O Juízo: o preço a se pagar por um acordo de família

O Juízo: o preço a se pagar por um acordo de família

O cinema de horror nacional tem cada vez mais nos presenteado com obras bem produzidas e roteiros interessantes. Um gênero que sempre esteve presente na nossa história, mas que pouco se comenta sobre, infelizmente. Neste último ano, entretanto, tivemos lançamentos importantes, como “A Sombra do Pai“, de Gabriela Amaral Almeida, “Morto Não Fala”, de Dennison Ramalho e “A Noite Amarela”, de Ramon Porto Mota, para citar somente alguns. É feliz assistir portas serem abertas para o cinema de gênero. Durante a 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, fomos conferir “O Juízo“, mais uma dessas produções. 

Trata-se de um filme de horror, dirigido por Andrucha Waddington, roteirizado por Fernanda Torres, que tem um elenco arrasador, com Felipe Camargo, Carol Castro, Joaquim Torres Waddington, Fernanda Montenegro, Lima Duarte e Criolo. 

Sobre o enredo de “O Juízo”

Durante o filme, acompanhamos a família de Augusto (Felipe Duarte): sua esposa Tereza (Carol Castro) e seu filho Marinho (Joaquim Torres Waddington), que precisaram se mudar para um casarão que receberam de herança do avô falecido de Augusto, em uma área erma do estado do Rio de Janeiro. Mas, conforme se mudam e veem o local, Augusto acaba descobrindo segredos horríveis de sua família, uma antiga dívida de seus antepassados, e outras diversas respostas para problemas que não foram resolvidos — e deveriam ter permanecido sem solução. 

Augusto tem enfrentado problemas com álcool, e acaba se colocando em um acidente. Ao prometer para Tereza que pararia de beber, ambos acabam aceitando tentar a vida longe da cidade grande, onde poderiam ter um pouco mais de paz e tranquilidade. 

O Juízo - Andrucha Waddington e Fernanda Torres
Cena de “O Juízo” (Imagem: reprodução)

Toda família carrega bagagens, principalmente se você tem uma família antiga e tradicional. Mas, em relação a família de Augusto, essa bagagem é um pesada demais para carregar.

No começo de “O Juízo“, antes mesmo de conhecermos Augusto, somos apresentadas à uma versão anterior a ele, algum antepassado, do tempo da escravidão. Esse antepassado acabou entregando a localização de um escravo que fugiu, Couraça (Criolo), com sua filha.

No entanto, ambos acabam mortos por essa traição, e é a partir daí que o destino de Couraça e Augusto acaba se cruzando. Como um pacto que os une, Couraça acaba reaparecendo no casarão em que um dia foi morto, fazendo uma série de propostas para Augusto, de forma que ele não possa recusar.

“O Juízo” como filme de horror

O filme funciona bem dentro do gênero. Os cenários, a ambientação, o som, tudo trabalha para te deixar ansiosa e na expectativa. A tensão é palpável entre os personagens, o que acaba sendo uma excelente adição à obra, graças às performances de um elenco muito bem escalado.

E, claro, ao acompanhar a história, ficamos interessadas em saber até onde ela vai. Existe, de certa forma, alguns elementos comuns e recorrentes: um homem parte com sua família até um casarão, ele tem problemas com bebida, seu passado volta para assombrá-lo. Portanto, o final de “O Juízo” pode ser um pouco previsível também, o que não é um problema, não deixando de ser uma produção interessante, além de uma ótima adição ao cinema nacional de terror. 

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A falta de diálogo com a personagem feminina

Algumas questões, infelizmente, talvez não tenham tido a importância que mereciam. Tereza, uma das únicas personagens femininas do filme, é posta de lado pelas vontades do marido. Apesar de certo tempo em cena, a maioria de suas cenas é gritando por Augusto ou Marinho. O que poderia trazer questões relevantes sobre seu papel de mãe e esposa, infelizmente não chega nem a ficar em segundo plano. Aliás, pouco sabemos sobre a personagem, seu trabalho, suas vontades.

A trama toda de “O Juízo” se concentra em Augusto, e não há muito espaço para outras coisas que não sejam sobre isso. Mesmo Marinho, que poderia desenvolver certas questões dentro do filme, como seu incômodo em se mudar com a família e deixar todos para trás, ou mesmo perceber como seu pai pode ter um problema com a bebida, não parece se importar muito. 

O Juízo - Andrucha Waddington e Fernanda Torres
Tereza (Carol Castro) em “O Juízo”. (Imagem: reprodução)

Outro ponto que talvez fosse bom salientar e dar mais atenção, seria na masculinidade perigosa de Augusto. O personagem é um homem alcoólatra que leva sua família para um local isolado, ambicioso, mas que não consegue se controlar. Em muitos aspectos, Augusto nos lembra da trajetória de Jack Torrance em “O Iluminado”, de Stephen King. Ambos são personagens fechados, com problemas, e que pouco falam sobre isso, pois o orgulho acaba sendo mais forte. 

O Juízo” não é a primeira incursão de Waddington no gênero, ou flertando com o mesmo. Em 1999, o diretor também dirigiu “Gêmeas”, adaptado de uma peça de Nelson Rodrigues, com roteiro de Elena Soarez. No filme, as gêmeas Iara e Marilena enganam homens se passando uma pela outra. 

O filme tem estreia no circuito comercial dia 05 de dezembro. Confiram o trailer:

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Formada em História, escreve e pesquisa sobre terror. Tem um afeto especial por filmes dos anos 1980, vampiros do século XIX e ler tomando um café quentinho.
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