A obscuridade da cantora Chelsea Wolfe

A obscuridade da cantora Chelsea Wolfe

Chelsea Joy Wolfe nasceu em 14 de novembro de 1983 em Sacramento, capital do estado da Califórnia. Filha de pai músico, Chelsea foi estimulada desde pequena a fazer suas próprias criações e sua formação musical veio de casa, tendo escrito seu primeiro poema aos 7 anos e gravado sua primeira composição aos 9 anos, influenciada pela literatura gótica e bandas de pós-punk inglesas.

A princípio, mesmo sendo precoce, Chelsea só foi aprender a tocar guitarra quando estava saindo do ensino médio e diz que as artistas favoritas de sua mãe foram grandes influências (Joni Mitchell e Bonnie Raitt) e graças a ela sempre se cercou por mulheres da música.

A cantora Chelsea Wolfe
A cantora Chelsea Wolfe. (Foto: Shaina Hedlund)

Conhecida pelo ar místico e obscuro em suas canções, Chelsea lançou seis álbuns de estúdio, além de um ao vivo e outro acústico, e diversos singles, que transitam entre gêneros, principalmente o goth rock, doom rock e folk. Usufruindo de elementos eletrônicos, a cantora utiliza baterias e guitarras, além de apresentar um vocal hipnotizante. Às vezes, até mesmo um gutural aparece para deixar seu charme.

Nas performances em palco, Wolfe diz ainda ter uma espécie de timidez, não se sentindo confiante o bastante para enfrentar a audiência sozinha. A banda do projeto – atualmente composta por Jess Gowrie na bateria, Bryan Tulao na guitarra-solo e Ben Chrisholm no baixo e teclados – está sempre usando cores bastante neutras.

Além disso, mesmo que a cantora tenha performado por um tempo com um véu preto e outros elementos obscuros, o show é bastante minimalista. As luzes e a fumaça, por exemplo, chamam bastante atenção e complementam a intenção de Chelsea de fazer com que os espectadores possam fechar os olhos e sentir a música.

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Cantora Chelsea Wolfe
Chelsea Wolfe performando. (Foto: reprodução)

Por outro lado, mesmo que a musa da obscuridade explore diversos elementos pessimistas e pesados, quando percebe que escreveu algo muito desesperançoso a cantora tenta equilibrar a música de alguma forma, seja através da melodia ou do instrumental, para que se tenha alguma luz (o que não significa que a música será feliz ou dançante demais).

Além dos trabalhos em estúdio, Chelsea também traz em sua carreira o filme “Lone” (2014), dirigido por Mark Pellington. A obra retrata um universo abandonado, composto por suas memórias, e usa suas músicas como narrativa para abranger temas como “natureza, sexualidade, memória, mortalidade, perdão, amor, inocência, fragilidade, violência e beleza”, diz o diretor.

Alguns trechos do filme foram lançados como vídeo clipes do álbum “Pain Is Beauty” e você pode ver o longa surrealista no link abaixo:

A trajetória de Chelsea Wolfe em estúdio

O “primeiro” álbum de Chelsea não é considerado por ela em sua discografia, inclusive muitos dizem que ela o odeia. A sonoridade de  “Mistake In Parting é um pouco diferente do que a cantora produziu posteriormente (totalmente acústico) e lhe causou um bloqueio criativo de quatro anos. De qualquer forma, o álbum é bastante sensível e recheado de músicas que tratam questões existenciais e complexidades afetivas.

Cantora e compositora californiana Chelsea Wolfe.
Cantora e compositora californiana Chelsea Wolfe. (Foto: reprodução)

O álbum de estreia oficial, “The Grime and the Glow”, foi lançado em 2010 e começa com um baixo melódico e marcado que nos introduz a atmosfera obscura criada por Chelsea, que ficará ainda mais sombrio. Ao longo do disco somos tomadas pela brilhante combinação entre instrumentos bastante eruditos como o piano e arranjos eletrônicos. Além disso, as gravações feitas em uma interface com oito canais dão um ar lo-fi e orgânico.

No ano seguinte, com o lançamento de “Apokalypsis” (2011), as experimentações continuam. A faixa de introdução tem menos de 30 segundos e é um grito angustiante. O noise casado com o rock gótico e folk percorre as 9 músicas, com influências de Sonic Youth a Black Sabbath.   

Capa do álbum "Apokalypsis", da cantora Chelsea Wolfe
Capa do álbum “Apokalypsis”. (Foto: reprodução)

Em 2012, a cantora apresentou dois álbuns: o ao vivo “Live at Roadburn 2012”, gravado em um festival holandês, e um disco lo-fi com um compilado de músicas acústicas, uma homenagem e tentativa de se conectar ao folk rock Unknown Rooms: A Collection of Acoustic Songs”, bastante intimista.

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Logo depois, “Pain Is Beauty” chegou aos nossos ouvidos em 2013 e Chelsea revelou estar bastante inspirada pelas forças naturais neste álbum, tendo inclusive composto uma faixa que se refere a um incidente com tsunamis no Japão (The Waves Have Come). A essa altura, a cantora estava tão reconhecida por seu trabalho, que inclusive teve uma de suas músicas inseridas na trilha sonora da série Game of Thrones, a canção Feral Love

Em seguida, temos “Abyss” (2015), que pode não ter o nome mais convidativo do mundo, mas é um disco bastante equilibrado, principalmente em termos de noise e folk. Nessa época, Wolfe havia se mudado para as montanhas, afastada de Los Angeles onde antes residia, e é claro que os novos sons e novas percepções da realidade influenciaram seu trabalho. 

Lançado em 2017, “Hiss Spun” é um disco repleto de memórias de Chelsea, a começar pela capa que é uma referência a uma de suas lembranças do centro de pesquisa, onde teve que dormir cheia de fios e receptores para analisarem seu sono. Todavia, a figura de Chelsea no meio de um quarto incomodavelmente branco causa desconforto e remete à uma fera, a algo fora do normal. Segundo Chelsea, as inspirações para as letras dizem muito sobre excessos e vícios utilizados como escapismo

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Álbum "Hiss Spun", da cantora Chelsea Wolfe
Capa do álbum “Hiss Spun”. (Foto: reprodução)

Em 2019, Chelsea lançou seu último álbum de estúdio. Bastante melancólico, “Birth Of Violence” mostra bem o lado folk da cantora sem aquelas experimentações com guitarras e sintetizadores que costumava usar. Segundo ela, fazer com que o disco parecesse intimista era uma de suas maiores vontades, e ela o fez com tranquilidade através dos instrumentos acústicos.

Dessa forma, “Birth Of Violence” é bastante ligado à maturidade de Chelsea e ao seu modo de ver a realidade. E como ela mesma disse em entrevista, a cantora estava vendo o mundo de forma mais poética e o reivindicando como uma mulher. Além disso, parte da melancolia e intimidade desse álbum têm origem de um momento desgastante da carreira de Chelsea, logo após a turnê do “Hiss Spun“, em que a artista optou por se isolar e desfrutar de um momento mais reservado consigo mesma. 

Com vocal alcançando notas mais altas do que as usuais, Chelsea lançou o single Valerian em julho de 2020, que faz parte do projeto “Reigning Cement“, em parceria com Jesse Draxler e Ben Chrisholm. O single é bastante imersivo e pode ser um pouco angustiante com as batidas repetitivas e as vozes ao fundo. O projeto de Jesse conta com a colaboração de diversos artistas, confira o vídeo clipe de Valerian aqui.

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A barulhenta Mrs. Piss 

Parece que os sons experimentais e barulhentos de Chelsea agora estão direcionados para outro projeto. Na companhia de Jess Gowrie, que já toca bateria com a compositora desde 2017, Chelsea assume vocais e guitarras e Gowrie fica responsável pelas baterias, baixo e eletrônicos do duo Mrs. Piss

A cantora Chelsea Wolfe faz parte do duo "Mrs. Piss"
Captura de tela do vídeo de Knelt. (Foto: reprodução)

O projeto teve início em 2017, mas o primeiro álbum, intitulado “Self-Surgery”, foi lançado em maio de 2020. Como um projeto paralelo, as duas artistas têm bastante liberdade e conseguem criar sem limitações. Mrs. Piss é como uma válvula de escape para direcionar energias que Chelsea não costuma colocar em seu projeto “principal”. 

Segundo a cantora,  fazer um duo com Jess aproximou bastante as duas como artistas e colegas de banda. Além disso, a sonoridade do projeto também a aproxima novamente do público mais barulhento. A ideia, portanto, é trazer mais mulheres musicistas para as próximas gravações do projeto. 

A obscuridade natural de Chelsea Wolfe

Durante a infância, Chelsea sofreu com paralisia do sono e outras ansiedades. A cantora tinha tantos pesadelos que seus pais a levaram em alguns estudiosos para saber se havia algo de errado com ela. Todavia, isso pode fazer com que uma criança sofra consequências psicológicas, sendo o caso de Wolfe, que usa tais lembranças e dificuldades para criar ambientação em suas músicas, além de servirem de inspiração para seus vídeos. 

cantoras obscuras
Chelsea Wolfe (Foto: Shaina Hedlund)

A compositora diz tentar sempre escrever suas músicas como homenagens àqueles que estão passando por momentos difíceis, portanto nem sempre escreve sobre suas experiências pessoais, até porque preza muito por sua privacidade. Entretanto, Chelsea sempre se coloca muito nas canções, quase como um gesto de empatia. 

Simultaneamente, é interessante pensar em Wolfe como uma transeunte entre gêneros e expressões. Porém, é comum pensarmos que só podemos nos especializar em uma coisa ou nos expressar de uma forma, mas Chelsea transita graciosamente entre o folk e o noise, e nos faz pensar que é possível tecer diálogos entre modos de existir.

Durante a quarentena, devido à pandemia do Covid-19, Chelsea Wolfe vem realizando covers caseiros de músicas do Ozzy Osborne pelo projeto “Two Minutes To Late Night”, através de lives em suas redes sociais e entrevistas


Edição, revisão e arte em destaque por Isabelle Simões.

Escrito por:

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Psicóloga, mestranda e pesquisadora na área de gênero e representação feminina. Riot grrrl, amante de terror, sci-fi e quadrinhos, baterista e antifascista.
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