Deixe a Neve Cair: nomes teens não salvam construção desleixada do roteiro

Deixe a Neve Cair: nomes teens não salvam construção desleixada do roteiro

Está aberta a temporada natalina! E, como de praxe, somos bombardeadas de filmes que buscam encher a telespectadora de histórias cheias de um carisma característico da época. São narrativas recheadas de um sentimento mágico que envolve amor, amizade e esperança, normalmente permeadas de um certo clichê água com açúcar que todo mundo já está acostumado, mas adora ver. Afinal, o Natal é o clássico ame-ou-odeie — e isso também se aplica aos seus filmes. Nesse embalo, a Netflix — que não é boba — lança “Deixe a Neve Cair“, com roteiro adaptado da obra literária de mesmo nome, escrita por Maureen Johnson, John Green e Lauren Myracle.

Assim como o livro, o filme é composto por três histórias paralelas que se conectam, todas vividas dentro dos limites de Gracetown, aquela cidadezinha que todo mundo se conhece e parece que nada acontece. Toda a narrativa se passa no decorrer de um dia, na véspera de Natal.

AVISO: o texto contém spoilers do filme

O clichê da friendzone

Assim, conhecemos Angie (Kiernan Shipka) e Tobin (Mitchell Hope), o típico casal de amigos que se conhece desde a infância e, ora ora, gostam um do outro, mas não sabem como se declarar. A história do casal é adaptada do conto “O Milagre da Torcida de Natal” e nos carrega no velho tropo da friendzone, no qual uma pessoa — normalmente o homem — quer um relacionamento romântico, enquanto a outra pessoa não.

Deixe a Neve Cair
Angie e Tobin se conhecem desde a infância e gostam um do outro. (Divulgação: Netflix)

Deixe a Neve Cair” é tão raso, de modo geral, que não dá para ter uma visão mais ampla da relação entre Angie e Tobin. A espectadora é apresentada a várias e várias cenas clichês, uma trás da outra. Como por exemplo, ele fazendo algo embaraçoso que não quer que ela veja e que ela acaba vendo; Angie dançando com outro cara e Tobin ficando com ciúmes; os dois brigando sem dizer absolutamente nada um ao outro porque não querem explanar seus sentimentos. Falta um tempero, mas é, ao mesmo tempo, a relação mais bem desenvolvida do longa, já que as outras duas são fruto de um roteiro ultra preguiçoso e uma clara falta de desenvolvimento.

Respiro LGBTQ em “Deixe a Neve Cair”

A relação entre as personagens Dorrie (Liv Hewson) e Kerry (Anna Akana) talvez seja o maior exemplo disso. Adaptada do conto “O Santo Padroeiro dos Porcos”, a história das duas é um respiro de representatividade em filmes que frequentemente caem no padrão branco e heteronormativo. Aqui, Dorrie e Kerry (uma personagem asiática, vale dizer) são envoltas numa narrativa de autodescoberta e respeito consigo mesma: as duas já se envolveram e claramente gostam uma da outra. Porém, Kerry, uma garota popular e líder de torcida, se recusa a demonstrar seus sentimentos por Dorrie na frente de suas amigas (que são antipáticas e mesquinhas, o típico retrato de garotas populares), enquanto a última faz de tudo para agradar sua pretendente e acaba até pisando em cima dos próprios sentimentos nesse processo.

Deixe a Neve Cair- crítica
A história de Dorrie e Kerry é um respiro de representatividade em filmes que frequentemente caem no padrão branco e heteronormativo. (Divulgação: Netflix)

Mesmo com essas dificuldades, a narrativa das duas é magicamente resolvida quando, de uma hora para outra, Kerry resolve que sim, ela deve se assumir, e por algum milagre (talvez o espírito natalino?), tudo acaba bem. Inclusive, o beijo entre Dorrie e Kerry é recebido com gritos de felicidade e corações das amigas, outrora apresentadas como mesquinhas e julgadoras, mas que agora shippam o casal.

Um romance saído de uma fanfic

Por fim, conhecemos o improvável casal retirado do conto “O Expresso Jubileu”, que poderia muito bem ser uma fanfiction digna dos fandoms de boybands. Na maior coincidência de todos os tempos, Julie (Isabela Merced) e o famoso cantor Stuart (Shameik Moore) acabam literalmente se esbarrando em um trem — para desgosto da garota, que parece ser a única pessoa na face da Terra que não gosta do músico (e faz questão de dizê-lo).

À primeira vista Stuart é apresentado como um personagem um pouco arrogante: ele se nega a tirar fotos com Julie quando confunde ela com uma fã. O cantor resolve seguir a menina quando esta desce do trem devido a uma parada súbita. Nem um pouco assustada, como uma mulher da vida real ficaria se um homem — visivelmente mais velho, diga-se de passagem — começasse a segui-la, Julie leva Stuart para tomar café da manhã juntos. Além disso, ajuda-o a fugir das fãs, compartilha segredos da sua vida com ele (coisas que ela não compartilhou com mais ninguém, visto que aparentemente é uma menina solitária, cuja mãe é sua única amiga) e, pasmem, leva-o para jantar em sua casa e conhecer sua família. Sim, tudo isso no mesmo dia.

filme natalino Netflix
Julie e o famoso cantor Stuart acabam se esbarrando em um trem e passam o dia juntos. (Divulgação: Netflix)
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O dia de conto de fadas tem um fim quando a assessora de imprensa de Stuart aparece e lembra a Julie que ela é só mais uma garota, só um desvio no dia a dia corrido do cantor, que por vezes se deixa levar pela vida “normal” antes de voltar a encarar o estrelato. Assim, os dois se separam brevemente para depois se encontrarem, sem mais explicações, e declararem seus sentimentos um para o outro em um final otimista e descomplicado.

O roteiro de “Deixe a Neve Cair” é preguiçoso e pouco envolvente

Deixe a Neve Cair” também conta com personagem secundários, como a carismática moça vestida de alumínio (e narradora de toda a história) interpretada por Joan Cusack, personagem mística da cidade; a melhor amiga de Dorrie, Addie (Odeya Rush), que tem sua trama resumida a se sentir mal porque o namorado a ignora; e Keon (Jacob Batalon), amigo de todos e quem junta toda a turma em um grande evento natalino na lanchonete em que trabalha, a Waffle House. Este local é uma importante localidade no livro, mas não construiu nenhuma marca identitária no filme, servindo apenas como ponto de encontro das histórias e dos personagens.

Enfim, mesmo com o elenco carismático, digno das maiores produções teens do momento, “Deixe a Neve Cair” erra a mão na condução da trama, apresentando um roteiro preguiçoso e uma construção desleixada dos personagens, com narrativas que são jogadas sem maiores explicações de enredo. Mesmo que nada muito complexo seja esperado de filmes natalinos, cujo propósito normalmente gira em torno de ser apenas um agradável filme de Sessão da Tarde, o longa chega a ser pouco envolvente — uma característica preocupante para uma obra que se propõe a retratar o espírito natalino.


Edição por Isabelle Simões e revisão por Mariana Teixeira.

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Jornalista, feminista, apaixonada por escrever e doida da problematização. Adooora dar opinião sobre tudo e criticar séries, filmes e livros é uma paixão de infância.
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