6 mulheres quadrinistas que mudaram o cenário das HQs em 2019

6 mulheres quadrinistas que mudaram o cenário das HQs em 2019

Mesmo cientes de que não é mais novidade o fato de que as mulheres estão envolvidas na produção de história em quadrinhos desde sua convencionada origem comercial, é importante ressaltar a presença feminina nesse universo artístico. Aquilo que nós sabemos, sobretudo nós mulheres, nem sempre alcança o lugar de reconhecimento em virtude de iniciativas que procuram invisibilizar a imaginação artística das mulheres. 

Contrariando essas iniciativas, os esforços, principalmente de pesquisadoras, quadrinistas e coletivos como o Delirium Nerd, contribuem para que mais pessoas/consumidoras tomem conhecimento de trabalhos incríveis, tanto no campo do texto quanto da ilustração, de autoria de mulheres. É com este objetivo em mente que, decidimos visitar 6 pontos do mundo, incluindo o Brasil, para mostrar o trabalho de 6 mulheres quadrinistas que vêm fazendo a diferença e marcando o espaço da mulher na história das HQs.

Doaa Eladl - mulheres nos quadrinhos
Mulheres nos Quadrinhos: Doaa Eladl (Imagem: Reprodução)

Egito: Quadrinista Doaa Eladl

Doaa Eladl (1979) é uma cartunista egípcia, nascida em Damietta e, atualmente, residente no Cairo. Considerada uma das cartunistas mulheres mais famosas do Egito, ela estudou Belas Artes na Alexandria University. Em 2009, ela foi a primeira mulher a receber um prêmio de excelência em caricaturas jornalísticas. Em 2014, foi homenageada pela fundação suíça Cartooning for Peace e, em 2016, foi incluída na lista do projeto 100 women da BBC como uma das mulheres mais inspiradoras e influentes. Há 2 anos, ela publicou o primeiro livro de charges abordando os direitos das mulheres, um tema controverso no Egito e no Oriente Médio em virtude principalmente do patriarcalismo religioso. Atualmente, Eladl trabalha para o jornal Al Masry Al Youm.

No início da carreira como ilustradora de cartuns políticos (2007), Doaa Eladl enfrentou muitos obstáculos. Segundo ela, era muito raro encontrar mulheres ilustrando cartuns políticos. Não era raro, no entanto, ter colegas de profissão desprezando suas habilidades e colocando um prazo para sua permanência no ramo. Depois de vários anos enfrentando barreiras e preconceitos, ela alcançou o merecido reconhecimento que lhe permitiu conquistar um público fiel (Sampsonia Way).

Desenho de Doaa Eladl - mulheres nos quadrinhos
Mutilação Genital Feminina. Arte de Doaa Eladl. (Imagem: Reprodução)

Seus trabalhos trazem um tom satírico sobre temas políticos, religiosos e sociais, o que certamente desafia uma sociedade cujo ordenamento reserva à mulher um lugar de submissão. Em 2013, ilustrou um cartum sobre a mutilação feminina. Segundo afirma em entrevista concedida a Sampsonia Way, a ilustração gerou muitas controvérsias e chocou muitas pessoas, pois a mutilação feminina ainda não havia sido abordada de maneira tão direta. Sobre as reações controversas acerca da sua arte, Doaa Eladl acredita ser uma boa coisa na medida que o debate sobre temas importantes, como o crime da mutilação feminina, são estimulados.

Sobre suas ilustrações políticas, a quadrinista egípcia afirma:

“Eu desenho caricaturas não apenas sobre a MGF [Mutilação Genital Feminina], mas também sobre outros problemas relacionados às mulheres egípcias, como violência doméstica, casamento com menores, assédio [sexual], violência contra mulheres e até mesmo um novo fenômeno na sociedade egípcia chamado “terror de massa sexual”, uma maneira condescendente de se referir a manifestantes do sexo feminino. Eu simplesmente não consigo ficar em silêncio sobre todos esses problemas.”

(clitoraid)

Desenho contendo um rapaz com camisa vermelha, que segura uma bola na mão direita, e na mão esquerda uma calcinha esticada entre o dedo indicador e dedo do meio
Assédio Sexual. Arte de Doaa Eladl. (Imagem: Reprodução)

No ano de 2019, as ilustrações que nos chamaram a atenção foram as ilustrações sobre o caso do jogador egípcio, Amr Worda. O atleta foi recebido de volta à seleção do Egito depois de ter sido expulso em virtude das várias denúncias de assédio sexual. Outro momento marcante foi a publicação de uma charge sobre as queimadas na Amazônia. 

Tillie Walden - mulheres nos quadrinhos
Mulheres nos Quadrinhos: Tillie Walden (Imagem: reprodução)

Estados Unidos: Quadrinista Tillie Walden

A quadrinista norte-americana Tillie Walden (1996) é uma das artistas mais profícuas da atualidade. De 2015 até o presente momento, ela publicou 6 produções quadrinísticas em formato físico: “The end of summer” (2015), “I love this part” (2016), “A city inside” (2016), “Spinning” (2017), “On a sunbean” (2018) e “Are you listening” (2019) e um livro de citações ilustradas,  “Mini meditations on creativity” (2018).

Spinning - Tillie Walden
Spinning – Editora Veneta (Imagem: reprodução)

A boa nova para este finalzinho de 2019 é que a Editora Veneta trouxe para o Brasil, com tradução da jornalista Gabriela Franco, sua memória gráfica intitulada “Spinning“, ganhador do prêmio Eisner 2018 na categoria de livros baseados na realidade. A obra aborda sua experiência como patinadora artística, os conflitos com os pais e sua homossexualidade.

Para outubro de 2020, está previsto o lançamento de um baralho de tarô chamado The Cosmic Slumber Tarot Deck. O artefato esotérico contará com os belos traços e vividas cores de Tillie Walden. Trata-se de uma parceria com a editora espirita Liminal 11, a mesma que publicou o livro “Mini meditations on creativity”.

Kanika Mishra - mulheres nos quadrinhos
Mulheres nos Quadrinhos: Kanika Mishra (Imagem: Reprodução)

Índia: Quadrinista Kanika Mishra

“Ser uma mulher cartunista não é fácil, assim como não é fácil em nenhuma outra profissão”

Kanika Mishra

A indiana Kanika Mishra, depois de concluir o mestrado em Belas Artes pela Lucknow College of Arts, mudou-se para Déli a procura de trabalho como cartunista. Ela trabalhou ocasionalmente para jornais e revistas, mas segundo afirma em entrevista concedida a Betsy Gomez, “She changed comics” (2016), não teve oportunidade para trabalhar com cartuns editoriais. Sobre isso, Kahen afirma:

“Talvez eu fosse considerada não apta para o trabalho porque eles pensavam que por ser uma mulher, eu não seria capaz de lidar com difíceis assuntos políticos. Então, um dia, do nada, Karnika Kahen [Karnika Fala, em português] aconteceu. A resposta foi espantosa. As pessoas amaram a ideia de um primeiro arquétipo feminino em cartuns da Índia”.

Desenho da Karnika Kahen
Arte de Karnika Kahen (Imagem: reprodução)

A personagem “Karnika Kahen” nasceu com uma postagem de Facebook em 31 de agosto de 2013, trata-se uma personagem feminina, aam ladki, equivalente ao homem comum (aam aadmi), mas que luta por justiça social. Em virtude das postagens que desafiavam tanto o modelo político quanto a estrutura patriarcal, Kanika sofreu ameaças contra sua integridade física e até mesmo contra a própria vida durante meses. Assim como outros países, a Índia ainda é uma região hostil às liberdades femininas.

Embora tenha seu talento e bravura reconhecidos fora do país – Kanika foi vencedora do prêmio CRNI (prêmio que chama atenção para a liberdade de expressão) em 2014 –, a artista afirma que não consegue fazer dinheiro com seus cartuns políticos, embora ocasionalmente tenha seus trabalhos publicados sem autorização.

Sobre a invisibilização do seu trabalho, Kanika compartilha um episódio em que recebeu um convite de um portal feminista solicitando uma entrevista. O assunto era “A falta de mulheres quadrinistas na Índia”. Ela respondeu todas as perguntas enviadas, mas quando o texto foi publicado, todos os quadrinistas homens entrevistados foram mencionados, mas o nome dela não apareceu.

Atualmente, além de continuar publicando ocasionalmente suas charges nas suas redes sociais, Kanika Mishra, ao lado do marido, administram a empresa Gesture Graphic & Development.

Sarah Pichelli - mulheres nos quadrinhos
Mulheres nos Quadrinhos: Sarah Pichelli (Imagem: reprodução)

Itália: Quadrinista Sara Pichelli

Sara Pichelli é uma talentosa e promissora ilustradora italiana que começou sua carreira atuando como animadora, artista de storyboard e designer de personagens. Seu ingresso na indústria quadrinística aconteceu quando travou contato com David Massina (1974). Naquele momento, iniciou seu trabalho como sua assistente de layout e contribuiu com projetos como “Star Trek: Countdown” e “Star Trek: Nero”.

Em 2008, ao se tornar finalista do ChesterQuest International Talent Search, começou a ilustrar para a Marvel. Entre as ilustrações realizadas para a gigante dos quadrinhos, estão “X-Men: Pixie Strikes Back limited series” (2009), a antologia “I Am An Avenger” (2010-2011), “Ultimate Comics: Spider-Man” (2011 -) e, ao lado de “Dan Slott, Fantastic Four” (2018). Recentemente, em “Spider-Man #1”, foi apresentado “Cadaverous”, um novo vilão criado por Sara Pichelli.

Desenho: Cadaverous em Spider-Man
Cadaverous em Spider-Man. Arte de Sarah Pichelli. (Imagem: Reprodução)

Sobre a criação do personagem, a quadrinista comenta que um longo caminho e muitas sessões de brainstorming junto a equipe foram fundamentais para o processo imaginativo. Sara afirma ainda que ela e a equipe gostariam que a aparência do personagem pudesse refletir sua personalidade .

Para ver mais dos traços da artista visite sua rede sociais: InstagramTumblr.

Sarah Laing - mulheres nos quadrinhos
Mulheres nos Quadrinhos: Sarah Laing (Imagem: Reprodução)

Nova Zelândia: Quadrinista Sarah Laing

Sarah Laing (1973) é, como se auto define, uma quadrinista, escritora de ficção, designer gráfica e mãe de três. Embora tenha nascido nos Estados Unidos, vive na Nova Zelândia desde o início da adolescência.

Sua carreira teve início ao vencer uma competição de conto conduzido por Sunday Star Times em 2006. No ano seguinte, ela publicou seu primeiro livro de contos chamado “Coming up roses”. Publicou seu primeiro romance, intitulado “Dead People’s Music”, em 2009. Quatro anos mais tarde, em 2013, ela publicou o romance ilustrado “The Fall of Light”. Em 2017, publicou a memória gráfica “Mansfield and Me: A Graphic Memoir” que trata do seu desejo em se tornar uma grande escritora. Recentemente, compilou os volumes de sua série quadrinistica autoficionais e transformou num único livro intitulado “Let Me Be Frank“, lançado em outubro de 2019 na Nova Zelândia.

Let me be frank
Let me be frank (Imagem: reprodução)

“Let me be frank” trata da sua relação com a maternidade, sucessos e fracassos, com a escrita, animais de estimação e sexo. Em outras palavras, a obra trata dos elementos que perpassam a vida de uma mulher criativa e cheia de vitalidade. Aproveite que está aqui e leia a entrevista ilustrada de Sarah Laing concedida a Giselle Clarkson para The Sapling.

Helô D'Angelo - mulheres nos quadrinhos
Mulheres nos Quadrinhos: Helô D’Angelo (Imagem: Reprodução)

Brasil: Quadrinista Helo D’Angelo

A ilustradora e quadrinista brasileira Helo D’Angelo é jornalista, graduada pela Universidade Cásper Líbero. Além de atuar como chargista para o jornal Brasil de Fato, é a mente criativa por trás de “Dora e a Gata”, produção que começou como uma webcomic publicada semanalmente no Instagram até ser financiada por campanha realizada através do Catarse. O financiamento permitiu a publicação no formato físico.

Um ponto interessante sobre a produção quadrinística de Helô é o fato de seu produto artístico ser atravessado por abordagem político-feminista arguta. Sempre crítica e atenta às demandas atuais, compartilha com seus seguidores tirinhas que questionam o machismo e a masculinidade tóxica. Amiúde, ela dá visibilidade aos desafios enfrentados por mulheres e compartilha também sugestões de leituras que podem contribuir para o agenciamento feminino. Desta forma, ela colabora para que suas leitoras(e) percebam que o agenciamento não deve ser feito no sentido neoliberal como estamos acostumadas a ver. Portanto, a mudança precisa ser estrutural, de dentro do sistema.

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A lista que construímos reflete um pouco de nossa experiência com o universo de quadrinhos. Não se trata de uma lista completa, o que seria impossível considerando a constelação de quadrinistas mulheres que produzem importantes trabalhos em todo o mundo. Aqui, nos dedicamos aquelas que mexeram conosco. Por terem sido importantes para nós, recomendamos essas autoras para as leitoras que também acreditam no lugar da imaginação artísticas das mulheres em nossas lutas diárias.


Edição por Isabelle Simões e revisão por Mariana Teixeira.

Escrito por:

Jaqueline Cunha é Pesquisadora de Histórias em Quadrinhos de autoria feminina, Mestra em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal de Goiás, graduada em Letras Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás e membro da Associação de Pesquisadores de Arte Sequencial (ASPAS). Jaqueline também se interessa por temas relacionados a Literatura, cinema e estudos acerca dos feminismos, identidades de gênero e sexualidade.
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