Watchmen – 1×05: Little Fear of Lightning

Watchmen – 1×05: Little Fear of Lightning

Como pessoas comuns lidam com o fim do mundo? Como elas acordam e vivem suas vidas no dia seguinte ao Armageddon? Um dos grandes diferenciais de “Watchmen“, a graphic novel, é o breve espaço que reserva às pessoas mundanas em sua trama, para que as implicações do ataque alienígena forjado ressoem ainda mais trágicas, já que acompanhamos o cotidiano de muitas das vítimas até aquele momento.

Comentou-se anteriormente como a série prometia expandir este diferencial narrativo como uma de suas principais premissas. E no quinto capítulo da série da HBO, “Little Fear of Lightning”, esta previsão não poderia ser mais precisa.

AVISO: o texto contém spoilers do quinto episódio de “Watchmen”

Na continuação da obra, Lindelof e seu time recriam, descaradamente, o emblemático aparecimento da lula gigante na cidade de Nova York e arredores, no derradeiro dia 2 de novembro de 1985. Desta vez, contudo, revestindo o acontecimento de uma dimensão humana e profundamente pessoal: acompanhamos a morte de centenas de pessoas pelos olhos de um Wade Tillman adolescente (Phil Labes), e de que forma o ocorrido o moldou profundamente para que se tornasse o personagem Espelho que conhecemos na série.

Através do Espelho

Em missão para Nova Jersey como Testemunha de Jeová, Tillman distribui panfletos timidamente por um parque de diversões em Hoboken até ser seduzido por uma garota, que o conduz até uma Sala de Espelhos deserta. Sozinhos no local, a moça despe o rapaz e logo em seguida foge com as roupas roubadas. Antes que Tillman seja capaz de reagir, contudo, tudo estremece ao seu redor, e gritos desesperados ressoam do lado de fora. O garoto é um dos poucos que testemunharam o ataque em primeira mão e voltaram vivos para contar a história.

Watchmen - 1×05: Little Fear of Lightning - CRÍTICA
Wade Tillman (Phil Labes) em cena do quinto episódio de “Watchmen”. (Imagem: HBO / reprodução)

Trinta e quatro anos depois, Tillman (Tim Blake Nelson) trabalha como avaliador de testes realizados por agências publicitárias quando não presta serviços para a polícia como Espelho. Desde a máscara revestida em um material isolante psíquico conhecido como “reflectatina” até os múltiplos alarmes instalados em sua casa ligados a um abrigo anti-bombas particular, não é difícil entender como a tragédia e a morte o tornaram um homem frágil e atormentado.

Apresentado nos primeiros episódios de “Watchmen” com uma aura de estranheza que remonta à própria figura de Rorschach nos quadrinhos (seja pela máscara que cobre o rosto inteiro até sua personalidade introspectiva), Wade parece traçar o caminho contrário da persona problemática de Walter Kovacs neste episódio.

É difícil não se sensibilizar com o policial, que tenta seguir com sua vida normalmente, em meio à paranoia, ao recente assassinato do chefe de polícia e aos grupos de apoio às vítimas de 2/11. Temos acesso a visões bastante contundentes das feridas abertas deixadas pela tragédia na vida dos sobreviventes, e mesmo daqueles que jamais testemunharam o ocorrido, mas profundamente marcados pelas memórias atormentadas do mundo ao redor.

série HBO
Cena do quinto episódio de “Watchmen”. (Imagem: HBO / reprodução)

O tratamento sensível dado ao tema remonta ao próprio retrato que acontecimentos como o 11 de setembro recebem na realidade, o que faz toda a diferença. O plano mirabolante de Adrian Veidt para impedir o fim do mundo ganha uma dimensão ainda mais real e humana sob a perspectiva de seus sobreviventes.

Ozymandias, o náufrago sobrevivente de “Watchmen”

Falando em Adrian Veidt (Jeremy Irons), o velho magnata finalmente consegue escapar de sua prisão, ainda que por breves minutos antes de deixar uma misteriosa mensagem de socorro e retornar. Ao que tudo indica, Veidt é mantido em uma dimensão alternativa próxima a uma das luas de Júpiter, área para a qual lançara os cadáveres dos clones serviçais no episódio anterior, e para onde é catapultado. Uma vez na lua, o homem forma a frase “HELP ME D” (“Ajude-me D”, em tradução livre) com os corpos, mirando o pedido para um dos satélites em órbita no local, e então retorna.

Watchmen - 1×05: Little Fear of Lightning - CRÍTICA
Adrian Veidt (Jeremy Irons) em cena do quinto episódio de “Watchmen”. (Imagem: HBO / reprodução)

Também é neste episódio que conhecemos o Guarda-Florestal (Tom Mison), uma presença distante que dera as caras rapidamente no episódio 3, pronto para punir Veidt por desobediência. Em um breve diálogo, mais aspectos daquela dimensão parecem mais claros: o Guarda cita a figura de um deus, que Veidt retruca ter abandonado aquelas formas de vida e nunca mais retornou. Dr. Manhattan? Provável, posto que demonstrou desejar brincar de deus no quadrinho original, embora igualmente entediado com a vida humana para rapidamente se cansar da ideia. Lady Trieu (Hong Chau)? Também não parece ser tão distante – a série já mostrou que a magnata é capaz de gerar formas de vida geneticamente modificadas em laboratório, aperfeiçoamento de uma tecnologia desenvolvida pelo próprio Adrian no quadrinho.

E o pedido de ajuda de Veidt? Teria Trieu aprisionado o ex-vigilante no local? Discute-se se o “D” de sua frase de socorro não se referiria a Daniel Dreiberg, o segundo Coruja da HQ original, ex-parceiro de Laurie Blake (Jean Smart), atualmente sob custódia do FBI.

Para além das novas dúvidas plantadas pelo quinto episódio, resta evidente uma semelhança muito curiosa entre as tentativas de fuga de Veidt com a história de “Contos do Cargueiro Negro”, contada em paralelo à narrativa principal do quadrinho de Moore e Gibbons. Na história, um jovem marinheiro é o único sobrevivente de um ataque do Cargueiro Negro à sua embarcação, e acompanhamos sua jornada angustiante para fugir de uma ilha deserta e retornar ao seu lar em Davidstown, não sem se corromper e perder a sanidade no processo.

Watchmen - 1×05 - CRÍTICA
O pedido de ajuda de Adrian Veidt, que remete a história de “Contos do Cargueiro Negro”. (Imagem: HBO / reprodução)

Um dos principais momentos da narrativa é quando o náufrago relutantemente decide se utilizar dos cadáveres de seus companheiros para construir uma jangada que o levará para longe dali, de forma muito semelhante ao papel desempenhado pelos cadáveres dos clones utilizados por Ozymandias.

O quadrinho em si servia como metacomentário à própria trajetória de Veidt para a obtenção de seus objetivos na graphic novel, um paralelo que se estende de maneira ainda mais evidente na série quando, já idoso, o ex-vigilante perde sua sanidade pouco a pouco em meio ao seu plano de fuga. Respostas dão lugar a novos questionamentos enquanto aguardamos as implicações do aprisionamento (e consequente escapada) de Ozymandias para o universo da série.

Watchmen: entre memórias, mentiras e nostalgias distorcidas

Engana-se quem pensa que a presença de Veidt neste episódio se restringiu a seus planos mirabolantes de fuga, contudo. O magnata reaparece mais tarde, como sua jovem persona de 1985, em uma mensagem deixada para o presidente Robert Redford após sua eleição em 1992. Capturado por membros da Sétima Cavalaria, Wade Tillman é forçado a assistir à gravação por ninguém menos que o senador Joe Keene (James Wolk), revelado como o líder do grupo supremacista branco, aliado secreto de Joe Crawford (Don Johnson) para a implantação das máscaras na polícia de Tulsa – tudo parte de seu plano de candidatura à presidência dos Estados Unidos.

Wade Tillman (Tim Blake Nelson) em cena do quinto episódio de Watchmen
Wade (Tim Blake Nelson) em cena do quinto episódio de “Watchmen”. (Imagem: HBO / reprodução)

Keene sabe que Angela Abar (Regina King) esconde muito mais do que deixa entrever, e ameaça exterminar a policial e sua família se Tillman não entregá-la para as investigações de Laurie Blake. O senador propõe libertar o policial de seu trauma, transmitindo o vídeo (obtido enquanto trabalhava em setores obscuros do governo) no qual Veidt detalha todas as etapas de seu ataque forjado. Em troca de descobrir que o acontecimento mais tenebroso de sua vida foi uma mentira, Tillman deve cooperar, quer queira quer não.

Descobrimos, ainda, a natureza das pílulas deixadas por Will Reves (Louis Gossett Jr.) a Angela. No episódio anterior, Abar confiara o vidro a Tillman, que prometera ajudá-la a investigar a origem da substância. Consultando a expertise da ex-esposa, que trabalha em um centro de clonagem de animais administrados pelas indústrias Trieu, entendemos junto com o policial que as pílulas consistem numa substância denominada “Nostalgia”. O fármaco, sintetizado e comercializado por uma das subsidiárias de Trieu, destinava-se ao tratamento de transtornos e traumas psicológicos através de simulação de memórias selecionadas da paciente. Em função de seus graves efeitos colaterais, as pílulas tiveram sua comercialização proibida.

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Seu nome remete à fragrância comercializada pelas indústrias de Adrian Veidt no quadrinho, a “Nostalgia by Veidt”, que também é o nome de uma emblemática linha de produtos e anúncios veiculados pela empresa, notórios por sintetizar a imagética, os sentimentos e a cultura desesperançada dos anos 1980 pré-catástrofe 2/11. A substância que lhe empresta o nome também não é estranha a quem acompanha a série, apresentada ao final do episódio anterior, injetada nas veias de Bian (Jolie Hoang-Rappaport), filha clonada de Lady Trieu, e responsável pelo pesadelo da garota.

1×05 - CRÍTICA COM SPOILERS
Cena do quinto episódio de “Watchmen”. (Imagem: HBO / reprodução)

Se este capítulo de “Watchmen” flerta com memórias (o que, de um modo geral, tem sido uma grande insinuação ao longo de todos os episódios), temos indícios de que o próximo será completamente devotado ao poder desempenhado pela nostalgia e pela memória: antes de ser entregue ao FBI por Tillman, Angela engole as pílulas de Reeves a caminho da prisão, indicando que a policial vivenciará as memórias do avô, à semelhança do sonho de Bian. Muito se tem comentado em fóruns especializados sobre como o episódio 6 se prepara para ser um dos mais subjetivos e experimentais da série, e mal podemos esperar pelo que a série tem a nos entregar.

Mesmo com todas as evidências postas semanalmente às espectadoras, é difícil dizer o que nos aguarda nos próximos episódios. Conciliando um ritmo preciso e afiado a uma narrativa sobre memórias, ancestralidade e conflitos geracionais, a série da HBO trabalha seus temas com grande habilidade, sem perder a sensibilidade para tratar de questões que são caras aos nossos tempos. Especialmente, sem perder de vista os indivíduos mundanos que, em filmes blockbusters e histórias em quadrinhos tradicionais, não passariam de mero pano de fundo oculto no rastro de escombros e destruição deixada pelos heróis protagonistas.


Edição e revisão realizada por Isabelle Simões.

Escrito por:

20 Textos

Estudante de direito cuja identidade (não tão) secreta é a de escritora e resenhista. É autora da coletânea de contos de ficção científica "Valsa para Vênus", e já publicou em antologias e revistas literárias, como a Mafagafo, além de compôr o quadro de colaboradores do SOODA Blog. Nas horas vagas, estuda cartas de tarô, traz a pessoa amada de volta e “aposenta” dragões cibernéticos soltos por aí.
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