de leitura presenciais voltados para os mais diversos públicos e temas. Isso não significa, porém, que a internet não ajude na manutenção e alcance dessas iniciativas pelo mundo.

É contado por aí que tudo começou com uma elite intelectual e burguesa que, no auge do Iluminismo, se reunia para discutir livros teóricos ou de literatura aclamados, em plena França do século XIX. Já nos Estados Unidos, os recém-inaugurados clubes de leitura, nessa mesma época, estavam destinados à leitura de textos religiosos, principalmente os escritos bíblicos.

Tudo parecia correr bem para o patriarcado, pois o conhecimento difundido era branco, heterossexual e masculino, se não fosse o pequeno detalhe de que, em 1868, algumas jornalistas foram impedidas de participar de um evento literário porque, simplesmente, eram mulheres.

Depois disso, uma dessas jornalistas resolveu fundar o próprio grupo de leitura, o Sorosis, servindo de inspiração para outras mulheres e clubes americanos, com exemplos que sobrevivem até hoje como o Ladie’s Literary Club of Ypsilanti, no estado do Michigan, criado em 1878. Ou seja, se os clubes de leitura começaram como um movimento das elites, não tardou para que se tornasse também resistência, o que é visto até hoje.

O fortalecimento dos clubes de leitura com uma pitada de feminismo

clubes de leitura
Duas mulheres lendo por volta de 1903. Foto: Wikimedia Commons (reprodução)

Nos últimos anos, o surgimento e a visibilidade desses clubes de leitura tiveram um grande aumento, principalmente no Brasil. Geralmente isso é atribuído à criação do Clube de Oprah Winfrey (Oprah’s Book Club), em 1996, que dinamizou as leituras em grupo, influenciando os modos como os livros eram discutidos, além de influenciar o mercado editorial, pois os livros indicados no clube se tornavam best-sellers quase que instantaneamente.

Mais recentemente, na última década, com o crescimento das discussões sobre gênero e sexualidade, foram lançados clubes  de leitura com viés feminista. Tendo o intuito de discutir autoras mulheres e suas obras não lidas durante tanto tempo, esses novos clubes de leitura se tornaram ferramenta para a desconstrução de paradigmas literários.

Emma Watson segurando exemplares de “Mamãe & Eu & Mamãe“, da autora Maya Angelou, e o quadrinho “Persépolis“, da autora e cineasta Marjane Satrapi.

E, para falarmos desses clubes, existem alguns ótimos exemplos. Podemos começar por “Our Shared Shelf” (Nossa Estante Compartilhada, em tradução livre), criado por Emma Watson, que além de trazer a proposta de compartilhamento e discussão de obras especificas (online, através da plataforma GoodReads) também conta com a iniciativa da atriz de esconder em locais públicos de Londres, como o metrô, livros para serem achados por pessoas aleatórias.

Outra iniciativa ótima é a da atriz Reese Witherspoon. Ela criou o Reese’s Book Club ou Hello Sunshine que, como outras iniciativas, é voltado para o trabalho de mulheres. Porém, a grande diferença do Hello Sunshine para algumas tantas outras iniciativas de mulheres famosas, é que Reese Witherspoon está pessoalmente envolvida na curadoria das obras escolhidas mensalmente, dando sempre preferência para autoras e editoras que não sejam mainstream ou best-sellers.

Ou seja, trazendo para o conhecimento de um imenso público (a conta do Instagram do Reese’s book club tem mais de um milhão de seguidoras e seguidores) títulos que, infelizmente, não teriam essa visibilidade se não fosse a existência de clubes de leitura como esse.

Reese's Book Club - Reese Witherspoon
Na foto: Reese Witherspoon. Imagem: reprodução

Clubes de leitura no Brasil: um toque da realidade local

No Brasil, em contrapartida às tentativas de retrocessos que vivemos, também existem iniciativas como essas. Grupos que se reúnem – presencialmente ou online – para discutir o trabalho de mulheres com especial atenção às mulheres brasileiras.

O primeiro caso a ser citado é o Clube Lesbos, que tem como objetivo visibilizar o trabalho de mulheres lésbicas e bissexuais não só no mundo literário, mas também no campo cinematográfico com séries e filmes que tenham personagens e/ou autoras LGBTQ+.

Outro exemplo é o Clube de leitura feminista, organizado pela Casa 1, que traz uma proposta diferente, pois não pede compra ou leitura antecipada do livro escolhido, já que seu grande diferencial é que a leitura seja feita coletivamente durante as reuniões do grupo. Um fato digno de nota sobre o Clube de leitura feminista é que o primeiro livro a ser compartilhado foi o “Se eu fosse puta” (2016) escrito por Amara Moira, uma mulher trans feminista e militante.

Outra iniciativa com grande visibilidade em terras brasileiras é o coletivo Leia Mulheres. Como o próprio nome já diz e seguindo a linha dos outros grupos, seu grande objetivo é que as mulheres sejam lidas. O coletivo foi inspirado numa iniciativa criada pela autora Joanna Walsh que, em 2014, propôs o projeto #readwomen2014 (#leiamulheres2014) que consistia em ler mais escritoras.

Porém, diferente dos outros clubes citados, que tem sede em São Paulo (mesmo já presente em outras cidades), o Leia Mulheres é responsável por organizar eventos em livrarias, centros culturais e bibliotecas em várias cidades do país, fora do que, infelizmente, ainda é considerado como “eixo intelectual” do Brasil, nas regiões sul e sudeste.

Leia Mulheres
Na foto: Juliana Gomes, Michelle Henrique e Juliana Leuenroth são as criadoras do coletivo Leia Mulheres no Brasil. Imagem: reprodução
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Porém, o grande exemplo que devemos dar quando falamos sobre clubes de leitura (e neste caso não está restrito à leitura apenas de mulheres) são aqueles existentes dentro dos presídios brasileiros, principalmente os femininos. Iniciados em 2015, são uma parceria da Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (FUNAP) com a editora Companhia das Letras e já estão presentes em vários presididos do estado de São Paulo.

Segundo recomendação do Conselho Nacional de Justiça, a leitura de um livro implica na redução de quatro dias na pena e, para que isso aconteça, as detentas e detentos devem escrever uma resenha do livro em questão para um juiz ou uma juíza, para que seja autorizada a redução da pena. Devemos registrar que são permitidos no máximo doze livros por ano, muito acima da média de leitura dos brasileiros que, em 2016, estava em 2,43 livros por ano.

Portanto, se tudo começou em ambientes padronizados, que atendiam às demandas de uma elite burguesa clássica, hoje em dia e, ainda bem, os clubes de leitura são uma importante ferramenta de democratização da leitura e, principalmente, da leitura daquelas silenciadas através da história, porém não mais.


Edição realizada por Isabelle Simões.

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Uma adolescente emo virou uma hipster meio torta que sem saber muito bem o que fazer, começou jogar palavras ao vento e se tornou escritora e tradutora. Também é ativista dos direitos humanos. Além disso é lésbica, Fé.minista, taurina. E, principalmente, adoradora de gatos e de café.
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