Barbara Kruger e as representações da mulher nos espaços públicos e privados

Barbara Kruger e as representações da mulher nos espaços públicos e privados

Barbara Kruger é uma artista pós-moderna que nasceu em 1945, em Newark, Nova Jersey. Tendo crescido em uma família de classe média, seu primeiro emprego foi como telefonista. Ela se formou na The Parson Design School em 1965 e trabalhou como diretora de arte em diferentes revistas. A principal marca de Kruger na história da arte são suas emblemáticas obras que unem fotografia e design.

Sua influência na arte é notável não somente pela mensagem mas também pela técnica. As reflexões proporcionadas pela obra de Barbara Kruger são impulsionadas pela construção gráfica da união entre colagem e fotografia, que são pensadas justamente com o intuito de impactar o observador com um uso da semiótica orquestrado de forma excepcional.

A linguagem utilizada até mesmo na disposição das frases e palavras nas obras influenciam a forma como as sentenças são interpretadas e absorvidas. O uso das cores e fontes e as temáticas presentes nas fotografias criam contrastes entre sentimentos positivos e negativos, entre suavidade e rigidez, entre delicadeza e severidade.

Your every wish is our command - Barbara Kruger
Obra “Your every wish is our command” (“Cada desejo seu é nosso comando”, em tradução livre), de Barbara Kruger.

A arte pós-moderna e feminista de Barbara Kruger

Barbara Kruger é uma artista feminista e pós-moderna. Ambos movimentos aos quais ela é vinculada são intrinsecamente característicos de sua arte e indissociáveis um do outro. É pós-moderna dentro do feminismo e feminista dentro do pós-moderno.

Ao romper com alguns cânones da arte moderna, Kruger e outras mulheres artivistas (arte  + ativismo) manifestavam-se não apenas contra as amarras do patriarcado na sociedade, mas também dentro da produção cultural. Sendo meio artístico um ambiente construído em grande parte pela hegemonia masculina, a arte feminista se apresenta como meio de libertação das mulheres. Ela oferece voz, mas demanda um ativismo que não é mais apenas contra o sistema sexista em sua totalidade.

É uma batalha travada dentro do próprio mundo da arte e suas segmentações. Barbara também faz uso de meios acessíveis ao público, de forma que suas críticas podem ser vistas e sua arte pode ser apreciada por qualquer pessoa. Através da publicidade, um veículo vastamente benéfico para a disseminação dos valores capitalistas, a artista expõe e questiona relações de poder e padrões pré-estabelecidos em ruas ou em um shopping center.

Blind Eye - Barbara Kruger
Obra “Blind Eye” (“Olho cego”, em tradução livre), de Barbara Kruger. (Imagem: Reprodução)

“O pessoal é político” e os espaços onde a arte acontece

Através da sociedade burguesa, a segmentação entre os âmbitos privado e político foi acentuada. A obra de Barbara Kruger denuncia a opressão da mulher tanto na esfera política quanto na privada.

Indo em contrapartida com os retratos históricos da mulher como fruto da idealização masculina, a arte de Kruger expõe a mulher objetificada pelo patriarcado e pelo capitalismo. Em seu artivismo se exprime o jugo que o sexismo impõe sobre a mulher, e que se estende desde o interior do lar, passando pela sociedade de consumo e atingindo sua condição enquanto indivíduo na esfera pública.

A figura idealizada, manipulada e alienada de sua personalidade é a mesma independente de seus adjetivos. Antes de ser livremente a mulher mãe, profissional, filha, esposa, proletária e cidadã, ela é o resultado de uma construção social impulsionada por imposições. Dentro dessa construção social estão estabelecidos os seus sonhos, suas condutas e sua percepção a respeito de si mesma.

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Durante a história da arte, os meios de comunicação apresentaram ao mundo um ideal feminino cuja ambiguidade beira à discrepância. A mulher deve ser natural, mas a sua beleza é completamente dependente de cosméticos e procedimentos estéticos. Ela deve ser inocente, pura, recatada e munida de uma completa aversão à vulgaridade na mesma medida em que sua recusa a fornecer ao homem o prazer sexual é inadmissível. A mulher idealizada pelo homem é um sonho maleável, moldado conforme as circunstâncias para tornar-se a versão mais conveniente de si mesma.

You are not yourself - Barbara Kruger
Obra “You are not yourself” (“Você não é você mesma”, em tradução livre), de Barbara Kruger (Imagem: Reprodução)

Confinada a um padrão sexista não apenas na esfera dos relacionamentos pessoais, o meio capitalista também exerce sob a mulher uma alienação de sua identidade. Como consumidora, ela é coagida a adquirir e participar de trocas comerciais que servem apenas para moldá-la de acordo com um ideal. Logo em seguida, a mulher abandona seu estado de consumidora e se converte de muitas formas em um produto que será vendido ao homem. Sua imagem, seu corpo e sua vida encontram-se constantemente em uma vitrine, sendo aprimorados em prol do prazer masculino.

Divergindo do retrato constante da mulher idealizada, Barbara Kruger denuncia as relações de dominação e reflete de forma agridoce e melancólica a mulher que resulta da busca incessante por um padrão irreal e inalcançável. A mulher real desaparece de si mesma e da sociedade, e o que resta dela é apenas um espectro baseado em fundamentos construídos na opressão simbólica.

O contraste tanto entre a mulher real e o padrão idealizado quanto entre quem produz as representações femininas nos âmbitos da arte e da comunicação, está presente na obra de Kruger. Seus questionamentos lembram o trabalho das Guerrilla Girls, grupo que, assim como Barbara, se apropria de uma linguagem próxima da publicidade.

Do Women Have To Be Naked To Get Into the Met. Museum? - Guerrilla Girls
Obra “Do Women Have To Be Naked To Get Into the Met. Museum?” (“As mulheres precisam estar nuas para entrarem no Met. Museum?”, em tradução livre) do grupo ativista Guerrilla Girls. Na obra consta a seguinte informação: Menos de 5% dos artistas nas Seções de Arte Moderna são mulheres, mas 85% dos nus são femininos. (Imagem: Tate)

Ao defender a ideia de que ‘’o pessoal é político’’ Barbara Kruger sustenta a mensagem do caráter político presente na existência feminina. As angústias mais íntimas, quando propiciadas pela dominação patriarcal e capitalista, tornam-se reflexos de uma questão social. As dores impostas à mulher pelos poderes opressores geram um dilema que se transfigura em um discurso, mesmo que silencioso.

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Your body is a battleground - Barbara Kruger
Obra “Your body is a battleground” (“Seu corpo é um campo de batalha”, em tradução livre) de Barbara Kruger (Imagem: Reprodução)

Apesar do trabalho de artistas feministas do século XX para mudar a forma como a mulher é retratada no mundo da arte, a atualidade apresenta uma representatividade ainda confinada por um ideal retrógrado. Dessa forma, o trabalho de Barbara Kruger se mostra ainda mais relevante e indubitavelmente necessário nos tempos atuais.

A representação da mulher no mundo da arte é facilmente deturpada, e artistas como Barbara Kruger ressaltam a importância da figura feminina tanto no produto como na produção. Através de seu trabalho, a necessidade de mulheres como porta-vozes responsáveis dentro do ambiente criativo, é evidenciada. Para que a comunicação e arte apresentem cada vez menos padrões artificiais e deem lugar a mulheres reais ─ e livres.


Edição realizada por Isabelle Simões.

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Formada em Jornalismo. Gosta muito de cinema, literatura e fotografia. Embora ame escrever, é péssima com informações biográficas.
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