Mulheres nos Quadrinhos: Ty Silva

Mulheres nos Quadrinhos: Ty Silva

Desde o colégio a artista visual paraense Thais Silva, conhecida como Ty Silva, sentia que gostaria de trabalhar com algo que envolvesse desenhar e criar produtos. A infância desenhando, lendo gibis da Turma da Mônica e assistindo à série animada do Batman foram os primeiros passos até chegar à faculdade de moda, onde de fato pôde se desenvolver profissionalmente.

Durante a faculdade, Ty Silva fez seu TCC sobre super-heróis e posteriormente o mestrado focado na representatividade feminina em histórias em quadrinhos. Em entrevista ao Delirium Nerd, ela compartilha sua trajetória pelos caminhos da ilustração e dos quadrinhos.

DN – Como surgiu seu interesse por quadrinhos e ilustrações?

Desenho desde criança, então o interesse por ilustração sempre existiu. Entrei em contato com o universo dos quadrinhos primeiramente com a Turma da Mônica e, por volta dos sete anos, com a série animada do Batman. Porém, só comecei a ler as revistas por volta dos anos 2000, porque sempre achei a estética dos anos 90 muito machista e portanto não tinha interesse em ler os quadrinhos, mas consumia as séries e os filmes.

Durante a faculdade eu fiz o meu TCC sobre super-heróis e posteriormente o meu mestrado sobre representatividade feminina em histórias em quadrinhos, então durante esse tempo eu consumi muitas HQs, além de começar a trabalhar com ilustração.

Os traços da quadrinista Ty Silva em rostos diversos.
Traços de Ty Silva em rostos diversos. (Imagem: reprodução)

DN – A partir de qual momento você decidiu fazer do interesse profissão e como foi o processo de profissionalização?

Durante o colégio eu tive interesse em diversas profissões, mas sempre senti que queria trabalhar com algo que envolvesse desenhar e criar produtos. Com isso, resolvi fazer faculdade de moda e, ao final da faculdade, me mudei para São Paulo para iniciar a pós-graduação na área. Entretanto, fiz seis meses de pós-graduação em paralelo a um curso de ilustração com a Catarina Gushiken, e ficou claro que eu queria mesmo era seguir dentro do campo da ilustração e não da moda.

Eu já havia feito alguns cursos em Belém dentro da área de desenho, mas só fui ter a oportunidade de fazer cursos mais profissionais, além de poder me dedicar 100% a isso durante a minha estadia em São Paulo. A partir de 2013 foram anos estudando no ateliê da Catarina, na Quanta Academia, na Plein Air Studio e na Escola São Paulo, até que em 2017 eu já estava ativa dentro da profissão ministrando aulas, produzindo encomendas e freelas para empresas, tatuando e fazendo murais nas ruas e em residências.

Em 2018, voltei para Belém, onde comecei a produzir eventos relacionados a artes visuais e também a produzir quadrinhos sob a mentoria do Volney Nazareno e do Coletivo Açaí Pesado. 

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DN – Quais ferramentas você utiliza para se expressar?

A aquarela sempre foi a técnica que eu tive mais conexão, porém atualmente eu gosto de misturar. Geralmente meus trabalhos tradicionais envolvem no mínimo aquarela, copic e lápis de cor, mas trabalho com praticamente todas as técnicas tradicionais. Hoje em dia, gosto do desenho digital e faço ilustrações e quadrinhos pelo Procreate. Uma coisa que eu gosto muito é de iniciar trabalhos no papel e depois tratar e acrescentar coisas no digital.

 

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DN – Como é seu processo criativo?

Geralmente sempre me inspiro em temáticas que são importantes pra mim. Elas podem ser séries, filmes, causas políticas ou vivências. Depois da minha residência em São Paulo, eu me aproximei muito da minha cultura paraense, então procuro sempre trazer isso para os trabalhos, seja através de cartelas de cores, flora, fauna ou da cultura popular. Adoro trabalhar com o imaginário e universos fantásticos, além da minha cultura ancestral, dos povos originários. Após a temática do dia decidida, sempre desenho escutando música ou vendo TV. 

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DN – O que você busca com as suas criações? 

Sempre busco trazer representatividade nos meus trabalhos, independente de serem ilustrações ou quadrinhos. Gosto que as pessoas possam vê-los ou lê-los e se identificarem com a narrativa que está sendo contada. Portanto, fico muito feliz quando as pessoas sentem o que eu estou tentando transmitir com as minhas obras e não só as achem esteticamente bonitas, mas que elas se conectem com o que está sendo colocado.

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DN – Quais são suas influências, inspirações ou artistas preferidos? Como isso se reflete em seu trabalho?

Tenho muitas influências. Sempre fui de consumir muitas produções midiáticas, então meus amores desde criança foram obras do Tim Burton, Christopher Nolan, M. Night Shyamalan, Bruce Timm, produções da Disney e da Cartoon Network, livros como Harry Potter, O Senhor dos Anéis e As Crônicas de Nárnia.

Sempre fui influenciada pelas coisas que eu assisto e músicas que escuto. Em relação a artistas e quadrinhistas, sou apaixonada pelos trabalhos do Phil Noto, Ricardillus, Conrad Roset, Kloodwing, Xi Zhang, Maylee Mouse, Elena Garnu, Eduardo Vieira, Juliette Oberndorfer, Pri Barbosa, Mary Dimary, Cameron Stewart, Dave Mckean, Loish, Ryan Andrews, Cyril Pedrosa, David Mack, Sarah Maxwell, Bill Sienkiewicz, Lu Cafaggi, Carol Rossetti, entre outros. 

Alguns artistas que eu me inspiro, gosto de estudar como eles resolvem as ilustrações deles, os estilos e como eles contam as narrativas, então tento aprender com eles e trazer isso para as minhas obras. Outros eu só acho a estética muito bonita, então eles me inspiram a criar, é algo mais emocional. Talvez tu observe esses artistas e não encontre muitas similaridades entre os trabalhos deles e os meus, mas eles existem dentro do meu mapa de influências internalizado e eu sempre me empolgo quando vejo algum trabalho novo deles.

Princesa Mononoke pelo traço de Ty Silva
Princesa Mononoke pelo traço de Ty Silva. (Imagem: reprodução)

DN – Você teve algum marco importante na sua carreira ou um momento decisivo? Como isso influenciou sua trajetória?

Já tive alguns. Dentre eles, acho que posso destacar um evento que eu participei em São Paulo, o Art Battle. Foi um momento de me colocar como uma artista em atividade no Brasil, de lidar com o público, fora a pressão de ter de pintar ao vivo, e também foi um espaço onde fiz muitos amigos. Portanto, foi um dos primeiros locais onde eu estava cercada de artistas que eu admirava e isso me incentivou muito.

Além disso, quando eu voltei para Belém eu desenvolvi com amigas o coletivo MAR, que é um coletivo de mulheres artistas paraenses, então foi um momento não só começar a ser reconhecida no cenário paraense, como também de deixar mais explícito o meu ativismo dentro do cenário artístico, em relação à luta por espaço e visibilidade para mulheres, principalmente mulheres no Norte. Isso me influenciou profundamente em termos de me impor mais como mulher e como profissional, em me envolver em grupos e causas que são importantes para mim e que ficam explícitas nas minhas obras atualmente. 

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DN – Quais são os trabalhos ou projetos autorais preferidos? Qual o motivo?

A história que eu publiquei no Mulheres & Quadrinhos (Skript) foi um dos trabalhos que eu mais amei fazer. Primeiro porque foi o momento que eu percebi que eu era de fato uma quadrinista e estava sendo reconhecida por isso, como também foi uma história que falava sobre a minha ancestralidade e resumia de certo modo o meu ativismo, então é uma das minhas histórias favoritas.

Outro projeto que eu amo é uma série de ilustrações sobre mulheres indígenas que é o Siga Vozes Indígenas, porque ela é uma série onde eu posso desenhar pessoas fortes e que eu admiro, majoritariamente mulheres, além de possibilitar que pessoas conheçam ativistas e artistas indígenas e aprendam sobre a situação que os povos originários estão vivendo desde a chegada dos colonizadores.

Ancestralidade em forma de quadrinhos: “Raízes” do livro “Mulheres & Quadrinhos” (Skript) é um dos trabalhos mais queridos por Ty Silva.
Ancestralidade em forma de quadrinhos: “Raízes” do livro “Mulheres & Quadrinhos” (Skript) é um dos trabalhos mais queridos por Ty Silva. (Imagem: reprodução)

DN – Você faz parte de alguns coletivos, pode dizer quais e como eles potencializam seu trabalho?

Faço parte do MAR (Mulheres Artistas Pará) e do Açaí Pesado. O MAR é um coletivo com mais de 100 mulheres que buscam lutar por visibilidade e contra o machismo no meio de trabalho. Foi uma oportunidade de conhecer artistas incríveis, de troca de ideias e conhecimentos. Sempre me inspira em produzir com elas, além de realizar os eventos ocupando os espaços artísticos de Belém.

O Açaí Pesado é um coletivo de quadrinistas independentes formado pelo Volney Nazareno, Ricardo Harada e Alexandre Coelho, e atualmente eu sou uma das editoras. Então foi uma escola para aprender como produzir quadrinhos, além de ser um grupo onde publicamos juntos pelo menos duas edições anualmente, e foi também a casa para o nascimento de diversos coletivos de quadrinistas em Belém. 

A maioria dos meus quadrinhos foi desenvolvida pelo selo do Açaí Pesado, então o coletivo é um espaço de criação coletiva e resistência artística em Belém. Além deles, ainda têm grupos menores como os dos Quadrinhistas do Norte e o coletivo Troar, onde o primeiro tem a função de unir os artistas da região e desenvolver possíveis publicações e o Troar é um grupo que eu costumo ir para feiras com os artistas integrantes, então estamos sempre nos apoiando e trabalhando juntos. Eu adoro trabalhar em equipe, então poder participar de diversos grupos sempre me anima a trabalhar e a criar.

Ilustra de Ty Silva ao lado da artista Mandy Barros e da editora Sâmela Hidalgo
Ilustra de Ty Silva ao lado da artista Mandy Barros e da editora Sâmela Hidalgo (Imagem: reprodução)

DN – Você tem algum novo projeto em andamento?

Sim. Atualmente o Açaí Pesado está desenvolvendo o Açaí Pesado 3, que terá campanha pelo Catarse e deve ser lançado ao final do ano. Tenho também o projeto de uma animação com o Felipe Menegheti, de uma exposição com o Evaldo Vasconcelos, Sâmela Hidalgo e a Larissa Palmieri, uns mil projetos paralelos com a artista Moara Brasil, que vocês podem ficar sabendo pelas minhas redes, além da campanha do MAR em prol de angariar verbas para doação a comunidades indígenas afetadas pela COVID-19.


Edição e revisão por Isabelle Simões.

Escrito por:

Rafaella Rodinistzky é graduada em Comunicação Social (Jornalismo) pela PUC Minas e atualmente cursa Edição na Faculdade de Letras da UFMG. Participou do "Zine XXX", contribuiu com a "Revista Farpa" e foi assistente de produção da "Faísca - Mercado Gráfico". Você tem um momento para ouvir a palavra dos fanzines?
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