Sussurros do Coração: detalhes que levam a descobertas incríveis

Sussurros do Coração: detalhes que levam a descobertas incríveis

Sussurros do Coração (Whisper of the Heart, em inglês), lançado em 1995 no Japão, é uma das preciosidades do Studio Ghibli ainda pouco apreciadas no mundo ocidental. Talvez um dos motivos para isso seja que ele foi o primeiro filme do estúdio a não ter sido dirigido por nenhum de seus co-fundadores, Hayao Miyazaki e Isao Takahata. E isso fica bastante evidente ao longo do filme. Agora que ele está disponível na Netflix, no entanto, temos a oportunidade de exaltá-lo de acordo.

Assim como a maioria dos filmes do estúdio, esta é uma história que trata de amadurecimento, inocência em meio a um mundo caótico (e, por vezes, corrupto) e ritos de passagem da vida. Dramas estes que são normalmente vividos e contados sob uma perspectiva infanto-juvenil ou adolescente – e aqui, não é diferente. O que se destaca frente aos outros grandes filmes proeminentes do estúdio, no entanto, é exatamente o papel que a protagonista exerce em relação ao seu mundo.

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Shizuku (Yōko Honna) “Sussurros do Coração”.

Um olhar diferente sobre o mundo em Sussurros do Coração

Sob a direção de Yoshifumi Kondo, em sua estreia, seguimos a história da menina Shizuku Tsukishima de 14 anos, que já vê diante de si os dilemas do fim do colégio e do que fazer com a sua vida.

Leitora ávida e aspirante a escritora, ela nos conduz pela sua rotina – aparentemente, mundana – nos levando a crer, assim como ela, que os detalhes que a intrigam podem levar a descobertas incríveis. Um simples nome no cartão da biblioteca, que se repete nos livros que ela empresta para ler durante as férias. Um gato pouco amigável que ela vê no trem. Uma loja aparentemente inóspita, que revela uma série de objetos únicos. 

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Em paralelo a isso, a realidade, com suas pressões e demandas, não deixa de se impor sobre ela e sobre sua vida. Desde os conflitos no colégio, sobre quem gosta de quem, e em sua vida familiar, até as pressões sobre as notas na escola e em qual colegial ela poderá estudar. Ambas as dimensões de sua vida – e de sua personalidade – andam lado a lado, até que se encontram na figura de Seiji Amasawa, um menino da sua série. 

Shizuku Tsukishima (Yōko Honna) e Seiji Amasawa (Issey Takahashi) em "Sussurros do Coração"
Shizuku e Seiji Amasawa (Issey Takahashi) em “Sussurros do Coração”.

Como disciplinar a imaginação?

Primeiro, eles se conhecem casualmente na escola. Na ocasião, ele a critica pela sua adaptação da música “Take Me Home, Country Roads” de John Denver – que é uma referência utilizada à exaustão ao longo do filme. Mas é exatamente sua curiosidade e mente criativa que a levam, enfim, a conhecê-lo mais a fundo.

O amor entre os dois é consequência direta da leveza e inocência com que Shizuku se deixava levar pela sua imaginação. No entanto, é por meio de Seiji que ela enxerga as dificuldades reais de se seguir uma carreira artística. E é aí que o filme deslancha.

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Neste ponto da narrativa, se torna cada vez mais evidente a diferença entre Sussurros do Coração e o restante dos filmes mais conhecidos da Ghibli. Kondo parece alcançar uma espécie de equilíbrio entre o realismo triste de Takahata e a imaginação extraordinária de Miyazaki, mas a diferença vai além, principalmente nos filmes de Miyazaki.

No cinema de Hayao, por exemplo, entramos em um fluxo de imaginação de mundos complexos e intrincados. Tais mundos se sobrepõem aos dramas dos personagens, muitas vezes como uma projeção exacerbada do próprio drama em si. Já no caso de Takahata, a realidade e o contexto geralmente se colocam à frente do poder de ação dos personagens. Mas em Sussurros do Coração isso não ocorre. Shizuko é o centro da perspectiva a todo momento.

Quando é devaneio ou realidade, nós, enquanto público, estamos cientes, assim como a protagonista do longa. Isso torna a trama do filme, na totalidade, mais singela e menos rebuscada que o restante dos outros filmes do estúdio, o que significa inerentemente menos ação.

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O fim precoce de uma carreira

Sussurros do Coração é um filme que se demonstra autêntico e capaz de cativar muitos públicos. Poderia ter sido um primeiro passo interessante para a formação de um estilo único de narrativa em relação aos outros filmes do estúdio. Mas, infelizmente, o diretor Yoshifumi Kondo faleceu poucos anos depois deste seu primeiro trabalho ter sido lançado. Com isso, ele não teve a oportunidade de desenvolvê-lo mais a fundo e de mostrá-lo ao público. Dessa maneira, sua estreia como um diretor promissor do estúdio permanece entre nós e merece ser conferida!

Edição, revisão e arte em destaque por Isabelle Simões.

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Criança que queria ser bailarina, depois foi querer virar oceanógrafa, que depois sonhou em ser fotógrafa da National Geografic, para depois querer ser escritora. Acabou virando jornalista (no diploma) e professora (na carteira de trabalho – RIP). Adulta, só daqui uns anos.
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