As mulheres fantabulosas de “Aves de Rapina” nos quadrinhos

As mulheres fantabulosas de “Aves de Rapina” nos quadrinhos

Liga da Justiça, Quarteto fantástico, Watchmen, Os Vingadores, X-MenEsquadrão Suicida são apenas alguns dos times de super-heróis/anti-heróis/vigilantes que migraram das páginas dos quadrinhos e alcançaram considerável sucesso nas telas do cinema. Atualmente, a produção que vem ganhando destaque nas mídias é a adaptação da produção quadrinística “Aves de Rapina” que, diferentemente dos outros times mencionados, é centrada no protagonismo feminino.

“Aves de Rapina” é uma série em quadrinhos publicada pela DC Comics. Trata-se de uma produção concebida pelo quadrinista Jordan Gorfinkel em parceria com os roteiristas Chuck Dixon e Gary Frank. A obra começou a circular em 1996 com o título “Black Canary/Oracle: Birds of Prey”. Grosso modo, ela apresenta um time de vigilantes formado por mulheres que foi considerado, durante a década de 1990, o “Thelma e Louise” dos quadrinhos. Originalmente, o time se resumia a Canário Negro e Barbara Gordon (Oráculo).

Depois de ficar paraplégica no título “Batman: The Killing Joke” (1988) e encerrar suas atividades como a super-heroína Batwoman, Barbara Gordon decidiu se tornar uma agente de justiça no ciberespaço, assumindo uma nova identidade secreta: Oráculo. Como Oráculo, ela teve participações em algumas histórias, entre elas, “Esquadrão Suicida”, até ter o próprio time. A partir de seu acesso a informações privilegiadas, Oráculo recruta as pessoas com as quais quer trabalhar. Foi assim que Canário Negro, a primeira vigilante do grupo, foi recrutada.

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Edição de "Aves de Rapina", escrito por Gail Simone.
Edição de “Aves de Rapina”, escrito por Gail Simone. (Imagem: reprodução)

Na trama, Oráculo liga para Canário Negro, que estava deslocada e vivendo momentos difíceis após a morte do Arqueiro Verde, seu ex-namorado: “Bem, eu ouço coisas. Espero não estar sendo inconveniente se eu disser que sua vida não tem orientações agora […] Eu pensei que era hora de tirá-la da meia arrastão e short sexy. Sua imagem precisa ser trabalhada tanto quanto sua vida” (MADRID, 2009, p.203-204). A partir desse contato, mesmo sem se conhecerem pessoalmente, nascia a parceria entre Canário Negro e Oráculo.

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Um marco importante para “Aves de Rapina” foi quando, em 2003, Gail Simone assumiu a produção do título e transformou a dupla num quarteto de super-heroínas, acrescentando Caçadora e Lady Falcão Negro. Gail Simone já era conhecida na época por problematizar em “Women in Refrigerators” a representação da figura feminina no interior dos quadrinhos de super-heróis. Com o passar do tempo e mudança de roteiristas, o número de integrantes em “Aves de Rapina”, ainda que transitórias, também foi significativamente ampliado.

Dessa maneira, o quadrinho chama atenção por abordar a emancipação feminina ao enfatizar a desenvoltura das personagens mulheres, entre elas uma cadeirante que era essencial para o combate ao crime organizado e que coordenava um grupo de super-heroínas. Além da qualidade artística dos desenhos, a trama apresenta mulheres inscritas em uma ordem complexa que escapa das representações mais comuns e docilizadas do feminino.

Aves de Rapina - filme

Previsto para ser lançado no dia 06 de fevereiro, o filme “Aves de Rapina: Arlequina e sua emancipação fantabulosa“, dirigido por Cathy Yan, não será uma adaptação fiel dos quadrinhos e marcará a primeira participação de Arlequina junto ao time de mulheres. A julgar por algumas cenas dos trailers, o longa não perderá o tom no que toca ao fortalecimento e à emancipação feminina no interior da trama. Interessantemente, a personagem principal parece superar a hipersensualização presente no filme “Esquadrão Suicida”, de 2016. Mas quais personagens femininas que estiveram nos quadrinhos podemos encontrar no filme? Vamos conhecê-las mais de perto?

Arlequina

Amanda Conner e Jimmy Palmiotti escreveram 64 edições de Arlequina.

O centro do filme é a personagem Arlequina e toda história será filtrada sob o seu ponto de vista. Até onde sabemos, o vilão, Roman Sionis, e seu braço direito, Zsasz, decidem eliminar a jovem Cassandra Cain. Cass, como é conhecida, foi treinada para ser a assassina perfeita. Enquanto os vilões reviram a cidade à procura da garota, os caminhos de Arlequina, Caçadora, Canário Negro e Renee Montoya se juntam e, como um time, passam a trabalhar para derrotar Roman Sionis.

Arlequina, produto artístico de Paul Dini, apareceu pela primeira vez no episódio “Joker’s Favor” do desenho animado “Batman: The Animated Series”, em 1992. Em virtude do seu sucesso no desenho animado, ela foi levada para os quadrinhos em 1994. O título “The Batman Adventures: Mad Love” estabeleceu a história de origem de Arlequina como a médica que trabalhava no Arkham Asylum. No entanto, somente em 1999, com o título “Batman: Harley Quinn #1”, é que a personagem passou a integrar oficialmente o universo da DC Comics.

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Na trama dos quadrinhos, ela se envolveu emocionalmente com Coringa enquanto ele esteve internado no Arkaham Asylum. Depois de colaborar com sua fuga, Arlequina acabou se tornando sua capanga e se submetendo a um relacionamento abusivo. Depois de sucessivos abusos e tentativas de assassinato, Arlequina, com suporte de Hera Venenosa, ensaia assumir controle sobre a própria vida ao se afastar do seu algoz e ingressar, ao lado de Hera Venenosa e Mulher-Gato, num time só de mulheres, as Sereias. O título que introduziu o time de anti-heroínas foi “Gotham City Sirens #1”, publicado em 2009 e que circulou até 2011.

Embora seja um produto artístico jovem, a personagem Arlequina passou por algumas reformulações e relançamentos. Recentemente, o que vem chamando atenção é sua aparição no cinema. Primeiramente em 2016, com “Esquadrão Suicida“, e, em 2020, com “Aves de Rapina”. Em ambos filmes, Margot Robbie é quem dá vida a personagem.

Canário Negro

Canário Negro nos quadrinhos - Aves de Rapina

A personagem Canário Negro dos quadrinhos, persona da florista Dinah Drake, foi uma criação de Robert Kanigher e Carmine Infantino que debutou em 1947 em “Flash Comics #86”Ela era uma vigilante que se fazia passar por criminosa, a fim de descobrir quem eram os verdadeiros bandidos e fazê-los responder à justiça. Ela se tornou parceira do detetive Larry Lance, por quem se sentia atraída. A personagem deixou de circular em 1951 e retornou em 1968. Viúva de Larry, Canário Negro se encontrava em numa realidade terrena paralela, com novas habilidades e como membro da Liga da Justiça.

Neste novo contexto, seu propósito de vida era o autoconhecimento e a emancipação pessoal, deixando a vida afetiva para segundo plano. Quando decide se engajar num relacionamento amoroso, seu parceiro é o Arqueiro Verde. Após a morte de Arqueiro, Canário Negro é recrutada pela Oráculo, o que deu origem time das Aves de Rapina, em 1996.

Caçadora

Caçadora nos quadrinhos - Aves de Rapina

A personagem Caçadora foi apresentada pela primeira vez nos quadrinhos como Helena Wayne, filha de Batman e Mulher-Gato. Idealizada por Paul Levitz, Joe Staton e Bob Layton em 1977, a personagem, ao que parece, não conquistou o público imaginado. Por este motivo, ela foi morta e esquecida por um tempo. Em 1989, surge uma nova Caçadora com nome novo: Helena Bertinelli.

A nova trama reimaginou a origem da personagem. Nela, Caçadora é filha de uma família de criminosos. Quando a jovem Helena Bertinelli estava com apenas 8 anos, presenciou a morte de toda sua família. Depois disso, foi levada por familiares para treinamentos intensivos em artes marciais na Sicília, Itália, com o propósito de se qualificar para a vingar os pais – ao que parece esta é a versão que encontraremos no filme.

Ao retornar para Gotham, Caçadora acaba seguindo os passos de Batman, mas com uma pegada mais “agressiva” por não poupar seus inimigos da morte. Em virtude da sua forma de lidar com os criminosos, Batman acaba levando-a para a Liga da Justiça para que aprendesse a lutar utilizando meios menos violentos. Por não se adaptar, Caçadora foi expulsa do grupo. Mais tarde, depois de se aventurar até mesmo como Batgirl, foi recrutada pela Oráculo para fazer parte das Aves de Rapina.

Cassandra Cain

Cassandra Cain nos quadrinhos - Aves de Rapina

Personagem criada por Kelley Puckett e Damion Scott, Cassandra Cain apareceu nos quadrinhos em 1999 no título “Batman #567”. Na trama, Cassandra é filha de David Cain e Lady Shiva, renomados assassinos que fazem parte da League of Assassins. A concepção de Cassandra foi criteriosamente calculada por seu pai, pois ele acreditava que a assassina perfeita não dependia apenas de treinamentos, mas de uma boa genética. Para tanto, escolheu Sandra Wun-Sa, que se tornaria mais tarde Lady Shiva, para ser a mãe de sua filha.

Embora submetida a treinos rígidos que ignoravam o desenvolvimento de outras habilidades como a escrita, a leitura e até mesmo a fala, a criação da super assassina não saiu como David Cain havia esperado. Quando Cassandra estava com 8 anos, foi levada para realizar seu primeiro assassinato. O experimento a traumatizou de tal forma que ela fugiu e passou a viver na rua. No título “No Man’s Land,” Oráculo tomou conhecimento da história de Cassandra e acabou a adotando. Com a influência de Barbara Gordon e Batman, Cassandra se tornou a nova Batgirl.

Renee Montoya

Renee Montoya nos quadrinhos

Por fim, Renee Montoya, uma policial do Departamento de Polícia de Gotham, completa as Aves de Rapina. A personagem foi criada por Alan Grant e Norm Breyfogle inicialmente para a série “Batman: the Animated Series”. No entanto, acabou incorporada aos quadrinhos em março de 1992 no título “Batman #475”. Em 2000, Greg Rucka e Bruce Timm assumiram a criação de Renee Montoya e ampliaram sua importância no interior dos quadrinhos. Foi também a partir da tomada criativa de Rucka e Timm que a homossexualidade de Montoya foi revelada pelo vilão Duas Caras.

A personagem experimentou momentos difíceis quando sua família religiosa passou a renegá-la. Além disso, ela e seu parceiro foram injustamente incriminados por um policial corrupto. Em virtude disso, a personagem deixou o Departamento de Polícia da cidade de Gotham. Em “New 52” (2007), Renee é treinada em artes marciais por Vic Sage, alter ego de Question, para que ela pudesse posteriormente assumir o seu lugar, uma vez que estava com câncer de pulmões.

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No que toca às representações femininas, ao longo da história dos quadrinhos e do cinema, vimos mulheres apresentadas como personagens menores e dependentes de uma figura masculina, seja financeiramente, emocionalmente ou até mesmo para proteção da sua integridade física. Amiúde, encontramos em muitas produções elaborações essencialistas que insistem na fragilidade, inconstância e falta de liderança das mulheres. Uma questão curiosa é que, mesmo quando retratadas em posição de poder, elas são representadas, na maioria das vezes, com certa regularidade em posição de desvantagem em relação ao homem, além de inseguras.

Felizmente, graças ao advento de uma plêiade de artistas mulheres e de novas recepções direta ou indiretamente feministas, as representações femininas experimentam interessantes alterações que reinscrevem as mulheres no universo ficcional da cultura pop. Por isso, o Delirium Nerd segue atento a essas mudanças, uma vez que elas, em grande medida, também dizem respeito à maneira como somos percebidas e percebemos umas às outras.


Edição e revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

Jaqueline Cunha é Pesquisadora de Histórias em Quadrinhos de autoria feminina, Mestra em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal de Goiás, graduada em Letras Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás e membro da Associação de Pesquisadores de Arte Sequencial (ASPAS). Jaqueline também se interessa por temas relacionados a Literatura, cinema e estudos acerca dos feminismos, identidades de gênero e sexualidade.
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