Carrie Mae Weems e a importância de novas narrativas na fotografia

Carrie Mae Weems e a importância de novas narrativas na fotografia

“Você se tornou um perfil científico, um tipo negroide, um debate antropológico e um objeto de fotografia.”. Essa é uma das frases que unem a série de fotografias “From here I saw what happened and I cried”, de Carrie Mae Weems, uma das mais importantes fotógrafas contemporâneas. Sua obra, voltada para a vida e a história da comunidade negra dos Estados Unidos, carrega os temas subentendidos nessas palavras, de uma dor sutil e poderosa, e da contemplação no local da ausência.

Carrie nasceu em 1953, em Portland. Seu interesse nas artes esteve presente desde cedo, e aos dezesseis anos ela se mudou para São Francisco para estudar dança. Mais tarde, se formou no California Institute of the Arts e fez um mestrado na Universidade da Califórnia.

Neste momento, seu interesse pela fotografia já havia surgido. Ativa em movimentos sindicais, ela usava sua câmera para registrar a luta trabalhista, mas o impulso artístico só lhe ocorreu após se deparar com “The Black Photography Annual”, um livro de imagens de fotógrafos afro-americanos. Weems se sentiu inspirada pelas fotos, o que a levou a se integrar em uma comunidade de artistas no Studio Museum, no Harlem.

autorretrato de Carrie Mae Weems
Este autorretrato de Carrie Mae Weems faz parte do trabalho “Portrait of a Fallen Woman”, de 1988. (reprodução)

A família afro-americana através das lentes de Carrie Mae Weems

Em 1986, ela publicou sua primeira coleção, Family Pictures and Stories, que consiste em uma série de imagens e textos de sua vida em família. Nessa representação de uma família afro-americana, surgem os temas que permeariam obras futuras de Weems, que se debruça regularmente sobre questões de raça, classe e gênero através da lente da câmera.

Sua série seguinte, Ain’t Jokin’, abordaria a questão do racismo no humor, trazendo imagens de pessoas negras com legendas de piadas racistas. Uma das imagens mais marcantes da coleção mostra uma mulher negra segurando um pedaço de frango frito e olhando a câmera de forma desafiadora, em uma clara alusão a um dos mais populares estereótipos afro-americanos da época.

Essa abordagem da representação negra na cultura estadunidense prosseguiria em sua coleção seguinte, American Icons, de 1989. A série foca em representações racistas de afro-americanos em utensílios domésticos e enfeites de mesa, muito comuns nos EUA e sempre apresentando imagens de pessoas negras caricatas e servis.

Black Woman with Chicken, de Carrie Mae Weems
“Mulher negra com frango”, uma das fotos mais marcantes de Weems.

O corpo como interlocutor

Ao longo dos anos 80, Weems se distanciaria da abordagem documental na fotografia, dando preferência a imagens deliberadamente encenadas que incorporassem elementos de outras mídias, como textos ou áudios. Sua próxima série, The Kitchen Table, um de seus trabalhos mais conhecidos, viria em 1990 e refletiria essa mudança. Na coleção, a própria Carrie posa para fotos em conjunto com um homem, representando o papel de sua esposa.

A série, que Weems afirma ser um de seus trabalhos favoritos, explora o papel da mulher na cultura afro-americana. Em uma de suas imagens mais icônicas, ela acaricia o rosto do marido, que se distrai comendo uma lagosta. Para Carrie, essa seria uma representação sutil da forma como as mulheres são induzidas a fornecer livremente suporte emocional aos seus parceiros sem receber nada em troca. O homem toma sem prestar atenção às necessidades de sua companheira. Weems ainda afirmou que usar o próprio corpo para explorar questões complicadas sobre relações de família e negritude foi algo muito importante, e que ela foi, nessas imagens, “um tipo de interlocutor entre o eu, o eu construído e a audiência”.

Fotografia de Carrie Mae Weems
Weems posou para suas próprias fotos.
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O poder da multiplicidade de narrativas 

A produção de Carrie Mae Weems só cresceu nos anos seguintes. Ela depois publicou livros e séries como Sea Island Series, Africa Series, From Here I Saw What Happened and I Cried, Who What When Where, Ritual & Revolution, the Louisiana Project, Roaming, e a Museum Series. Essas séries seguem sua preferência por imagens em preto-e-branco que exploram relações de poder, normalmente sob o viés racial.

Sua obra emerge, então, como a construção de narrativas afro-americanas na fotografia, com um olhar que problematiza relações de poder, expõe conflitos e reconstrói representações. Grande parte disso se deve à sua abertura a diferentes tipos de mídia: From Here I Saw What Happened and I Cried, por exemplo, é uma série de imagens do século XIX, que, sob o texto de Weems, passam a fazer parte de uma narração maior sobre a história de um povo.

a multiplicidade de narrativas na fotografia
Fotografia de Carrie Mae Weems. (reprodução)

O trabalho de Carrie Mae Weems é aclamado pela crítica e pelo público, e essa multiplicidade de narrativas trouxe singularidade em sua carreira. Em 2013, ela recebeu a bolsa MacArthur, bolsa multidisciplinar conhecida como “a bolsa dos gênios”. Em 2014, ela se tornou a primeira mulher negra a ter uma exposição no Solomon R. Guggenheim Museum, um dos museus mais prestigiosos de Nova York. Suas obras estão presentes em coleções do Metropolitan Museum of Art (conhecido popularmente como Met); do Tate Museum, em Londres; do Museum of Contemporary Art em Los Angeles; e muitos outros.

Seu projeto mais recente, Grace Notes: Reflections for Now, não é uma coleção fotográfica, mas sim uma performance multimídia em que palavra, música, vídeos e danças se misturam. “O que é notável na nossa história, em quem nós somos, em como nós nos conduzimos através do massacre da história, é manter a essência da nossa dignidade”, diz Weems. Sua obra continua a encantar ao abordas as multiplicidades dessa essência.


Edição por Isabelle Simões e revisão por Mariana Teixeira.

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Formada em História, Fernanda é escritora e trabalha com tradução, legendagem e produção de conteúdo. Gosta de games, quadrinhos e filmes. Passa a maior parte do tempo falando do seu cachorro ou do MCU.
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