Mulheres nos Quadrinhos: Laura Athayde

Mulheres nos Quadrinhos: Laura Athayde

Laura Athayde nasceu em Manaus, no Amazonas, se formou em Direito e tem especialização em Direito Tributário. Foram três anos trabalhando no mundo das leis até começar a criar e publicar suas próprias tirinhas online. As histórias repercutiram e ela, para a própria surpresa, recebeu propostas de trabalho na área. Largou a vida de escritório e se dedicou aos quadrinhos e ao design. Hoje, com um curso Técnico em Design, 30 anos e morando em Belo Horizonte, Laura cria quadrinhos sobre o cotidiano das mulheres, além de trabalhar como ilustradora freelancer para editoras como a Planeta, Record e Cia. Das Letras. Agora, está preparando um livro em parceria com a fundação Itaú Cultural, que será lançado no ano que vem.

O cotidiano de Laura Athayde vira história

A quadrinista começou a ler com os gibis da Turma da Mônica que seus pais compravam para auxiliar na leitura. Desde pequena se lembra de desenhar suas próprias histórias e tentar copiar os personagens de outras. Fez alguns cursos, mas nunca pensou que chegaria a trabalhar com isso. Quando foi cursar Direito, parou totalmente de desenhar e só voltou em 2013, quando começou a acompanhar tirinhas pelo facebook.

Morando em São Paulo, fazendo uma especialização na área jurídica, lia quadrinhos sobre desilusão, pressões da juventude e começou a se sentir compreendida. “Na época, eu lia Diego Sanchez, Daniel Lopes, Gabi LoveLove6 e outros autores que postavam nas páginas Quadrinhos Insones e Batata Frita Murcha. Foi quando eu descobri que amava quadrinhos de crônica do cotidiano e percebi que podia fazer os meus próprios e postar na internet”. Com saudades de desenhar, viu uma possibilidade de se comunicar com pessoas que sentiam como ela. “Era uma oportunidade de refletir sobre o mundo, tentar botar ordem nas ideias e compartilhar essas reflexões”.

A série “Aconteceu Comigo”

Com o tempo, Laura percebeu a relevância dos quadrinhos como ferramenta de comunicação e divulgação de ideias. Por unirem texto e imagem, o conteúdo circulava muito nas redes sociais e era uma boa oportunidade pra discutir questões importantes. E foi nesse momento que conheceu alguns dos trabalhos que a inspiraram. O Mulheresda Carol Rosseti, o trabalho feminista político da Gabi LoveLove6, Diana Salu, que além de militante, tem um aspecto sensível e poético que ela tenta trazer para seus trabalhos mais intimistas, e o trabalho da Aline Lemos a inspiraram a produzir conteúdos relevantes para mulheres.

Assim nasceu o “Aconteceu Comigo”, onde ela adapta relatos reais para o formato de HQ, com histórias que perpassam o machismo, capacitismo, racismo e outras formas de preconceito. A ideia dessa publicação nasceu de um caso que aconteceu com a irmã mais nova de Laura. Cursando Ciências da Computação, ela sofria com o machismo na faculdade. Ouvia que ali não era lugar de mulher e precisou de coragem pra terminar o curso. “Então, eu queria que outras garotas que estivessem na mesma situação soubessem que não estavam sozinhas e que não precisavam desistir”, conta.

Desenhou a história e publicou no Facebook, deixando a caixa de mensagens aberta pra quem quisesse compartilhar a sua história. A série cresceu e ganhou a forma que tem hoje, denunciando injustiças e mostrando que machismo, racismo e outros preconceitos não são vitimismo e que, enquanto sociedade, precisamos trabalhar juntos pra acabar com eles. Além disso, a série vai virar livro! E ela está trabalhando atualmente em histórias pra ele.

Aconteceu comigo
Arte de Laura Athayde. (Imagem: reprodução)

As técnicas e os hábitos de Laura Athayde 

Fã de histórias policiais, Laura leu todos os livros da autora Agatha Christie. Ultimamente está descobrindo amor pela poesia, gênero que ela disse que não tinha muita paciência, mas que vem ganhando seu coração. Boa parte desses interesses vem do hábito de trocar livros e por estar ilustrando trabalhos no gênero, como o livro da Rayane Leão. Livros de história e política também têm entrado na sua lista. “O que estou lendo atualmente é Calibã e a Bruxa, da Silvia Federici”.

Mas desenhar, como ela descobriu, é uma questão de treino. Pensava sobre a própria vida e o que daria boas tirinhas, extrapolando a realidade e criando finais engraçados ou reflexões. Com um traço influenciado pelo mangá, que leu na adolescência, experimentou muitos estilos de acordo com o que achava que combinaria com cada tirinha. “Ultimamente, parece que voltei ao estilo Turma da Mônica”, ressalta rindo.

Ter o hábito de anotar as ideias no celular ajuda e, quando vê que tem bastante matéria, Laura junta tudo e faz um quadrinho ou uma ilustração. Essas anotações também são uma mão na roda nos momentos de bloqueio. Mas, quando a vontade de desenhar é zero, a quadrinista não se força, simplesmente deixa isso quieto e espera voltar. O problema é quando os prazos estão batendo na porta e, nesse caso, respira fundo e vai em frente, fazendo o que dá. “Sinto que ter as ideias antigas anotadas me ajuda muito nessas horas.”

Tempo livre e processos

No pouco tempo livre que tem, entre produzir um livro e outro, administrar a lojinha online e os freelas, curte assistir séries e disse estar viciada em doramas – séries de drama produzidas na Coreia do Sul. Ela também lê livros e HQs que troca com outros autores, “Acabo lendo coisas bem variadas! Apesar da correria, gosto muito de poder trabalhar em casa e cozinhar todos os dias, cuidar das plantinhas e brincar com os gatos”.

Entre fazer roteiro e desenhar ou ilustrar o roteiro de outras pessoas, disse que prefere fazer tudo. “Sinto que consigo tirar o melhor da união entre texto e desenho. Mas já tive a oportunidade de trabalhar com editores e adorei ter outra pessoa para opinar na história e me ajudar a encontrar a melhor forma de contá-la. Pretendo trabalhar assim sempre que puder”.

No caso da série “Aconteceu comigo” as histórias são enviadas por leitoras e ela adapta o roteiro para caber em uma página de HQ. De vez em quando acrescenta alguma coisa para que a história tenha começo, meio e fim, mas prefere alterar o mínimo possível dos textos originais.

Laura Athayde - Aconteceu Comigo - A solidão da mulher negra
Laura Athayde – Aconteceu Comigo – A solidão da mulher negra. (Imagem: reprodução)

Livros e HQ Mix

Ainda sobre as publicações, um outro livro de Laura recebeu bastante destaque recentemente. “Histórias tristes e piadas ruins”, definido como “uma coletânea de tirinhas semi autobiográficas sobre o amor e outras tretas”, foi publicado de forma independente e, recentemente, recebeu o Troféu HQ Mix nessa categoria. A decisão de fazer a publicação desse livro surgiu quando ela viu que as restrições por algorítimo das redes sociais impediam que muita gente chegasse até o seu trabalho. “Selecionei minhas tirinhas favoritas dos cinco anos de produção e organizei em um livro”.

Sem conteúdo original, Laura teve dúvida se conseguiria fazer as pessoas se interessarem por ele, mas acabou arrecadando mais que a meta na campanha de financiamento coletivo, o que garantiu brindes e conteúdo extra para os apoiadores. E o prêmio a pegou de surpresa, “como meu livro foi autopublicado, eu não sabia nem mesmo que se as pessoas conheciam pra poder votar nele!”. A eleição do HQ Mix é feita por outros autores, não uma banca julgadora, e ter esse apoio dos colegas a deixou com mais ânimo para continuar produzindo.

Para quem está começando agora, o conselho de Laura é: se divulgue! “Poste seu trabalho online! Isso não vai prejudicar suas vendas, pelo contrário, as pessoas apostarão em trabalhos que já conhecem”. Afirma ainda que as redes sociais estão cada vez menos amigas dos produtores independentes, mas ainda dá pra alcançar muita gente. Para o futuro, além do livro da série “Aconteceu Comigo”, pretende fazer uma história mais longa, abordando suas raízes amazonenses, mas nada concreto e só pro ano que vem.

Acompanhe o trabalho da quadrinista pelo insta, twitter ou facebook.


Edição e revisão realizada por Isabelle Simões.

Escrito por:

9 Textos

Formada em Direito e estudando Jornalismo, já esteve muito perdida na vida, agora talvez esteja um pouco menos. Metade Frankie e metade Grace, segue escrevendo, tentando cumprir as metas de leitura e ouvindo podcast. Acredita fortemente que um dia vai tomar rumo nessa vida.
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