Secreto e proibido: o amor que nunca envelhece

Secreto e proibido: o amor que nunca envelhece

Em abril, foi adicionado ao catálogo da Netflix o documentárioSecreto e proibido” (A Secret love, no original) sobre a história de amor e de vida de duas mulheres: Pat e Terry, apelidos de Emma Marie Henschel e Theresa Donahue. A obra nos faz refletir sobre relacionamentos amorosos, envelhecimento, família e, principalmente, sobre as dificuldades de ser alguém da comunidade LGBTQI+. Através de suas histórias pessoais, revisitamos também a história recente da sociedade americana, com preconceitos e problemas atemporais.

Secreto e Proibido: o amor, a família e o contexto social

O documentário começa com uma ligação para Terry sobre sua saúde que, antes de começar a receber as notícias, se apressa em dizer “só um minuto, minha prima Pat vai participar da conversa”. O quadro não é bom, seja em relação à saúde de Terry, seja em relação ao fato de que duas mulheres, que estão juntas a mais de 60 anos, ainda não se sentem confortáveis para assumir sua sexualidade para alguém fora de seu círculo.

Tirando esse impacto inicial, começamos a conhecer de fato Pat e Terry. Naquele momento, elas estão planejando uma mudança da casa que moram há 26 anos, em Chicago, para algum lugar afim de cuidar da saúde e obter algum auxílio, pois elas têm encontrado dificuldades em continuarem morando sozinhas. Ainda sem um destino certo, elas vão até o Canadá, seu país natal, encontrar a família de Terry para, quem sabe, tomar alguma decisão.

Terry Donahue e Pat Henschel em "Secreto e Proibido" (2020)
Terry Donahue e Pat Henschel em “Secreto e Proibido” (2020). Imagem: Netflix

Eles se mostram muito receptivos, principalmente a sobrinha, Diana, maior entusiasta que elas se mudem para o Canadá, ou no mínimo, mais perto. Nesse momento, ficamos sabendo que Terry e Pat assumiram seu relacionamento três anos antes, desmentindo a história que eram boas amigas que moravam juntas, pois “morar nos Estados Unidos é muito caro”, segundo Pat. 

Porém, mesmo com todo o carinho, a tensão fica evidente, pois Pat tem dificuldades de aceitar a mudança, dificultando o diálogo e, inclusive, causando alguns conflitos diretos com Diana sobre as melhores maneiras de lidar com as questões financeiras ou outras questões que surgiram por causa da mudança.

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Junto com a narrativa familiar, começam a nos contar como tudo começou, em 1947. Terry foi selecionada para a primeira liga feminina de Baseball e se muda para os Estados Unidos e, numa pista de hóquei, conhece Pat, que afirma “foi um dos melhores dias da minha vida”. O começo foi marcado por viagens constantes entre os dois países e alguns relacionamentos com homens, mas segundo a própria Terry: “A Pat estava destinada a mim”.

Elas deixam bem claro que durante toda a sua vida sempre prezaram pela discrição, preferindo ambientes domésticos e relações sociais caseiras. Tinham medo das represálias que poderiam sofrer, com a visibilidade da carreira no esporte de Terry e, principalmente por serem estrangeiras, temiam a possibilidade de perder seu green card.

Além do relato pessoal delas e de seu círculo social, como um casal de amigos que as acompanharam durante toda a vida, temos no documentário também depoimentos de militantes e pessoas que viveram numa época pré-Revolta de Stonewall, em que se mulheres fossem pegas – nas batidas policiais em bares – usando jeans com zíper na frente, eram levadas para o camburão porque estava querendo imitar um homem.

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Terry e Pat em "Secreto e Proibido" (2020), documentário da Netflix
Terry e Pat em “Secreto e Proibido” (2020). Imagem: reprodução

Nos enche os olhos os registros feitos durante todo esse tempo, vindos diretamente de seu acervo pessoal, com a sua trajetória, mudanças e histórias, junto com essa “outra família” – como afirmou Diana – que haviam construído longe de suas famílias de sangue, como forma de inclusão num mundo que as deixava e ainda deixa a margem, já que não podemos dizer que a família de Pat foi receptiva e calorosa da mesma maneira que a família de Terry.

Uma história única, mas que contempla muitas de nós

Em poucos momentos de “Secreto e Proibido” somos informadas de quanto tempo se passou. Percebe-se que as gravações ocorreram durante um bom tempo, pois se no começo elas relatam que o relacionamento está com 65 anos, no final a conta já chega aos 70. É como se a marcação do mundo exterior – e interior dessas mulheres – fosse marcado pela idade avançada do relacionamento, assim como a delas mesmas, e nisto somos contagiadas pela percepção que é necessário aceitar as mudanças, assim como Pat e Terry as aceitaram – sejam interiores, exteriores, geográficas, sociais – vividas junto com aquilo que parece que não envelhece nunca, o amor.

Trecho do cartaz da Netflix de "Secreto e Proibido" (2020)
Trecho do cartaz da Netflix de “Secreto e Proibido” (2020)

O material é rico, portanto, seria impossível não tocar os corações com o tema do documentário, a história “secreta e proibida” de duas mulheres. A direção de Chris Bolan, sobrinho-neto de Terry, nos proporciona um olhar familiar e próximo, enquanto a produção de Ryan Murphy – já conhecido por trabalhos com temáticas LGBTI+ como “Pose” e “Hollywood” – e Jason Blum – três vezes indicado ao Oscar – nos traz o aspecto grandioso, cinematográfico de uma história em especial, mas que é o retrato de muitas histórias que aconteciam e ainda acontecem por aí.

Muito mais do que apenas conhecermos a vida e alguns casos particulares de Pat e Terry, somos levadas também a refletirmos sobre todas as surpresas no caminho que estamos sujeitas, além da nossa relação com tudo aquilo que envelhece, inclusive nós mesmas.

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25 Textos

Uma adolescente emo virou uma hipster meio torta que sem saber muito bem o que fazer, começou jogar palavras ao vento e se tornou escritora e tradutora. Também é ativista dos direitos humanos. Além disso é lésbica, Fé.minista, taurina. E, principalmente, adoradora de gatos e de café.
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